sábado, 30 de maio de 2020

" AQUI DA MINHA JANELA " - HISTÓRIA DE UM PESADELO - Dia 80




Um sábado estranho, doentio, com um rosto desanimador.  Está pardacento, "trovoado", com um sol que se escondeu envergonhado.
O dia até amanheceu bonito e assim se manteve.  Quente, com um céu limpo, convidativo a tudo aquilo que não conseguimos fazer em tranquilidade ... uma incursão na praia, um passeio descontraído junto ao mar ... porque neste momento, com a abertura das regras do desconfinamento que contemplam liberdades mais amplas, as pessoas saltaram das colmeias numa ânsia de se esbaldarem na recuperação do tempo perdido até aqui.
Voltam a ver-se magotes de gente nas ruas, nas esplanadas, sem máscaras, sem distâncias de segurança respeitadas ... enfim, displicentemente, descuidadamente, inconscientemente ... perigando a sua saúde e pior que isso, pondo em causa a integridade física dos outros !...

Fui levar um presentinho a um amigo que aniversaria hoje.  Está numa depressão profundíssima, vive totalmente só, e neste momento já não tem nenhuma autonomia pessoal, nem sequer para orientar a medicação que deve tomar.
Já não controla as necessidades básicas, as rotinas mais elementares não domina ... Passa os dias e as horas entre um sofá e a cama, num quadro mental de total confusão e incapacidade. 
"Perdido !  Estou perdido! " é o que verbaliza ...
Não tem família capaz de o integrar em nenhum ambiente familiar que o acolhesse ... recusa ir para uma instituição que será o destino inevitável que o espera ...
Enfim ... um quadro humano deplorável, uma realidade muito triste ... um fim de vida ainda mais dramático !

Adormeci no sofá, há pouco.  Detesto dormir durante o dia.  Nunca o faço, a menos que esteja mal.  É o caso de hoje.  Quando a impotência nos domina, quando esbracejamos em rebentação de mar traiçoeiro sem o conseguirmos aquietar, quando nos confrontamos com os percursos injustos de algumas vidas, sobretudo se dizem respeito a pessoas a quem queremos bem ... sem que consigamos reverter as situações ... sem que isso esteja objectivamente ao nosso alcance ... a sensação de vazio, de um vazio atroz e doído, atazana-nos o espírito e confronta-nos com a nossa insignificância frente ao determinismo da existência !
É assim ...
Mais uma gota de água nesta sensação de desconforto que me invade ... mais uma adenda a esta história que vai sendo escrita com letras de angústia, de mágoa e de cansaço ... dia após dia ... há demasiados dias já !!!

Até amanhã !  Fiquem bem, por favor !

Anamar

sexta-feira, 29 de maio de 2020

"AQUI DA MINHA JANELA "- HISTÓRIA DE UM PESADELO - Dia 79



Irregular que estou nos meus textos, eles vão fluindo ao sabor da "desinspiração" que me assalta ...

Hoje, em reunião do Governo para o efeito, o Estado de Calamidade decretado, foi prolongado.  A situação pandémica sobretudo na zona de Lisboa e Vale do Tejo escalou para valores muito preocupantes.  Os novos casos de infecções e consequentemente, de internamentos inclusive em Cuidados Intensivos, cresceu preocupantemente.
A cintura industrial de Lisboa que abrange concelhos muito populosos, quer na margem norte quer na margem sul, encaixa uma população cheia de precariedades em condições e qualidade de vida.
São zonas onde se situam os bairros limítrofes, sempre caracterizados ( e agora maioritariamente ) por sérias dificuldades económicas, condições habitacionais muito difíceis, degradadas e promíscuas, em termos de poderem ser cumpridas minimamente as exigências de segurança, garantes do controle na disseminação da epidemia.
Assim, esta zona geográfica concentra hoje 92% dos novos casos surgidos nas últimas vinte e quatro horas, no país ... e quer-me parecer que, ou lhe deitam rapidamente a mão, enquanto a escorrência puder ser estancada, ou isto entra mesmo em derrapagem ...
Morando na Amadora, zona altamente periclitante como todos sabem, pela existência de uma "entourage" residencial muito particular, com os bairros degradados e concentrações populacionais elevadas a viverem com grandes dificuldades ( mormente na conjuntura actual, em que a economia do país arrastou para limites extremos de pobreza grande parte da população ) ... receio mesmo que possam ter que ser tomadas medidas mais drásticas no controle do avanço destes números.
E assim vamos vivendo com a nuvem negra bem aqui por cima, e sem nenhum desanuviamento à vista !

Hoje é o meu dia 79.  A partir de segunda-feira, estava prevista uma maior abertura do país, não sei bem como.
Lá fora é este não sei quê de descontentamento.  Perdeu-se o gosto, perdeu-se a graça ... perdeu-se a vontade !
As cores não são as mesmas, os lugares mudaram, a maioria das pessoas evita-se e desconfia ... tudo mudou afinal dentro de nós.  E eu tenho uma nostalgia imensa.  Não é um saudosismo cego e absoluto ... Acho que é um saudosismo de mim mesma, uma busca meio perdida da minha vida, uma procura de alguma coisa que não consigo descodificar, que não rotulo ... que talvez nem saiba bem ... alguma coisa que pudesse devolver-me "aquilo"... aquilo que eu identificava como o desenho da minha realidade, e que pudesse retirar-me esta máscara sufocante da alma, esta máscara opressiva do coração, este desconforto bem sensível dentro de mim, que me retira a paz, me inquieta e me reduz a um espécime em hibernação, triste e silencioso, à espera da estação que me leve lá p'ra fora ... para o Mundo e para a Vida ...

E será que eles ainda lá estão ?  E será que algum dia vai chegar "essa" estação promissora e feliz ?

Não sei !  Hoje, não faço muita fé nessas convicções ... Hoje, continuo por aqui à espera de um qualquer D.Sebastião, que o nevoeiro que não dissipa, pudesse deixar enxergar ... mesmo através dos olhos mais crédulos e das almas mais esperançosas !!!...

Até amanhã !  Fiquem bem, por favor !

Anamar

quarta-feira, 27 de maio de 2020

" AQUI DA MINHA JANELA " - HISTÓRIA DE UM PESADELO - Dia 77






O calor aperta neste anúncio ainda prematuro de um Verão a destempo.
Custa mais ficar em casa.  O céu límpido, o sol a rodos, a brisa que sopra são um desafio ainda maior à nossa capacidade resiliente.
São uma espécie de sopro maléfico daquele diabinho ( dos dois que nos bichanam aos ouvidos ), que tem o papel de nos perturbar e tentar os maus caminhos.  O outro, que nunca sei se é anjo ou demónio, bem buzina em desespero, exibindo-nos um sentido proibido mesmo nas nossas fuças ...
A ordem é mais, de continuar em recolhimento de prudência e ponderação, já que nada está verdadeiramente ganho, e cautelas e caldos de galinha, nunca fizeram mal a ninguém !...

Bom, hoje decidi levar a cabo uma tarefa que odeio e que tenho que realizar duas vezes no ano : o "transplante" das roupitas entre os dois roupeiros maiores de que disponho.  Assim, o calor instala-se e a farpela veranil vem para o roupeiro do quarto onde me arranjo diariamente, sendo trocada pela de Inverno que aí esteve na estação cessante.
Tudo isto por uma questão de praticidade.
Só que, famigeradamente, tenho p'ra mim que o raio das toilettes engordam no período de pousio ...
ou então também estiveram de quarentena em solidariedade com todos os que têm ganho quilos e quilos em compensação do despautério a que temos estado sujeitos ... Ainda não sei !...
Sei é que os cabides, cada um  com duas ou três peças de roupa, pesam que se fartam, são espaçosos que só eles ... e custam horrores para se acomodarem no espaço, que é o mesmo, mas que parece ter encolhido desgraçadamente !
E consequentemente, esta odisseia revela-se um trabalho hercúleo que me faz suar as estopinhas !

Verifiquei entretanto que a roupa de Inverno não foi praticamente vestida !
Todos os modelitos, ordenados e em fileira, achavam que eu tinha ido de férias ... 😃😃
Só anseio que os estivais não sofram o mesmo tratamento !!!

Entretanto fui fazer a caminhada só agora pelas sete da tarde, em que uma brisa abençoada soprava e nos amenizava o esforço.  Na última vez ia " morrendo" com a canícula que se sentia ...
A mata hoje estava frequentada por muito mais gente.  O que vale é que é um bosque cerrado, e os caminhos que disponibiliza garantem-nos a tranquilidade do afastamento entre os utentes, com respeito pela distância social de segurança .
Se aquela mata me falta !.....

Bem, a minha crónica de hoje é assim uma historinha de caracacá ... Mas também não posso  estar sempre  a  contar-vos  ou  desgraças, ou  a  desenvolver  grandes  e  eruditos  temas ...  😌😌
Estes episódios meio "naïfs" afinal também fazem parte das minhas vicissitudes em quarentena !...

Até amanhã !  Fiquem bem,  por favor !

Anamar

terça-feira, 26 de maio de 2020

" AQUI DA MINHA JANELA " - HISTÓRIA DE UM PESADELO - Dia 76





Lisboa "desconfinou" em beleza, em doçura e em tradição ...
Por todo o lado, nas avenidas e pracinhas, as fotografias dão-nos conta do bilhete postal com que todos anos ( por este tempo em que os dias se iluminam e as temperaturas se animam ), a cidade se engalana, se enfeita e se perfuma ... os jacarandás emolduram a cidade, da Alta à Baixa ...

Hoje volto a escrever a propósito do desconfinamento que começamos agora a implementar, e em que todos nós, timidamente, damos os primeiros passos na recuperação das nossas vidas.
As nossas vidas, tal como as conhecemos e tivemos, não mais voltarão, tenho a certeza.  Tudo mudou, nós mudámos ... a realidade é irreconhecível !  A nossa forma de a encarar, também.

Dizia-me ontem uma amiga, estar " a sair para o fundamental, mas que achava que tudo havia perdido a graça e que nem "trapos" tinha vontade de comprar " ... no que constitui uma enormidade em termos femininos ... digo eu ... 😄😄
Pois eu estou exactamente assim, e sei que esta forma de reagirmos e nos posicionarmos, está a ser avaliada e estudada por técnicos de psicologia comportamental. 
Tenho lido a propósito, e enquadro-me direitinho no perfil do antissocial, fruto da pandemia, sequela séria do quadro sanitário que nos atropela.
Eu pareço desejar estar com as pessoas ( e agora que até já poderia estar ) ... mas recuo nos meus desígnios.
E não é propriamente por medo ... é por desábito mesmo, é por desinvestimento em laços que foram caindo aos nossos pés, sem que lhes pudéssemos valer !
É porque parece que já perdi o endereço do coração ...
E isolo-me, e continuo nestes dias desinteressantes, cansativos, desgastantes e doentios ... persistentemente isolada !

E nada disto é positivo !  Nada disto nos fortalece !
Bem ao contrário, o Homem sendo um animal gregário, um animal de relação, um animal de clã, depende dos afectos para se espaldar, para se auto-proteger e para se erguer dos tropeções da vida.
Eu sei disso, e sei também que a amputação desses afectos é a amputação que realmente conta e mata, dia após dia.
E foi claramente essa amputação, que viemos sentindo em crescendo na perda das nossas rotinas, no afastamento dos nossos familiares e amigos, que nos foi desestruturando emocional e psicologicamente, nos foi entristecendo e deixando "fora de combate", numa dicotomia estranha, entre o vencer ou não a inércia do marasmo a que temos sido votados, e a incapacidade de conseguir voltar a olhar à nossa volta, com os olhos de valer a pena que deixámos lá atrás ...
E esse desequilíbrio e essa incapacidade, é o barómetro aferidor da sanidade mental remanescente das pessoas, e é claro indicador do seu grau de perturbação, além Covid 19.

... ainda  que os jacarandás nos pintem maravilhosamente a cidade com o seu lilás de festa, lembrando que estamos quase nos Santos Populares e que meio ano já se esgotou !!!...

Até amanhã !  Fiquem bem, por favor !

Anamar

segunda-feira, 25 de maio de 2020

" AQUI DA MINHA JANELA " - HISTÓRIA DE UM PESADELO - Dia 75



Hoje não vou propriamente escrever a minha crónica diária, sobre esta situação excepcional de vida que atravessamos.  Afinal, as minhas crónicas estão a findar.

No próximo dia 1 será totalmente aberta a restrição mais generalizada no nosso quotidiano, e com ela, a retoma da normalidade possível dos nossos dias tende a ser uma realidade, espera-se.
Claro que tudo isto, se os sinais dados pela sociedade na retoma prudente, assim o permitirem.
Nada ainda é "muito normal".  Tudo ainda se sente duma forma bastante estranha e irreconhecível, em relação ao que eram as nossas rotinas.  Mas o vírus está cá, vai continuar por cá, e à semelhança de outras patologias que se tornaram integrantes no nosso percurso, assim também teremos que ir aprendendo, a medo, aos poucos e poucos ... e com todas as cautelas possíveis ... a conviver com ele, a saber contorná-lo e a defendermo-nos o quanto possível, da sua nefasta presença !

Farta que estou portanto, da Covid 19, esbarrei-me hoje entre a que sou neste timing da minha vida, e a que eu era há alguns anos atrás.
Olhei-me no espelho dos tempos, das histórias, das vontades, das memórias esfumadas ... e busquei-me ... tentando perceber até onde deixei caminhar o estrago feito por todo este verdadeiro circo de horrores ...
Estou mais velha, claro, mais cansada também.  Sou portadora de menos ilusões ... de mais certezas.
Transporto os mesmos sonhos e recuso prescindir deles.
Preciso sentir-me viva e com ânimo, para continuar a percorrer a estrada.  Quero ignorar o determinismo do tempo, e sacudo a canga que ele sempre nos quer colocar em cima ...
Não dou lugar ao desânimo ... não posso !
No início de todo este pesadelo soçobrei, senti-me injustamente em fim de linha, tolhida pelo medo e pela desesperança. Apanhada pelas incertezas do futuro ... E não gostei do que vi !
Achei que havia sido escrita uma qualquer sentença perversa, na vida das pessoas ... em algumas vidas ... na minha, seguramente !
Uma espécie de ratoeira do destino ... E revoltei-me ...
Mergulhei numa noite profunda, injuriei-me com a cerração ignóbil sobre mim abatida ... e deixei de ter olhos para novas madrugadas, novos acordares do sol no horizonte, que também se apagou na minha frente ...
E tudo era escuro, tudo se tornou tormentoso, sem caminhos alternativos ou escapatórias ...
Comecei a viver circularmente.  Em rotundas atontadas que nos reduzem à imbecilidade de manhãs confinantes com tardes e noites, e outra vez manhãs e tardes e noites ... em filmes a preto e branco com um enredo viciado ... E foi como se tivesse deixado de viver !...
E foi como se estivesse a morrer aos poucos !...

Mas o sol está aí.  O céu azulou.  O casulo abriu portadas e há verde, e cor, e flores e pássaros e sons e todos os cheiros do planeta,  lá fora ... E aqui dentro há uma vontade gigante e indómita de reencontro comigo mesma, inteira, gaiata, com ganas de passar os braços em torno do mundo e caminhar adiante ...
Caminhar, olhando o sol dormente naquele mar incessante, verde, azul ... de prata !
Caminhar, acompanhando o voo rasante e sonolento da gaivota na brisa da tarde ... e deixar-me voar com ela ...
Caminhar, apanhando todas as braçadas das margaridas silvestres despontadas no meu caminho ...
Caminhar, descalça ( para melhor sentir o que piso ), na erva fresca ... sentindo o pulsar da Vida a amarinhar-me as pernas, a subir-me ao coração e ao espírito ... devassando e acordando cada recanto de mim e dizendo-me :  Morrer, ainda não !  É cedo !  É demasiado cedo para mim !...

Até amanhã !  Fiquem bem, por favor !

Anamar

domingo, 24 de maio de 2020

" AQUI DA MINHA JANELA " - HISTÓRIA DE UM PESADELO - Dia 74



Já perceberam claramente que a minha crónica em episódios diários sobre a pandemia da Covid 19, que me propus ir escrevendo  ( "aqui da minha janela" metaforicamente falando ), e que iniciei lá atrás num belo dia de Fevereiro deste ano 2020 ... atingiu a sua recta final.

Comecei a escrever estes textos quando exactamente me auto-confinei em casa, antes ainda das estruturas governamentais e de saúde, o haverem determinado.
Eram uma forma de auto-ajuda, uma ocupação do tempo infinito que nos sobrava nos dias, uma forma de comunicar com o exterior, e extra-muros alcançar os amigos, os conhecidos, os afectos tão loucamente distantes, os que estavam , como eu, em desânimo e sofrimento...
Eram uma forma de, sentindo-nos na mesma barca, nos escorarmos e ficarmos mais fortes e corajosos !
Eram uma mensagem de presença, de apoio e de coragem !...

Vivia-se então um tempo terrível, dolorido, inseguro, angustiante, em que a realidade que nos chegava de além fronteiras, dos países que já estavam a ser fortemente fustigados sem dó nem piedade pelo vírus desgovernado ( China, Itália e depois Espanha ), era aterradora.
Sabia-se de Wuhan, sabia-se de Itália, sobretudo da Lombardia ... sabia-se de Madrid, aqui logo ao lado ... e ia-se sabendo mais e mais, porque tudo era como um rastilho de pólvora que incendiado, avançava incontido e carrasco ...
Sabia-se do pesadelo a viver-se em hospitais em ruptura, com técnicos de saúde exaustos e sem "ferramentas" suficientes para acudirem ao pandemónio instalado ...
Sabia-se do medo que tolheu as pessoas, as famílias, que bloqueou as fronteiras, que fechou as escolas ... que parou o país, no que parecia ser uma espécie de fim de linha ...

E foi-se sabendo da necessidade de resistir e de driblar um vírus desrespeitoso e assassino.
Foi-se sabendo da necessidade de nos reinventarmos ... como o Mundo se reinventava.  Da necessidade de criarmos um mundo novo, de alternativas para a sobrevivência ... num mundo onde a desistência não cabia !
Fomos sabendo de valores há muito esquecidos, como a solidariedade, o amor, a entreajuda, a cumplicidade ... e reaprendemos palavras e gestos para os quais habitualmente não tínhamos tempo.
Fomos escutando a linguagem da Terra e a do coração também.

E fomos indo, de emergência em emergência, em calamidade e por aí adiante, numa sociedade que tem dado provas de responsabilidade e maturidade ... de seriedade e sacrifício pelo indivíduo e pelo colectivo, com resultados, felizmente, animadores.
Olhando hoje para o panorama mundial, de leste a oeste, de norte a sul, a realidade sanitária que nos chega, permite-nos respirar por aqui, com um mínimo de tranquilidade ou de pelo menos, menor sobressalto !

Entrámos no desconfinamento real e objectivo, na trilha do alcance de uma vida com a normalidade possível.  Esta última semana de Maio, "fecha as contas" das medidas implementadas.
Segunda-feira 1 de Junho, será a grande abertura de portas para aquilo que residualmente ainda estava encerrado, impulsionando-se aos poucos, mais e mais, a recuperação difícil e muito lenta da economia do país, afundada que está como a de todos os outros ...
Estamos portanto a tentar renascer, a tentar respirar outra vez ... e a tentar reaprender o caminho de regresso à Vida !....

Ontem, ao voltar da caminhada, pude observar uma vez mais, surpresa, a capacidade criativa da nossa gente.
À porta de casa, numa estrada de circulação normal, e sem demais problemas, uma família criou uma "praia" para as suas crianças ... 😃😃😃... sem terreno dimensionado, sem acrílico separador ... sem outras preocupações ... na velha máxima de que "quem não tem cão, caça com gato" !!!....
Somos ou não somos bons, a criar rápida e eficientemente alternativas ???!!!...
Adorei !!!...

Até amanhã !  Fiquem bem, por favor !





Anamar

sábado, 23 de maio de 2020

" COMEMORANDO ... "



80  MIL  VISUALIZAÇÕES

Amigos

     Acabo  de  atingir mais uma dezena de milhar de entradas aqui no meu espaço.
E é com muita alegria que constato ter ultrapassado a fasquia das 80000 visualizações daquilo que escrevo, e com gosto partilho convosco.

Começado em 2008, meio a brincar, como já referi, este meu blogue tem sido a súmula dos meus pensamentos, a partilha das minhas alegrias, tristezas, ansiedades, medos, realizações e tudo quanto me atravessa o espírito e compõe a minha realidade.

Este número foi agora atingido exactamente num período muito particular das nossas vidas, em plena pandemia da Covid 19, e nele tenho registado tudo quanto tenho vivenciado, tudo quanto foi acontecendo, tudo quanto atravessámos, toda a dinâmica social que constitui o nosso dia a dia e que fica registado para memória futura.

Estou grata a todos vocês.
Espero continuar a corresponder, de alguma forma, às expectativas dos meus leitores.

Até aos 90 mil acessos !  Cá vos espero !

Anamar

quinta-feira, 21 de maio de 2020

" AQUI DA MINHA JANELA " - HISTÓRIA DE UM PESADELO - Dia 71




Dia 71 !
Ontem, septuagésimo dia deste Estado de Calamidade na sua última fase determinada até ao próximo dia 1 de Junho, falhei a minha escrita uma vez mais.  Objectivamente, acho que me sinto mesmo a "descafeínar" de vez ... 😃😃
Brincando brincando, sinto-me já um pouco diferente ao aceder ao espaço extra-muros.  Já me estreei num restaurante, já visitei a minha pitorrinha no jardim de casa onde se afobava no meio da terra, água, flores e caracóis ... continuo a fazer a caminhada três vezes por semana, e já não me encolho se decido concretizar actividades consideradas triviais nas nossas vidas, antes de ... e que neste famigerado e interminável período, suprimi, adiando para a frente ...
Só que "a frente" está já aí, e há que pegar o touro pelos cornos, que é como quem diz, o corona pelos cornichos !!!

Tudo isto foi feito com as devidas cautelas.  A máscara está definitivamente incorporada no meu modelito diário.  As luvas, para o que der e vier, repousam sempre no fundo da mala, as distâncias aconselháveis são respeitadas obrigatoriamente, a ida às grandes superfícies para compras extra, são exactamente extra-cardápio ... é ir, comprar e andar.  Ainda não chegámos ao período de ver montras, num nada fazer de centro comercial ...
Começo a conjecturar um cafezinho com amigas, em esplanada próxima, porque o sol desestabiliza esta coisa de estar em casa, com temperaturas previstas a rondar os 30 graus.
Sente-se o mundo lá fora, já a mexer.  Sente-se a vida já a pulsar outra vez ... timidamente, mas dando sinais.
Não se "ouve" mais aquele silêncio sepulcral de um Fevereiro, de um Março e de um Abril aterradores, pesados e lúgubres, em que os números da catástrofe que nos bombardeavam diariamente, nos matavam também aos poucos ...
Aquele silêncio de ruas moribundas, de cidades desertas, de países adiados ... silêncio de desespero, de medo e de morte que nos invadia e atordoava os sonos ...
Urge agora recuperar os afectos, como terapêutica curativa, em mentes e corações demasiado debilitados já !
Há que passar da imagem bidimensional dos écrans do nosso descontentamento, para as imagens ao vivo e a cores, reais, vívidas ... mesmo que à distância de dois metros ...

Penso que este pequeno fogacho de esperança que me entra pela talisca da janela  hoje, e que me faz sentir mais leve, mais confiante, mais optimista, mais crente de que afinal ainda haverá amanhã ... um amanhã com o figurino que for, com a história que viermos a viver, com os sonhos que desenharmos ... talvez seja afinal o primeiro sinal da minha assimilação do desconfinamento e da abertura tímida, cautelosa e titubeante aos novos tempos que aí estão a chegar ...
São outra vez tempos de aprendizagem ... novas aprendizagens ... de readaptações e reajustes, que teremos que reinventar.
Tempos de ir calcorreando devagar ... porque "já tivemos pressa" ... os caminhos e as estradas que à nossa frente nos reclamam toda a resiliência possível, que conseguirmos reunir.
São caminhos para alcançarmos a sanidade integral, seres amputados que temos sido, e que passa pelo bem-estar físico, mental e social que nos devolverá o equilíbrio que tanto nos tem fugido nestes tempos de loucura que atravessámos !!!

Até amanhã !  Fiquem bem, por favor !

Anamar

terça-feira, 19 de maio de 2020

" AQUI DA MINHA JANELA "- HISTÓRIA DE UM PESADELO - Dia 69




A Mel é aquela gatinha totalmente branca, de olhos azul-celeste, de nariz arrebitado e orelhas cor-de-rosa, que integrou  a minha família felina, há pouco mais de um mês.
Veio da rua, onde tudo leva a crer, fora abandonada ... e o ar doce com que me chegou, justificou de imediato, o nome que lhe dei : Mel !

Eu lido muito mal com o abandono.  Abandono de gente ou de bichos, sendo que nesta vertente a questão ainda é mais sensível, dada a ausência de capacidade reivindicativa, por quem não tem voz activa !
Os animais, efectivamente dependem e sujeitam-se ao que nós, os humanos, somos capazes de lhes dispensar ou de por eles fazer.  Não mais !
Acresce que além de maioritariamente estarem desprotegidos, são ainda  com frequência, perseguidos e seviciados, exactamente pelo único animal racional que deveria protegê-los : o Homem !

A Mel apareceu assim, na rua, do nada, numa aldeia onde facilmente se detectam quaisquer elementos, pessoas ou bichos, não pertencentes ao meio.
Seguia as pessoas, os carros, as bicicletas ... atrevia-se até aos portões que depois lhe eram vedados, miando, miando, desesperadamente parecia, como que gritando : "olhem, estou aqui sozinha, sem casa ou amigo !"...

Decidi acolher a Mel, como aliás acolhera há anos atrás os que vieram a ser agora os seus companheiros, o Jonas e o Chico, ambos da rua, ambos com histórias de vida sempre tristes e sempre doídas ... e antes destes, o Óscar e a Rita, de quem tenho saudades infinitas !

Dei-vos conta, meio brincando meio a sério, como foi a turbulenta chegada e instalação da gatinha, no seu novo lar.
Gerou-se um estado de sítio, que ironizei, semelhante ao que também vivíamos lá fora.  O Chico ( três vezes maior que a Mel ) fugia da Mel e a Mel fugia do Chico ... a Mel fugia do Jonas, o Jonas fugia da Mel ... sopros e bufadelas em regime totalmente caótico, "animaram" os meus dias mas sobretudo, e mais gravoso, as minhas noites.
Ela gritava nos tais decibéis acima do razoável, pelas madrugadas, sempre em posição defensiva, os companheiros mantinham a "distância social" exigível pela situação, movendo-se sempre pé ante-pé... que é como quem diz "pata ante-pata" ... As camas foram desapropriadas ( contei-vos ) ... a partilha  do comedouro totalmente inviável.  Sendo embora duplo ( primeiro ela só ... e depois lá chegaria a vez dos bastardos ... 😃😃😃 ) ... e não bastando ... adonou-se para pura distracção e alívio do stress, dos meus armários da cozinha, que rapidamente ficaram em petição de miséria !...

"Mel pára !  Mel, deixa o Jonas que é amigo !  Mel, vai p'ra tua cama ! "...
E nada !
"É mulher... dizia eu ... e basta !... Já não se fabricam gatos como antigamente !... " 😡😡

Madrugada alta, e eu sentada na cozinha a tentar pôr um ponto de ordem nas hostes.  Para que pelo menos, o caguinchas do Jonas saísse de cima do móvel do corredor ( único reduto considerado seguro de acordo com os seus parcos neurónios desatordoados ) ... e onde pousava em penitência de estátua, a noite inteirinha, a ver se a outra o não tomava por ponto de mira ... e pudesse ir à areia, fazer as suas precisões ...

Percebi que não adiantava suplicar à Mel que baixasse o timbre, por via dos vizinhos.
Percebi que não adiantava berrar-lhe em desespero, ou chamá-la com rapioquices.  Nada !
Não só não me ligava nenhuma, como nem os olhos ou as orelhas me sinalizavam o agrado ...
Comecei a perceber que se assustava com frequência, e que não dava conta de que eu iria sair por uma porta, quando me esperava na outra ... e ao ver-me, gritava em sobressalto ...
Comecei a juntar tudo.  A estar bem atenta, como se faz com um filho, se detectamos que alguma coisa nos foge ao controle.
Fui ler e consultar a Net, a propósito ;  a Mel é afinal, uma gatinha surda !

É uma patologia que surge numa frequência elevadíssima, em gatos com estas características : pelagem totalmente branca e olhos azuis.  É uma característica genética, motivada por um cromossoma anómalo ... o cromossoma W, responsável pela cor do pelo e por problemas genéticos no aparelho auditivo.
Se os gatos tiverem os dois olhos azuis ( porque por vezes só um é azul, ou possuem mesmo outras cores ), a incidência de surdez de nascença ocorre numa percentagem entre 60 e 80 e tal, diminuindo esta probabilidade se as características que a Mel possui não se verificassem.
São animais em alto risco, se viverem desprotegidos na rua, pois não têm condições de defesa em relação a outros animais hostis, ou a acidentes graves, como atropelamentos, por exemplo .. porque não ouvem, obviamente.
Também a exposição solar é potenciadora de desenvolverem melanoma, sobretudo nas zonas do corpo mais sensíveis ... orelhas, focinho e as "almofadas" das patinhas ...

Por tudo isto ainda bem que a Mel encontrou guarida !
Embora com surdez congénita, não constituirá nenhuma situação problemática, e a deficiência que a afecta não é impeditiva da sua felicidade no seu actual núcleo familiar.  São gatos relacionalmente normais, afectivos, dóceis e bons companheiros ...
Os gatos são seres intuitivos, muito particulares.  Quem os ama sabe que são seres de luz, com poderes mágicos protectores.
Venerados pelos egípcios, são uma das espécies animais reconhecida com maiores poderes espirituais, ao longo da História.
O gato branco é associado à energia da Lua.  Tem um forte poder curativo, recarregando energias positivas, restabelecendo o equilíbrio, aliviando o stress e a tensão dos que com ele vivem.
Ao atravessar as nossas vidas eles representam-nos  uma oportunidade de crescimento espiritual ou emocional ... dizem ...

Pergunto-me então ... por que acaso do destino, justamente agora, nesta excepcional fase da vida, a Mel "caíu" na minha, sem que eu pedisse ou buscasse ?!!!

Até amanhã !  Fiquem bem, por favor !

Anamar

segunda-feira, 18 de maio de 2020

" AQUI DA MINHA JANELA "- HISTÓRIA DE UM PESADELO - Dia 68



Sexagésimo oitavo, de um corrupio de dias aparentemente todos muito semelhantes, sem que o tenham sido, na verdade.
Ontem, dia 67, voltei a falhar a minha escrita.  Não se terá perdido nada, já que aquilo que escrevo e é portador do meu estado de espírito dia após dia, vem imbuído dos sentimentos que me atormentam.  E esses, nos momentos actuais, no mínimo não se recomendam !

Não sei escrever de outra forma.  Sempre tenho as minhas letras como meio de escorrência das minhas emoções, preocupações, alegrias, tristezas ... enfim, a transparência daquilo que sou, sem maquilhagens ou disfarces.
Do que digo, do que falo, do que escrevo, se intui com facilidade e sem margem de erro, como estou por dentro.  Quem me conhece bem, sabe-o claramente !
Também, não tenho por que camuflar o que quer que seja.  Não me preocupo com a imagem que passo, ou sequer o que possa ser pensado sobre a minha forma de encarar tudo o que se vivencia.  Até porque cada pessoa tem a sua forma pessoal de lidar com as situações, dependendo das suas realidade de vida, características personalísticas e de sensibilidade.
Só lamento não conseguir ter quase nunca, um discurso mais optimista ou construtivo.  Um discurso mais pedagógico, racional ou pragmático.  Menos derrotista ou negro.  Logicamente mais positivo.
Talvez no início deste desfiar de historinhas, eu tenha pensado que elas pudessem ter, de facto, um papel mais valioso ou útil junto dos que me lêem.
Um papel profiláctico contra o desânimo e toda a espécie de sentimentos negativos que nos assaltam.  Que elas pudessem ser, como testemunho pessoal e verídico, porta-voz das dificuldades, das angústias, dos medos, das aflições sem tamanho que julgo serem transversais a todos os mortais, sem conhecerem fronteira, língua ou credo.
Comuns a todos os cidadãos, a todos os seres viventes, já que afinal, somos todos feitos do mesmo barro, e todos temos um coração a pulsar aqui no peito ...
Que pelo menos elas pudessem ser uma identificação ... não uma perturbação para ninguém.  Sobretudo para todos aqueles que me querem bem !

Mas o tempo foi passando, cruel, indiferente, doloroso.  Desgastante, cansativo ... morbidamente longo ou demasiado curto, conforme o que dele esperamos !
E pronto, hoje sou sem sombra de dúvida, alguém completamente diferente, alguém que o destino modelou e moldou, em apenas dois meses duma experiência-limite, sem comparação ou antecedentes conhecidos.  Uma experiência nunca testada, nem imaginada sequer ... e que a minha geração ainda havia de experienciar !

Hoje, foi dia de caminhar.  Sempre naquele registo do toca e foge, a que não consigo verdadeiramente subtrair-me.
Vinha eu a pensar :  nós julgamo-nos prisioneiros, quando nos fecham, e deitam a chave fora ! 
Achamo-nos então injustiçados, castigados ... vitimizados, porque as nossas liberdades objectivas foram cerceadas.
Errado !
Verdadeiramente nós estamos aprisionados, quando nos abrem a porta e nos dão a chave ... Simplesmente,  com  ela  e  com  a  liberdade  do  mundo  lá  fora  nós  não  sabemos  o  que  fazer !

Esta sou eu, nesta readaptação difícil, tímida e desconfiada em relação ao que desconheço.  E sempre receamos o que desconhecemos, por mais tenebroso que seja o que conhecemos ... não esqueçamos !

Hoje, as creches reabriram ... "entre choros e confiança pelo desconhecido " ... era a manchete de um dos jornais diários.    Li, e as lágrimas assomaram-me ... como não ?
O coração bem "esterlicadinho" dentro do peito...
A Teresa, felizmente, foi subtraída a mais esta.  Como funcionará esta nova realidade na cabecinha de uma criança de menos de três anos ?  Como funciona a insegurança, o medo e o "ter que ser"... à porta de uma creche ?

Até amanhã !  Fiquem bem, por favor !

Anamar

sábado, 16 de maio de 2020

" AQUI DA MINHA JANELA " - HISTÓRIA DE UM PESADELO - Dia 66




Eis-me aqui de novo, e de novo sem nada com que valorizar esta minha já longa narrativa com páginas e mais páginas de histórias e mais histórias, em que a nota imperante é sem dúvida uma : cansaço !

Se eu fizesse uma retrospectiva de tudo o que tenho escrito e uma análise objectiva do que não escrevi, mas está nas entrelinhas e pertence ao "baú" dos sentimentos, emoções e afins nem sempre verbalizados, obteria um retrato perfeito daquela em que me tornei ao longo deste percurso interminável que palmilho dia após dia, com dificuldade crescente.
Mas acredito também do que ausculto, que tudo aquilo que sinto e pressinto, em nada difere de um sentimento infelizmente mais geral do que o desejável ... eu sei !

Comecei / começámos esta guerra com a força e o denodo com que se começa uma batalha.  Empenho, entusiasmo, coragem, fé ... imbuíam os nossos espíritos guerreiros, com a determinação de tudo empenharmos na defesa de uma causa nobre, comum e descomunal no tamanho e na gravidade.
Estávamos cheios de força, acreditávamos que seria uma questão de tempo, e que se nos empenhássemos e nos amparássemos nesta colossal dificuldade que nos isolava, nos amedrontava e teimava em nos enfraquecer, levaríamos o barco a bom porto.
Tínhamos um ideal comum.  E um ideal, ainda por cima comum, é sempre algo impulsionador de resultados transcendentes e inimagináveis.
Por isso, todos os esforços por maiores, seriam recompensados, todas as privações teriam um fim, todo o sofrimento potenciaria se possível mais ainda, a coragem e a entrega em prol de um objectivo  que era de todos nós : vencer rapidamente este inimigo invisível, mas gigantesco nas consequências  para o futuro da Humanidade, alcançando um amanhã  promissor de paz e engrandecimento.

E buscámos forças onde nem sabíamos que existiam, e tirámos coragem donde insuspeitamente ela residia e agigantámo-nos ... porque não temos tradição de desistir, nunca !
E fomos indo, dia após dia, driblando a vida e o destino da melhor forma que soubemos e conseguimos.
Rimos,  chorámos,  demo-nos,  partilhámos,  cumpliciámos ... e  aguentámos ... como  foi  dando ...
Sangram-nos os lábios de mordermos o desespero, inundam-se-nos os olhos pela desesperança que os afoga ... explode-nos o peito à míngua do amor que nos assoma da distância da saudade ...

E a batalha que nos esperava, era afinal uma guerra sem tréguas ou trincheira.   Era afinal uma refrega sem fim ou horizonte ...
O cansaço avolumou-se, como abóboda pesada em manhã de nevoeiro.  A garra que nos empurrava adiante, foi estiolando à míngua, e cheguei ao hoje ... sessenta e seis dias depois ...
E a sensação que me preenche é a de um profundo e exaustivo cansaço, é de um desânimo mas também quase já de uma indiferença ... é a sensação que eu julgo inundar um náufrago, na última onda, antes da desistência ...
Estou cansada ! Sinto-me espoliada pela ironia de um destino cruel que me rouba tempo, e tempo é tudo aquilo que eu ainda queria ter ... Que me rouba vida, e vida é tudo o que ainda me restava com gosto, qualidade e vontade ...
Não tenho mais quarenta anos, não tenho mais cinquenta anos ... quase não tenho mais sessenta anos ... o fim da linha é logo ali !...
E bem sabemos como é rápido chegar ao último apeadeiro !!!

Até amanhã !  Fiquem bem, por favor !

Anamar

sexta-feira, 15 de maio de 2020

" AQUI DA MINHA JANELA " - HISTÓRIA DE UM PESADELO - Dia 65



Hoje estou péssima !
Estou a cumprir o sexagésimo quinto dia deste período excepcional da minha vida ...
Como uma roupa velha esfiapada, que se costura e costura e costura, na esperança de lhe arranjarmos remédio ... e quanto mais se lhe mete a agulha, mais abre, sendo que o destino parece estar-lhe traçado ... assim sou eu !

Já dificilmente me animo com o que quer que seja.
A faxina em casa, entedia-me, cansa-me ... arrasto correntes para fazer o básico.  O que me incomoda e insatisfaz.  As compras, como já vos contei, concentradas numa única ida semanal ao supermercado, stressam-me e assustam-me.  A caminhada, a única porta aberta da gaiola dourada em que me enclausuro, também já custa a demover-me a deixar o poleiro.  Não fora mesmo para a manutenção da saúde física ... e não sei que futuro a esperaria ...
Telefono pouco, não vejo ninguém e cultivo mesmo sentimentos anti-sociais.  Reduzo as conversas para o estrito, se por acaso me cruzo com alguém ... só me apetece estar só, e não tenho nenhuma paciência para nada !

Perguntam-me : " Tens saído ?  Já deste alguma volta ?" ...
Mas ... volta para onde, se nada lá está nos sítios onde deixei ?!

Por cada manhã em que devo sair da cama, a angústia e o cansaço atormentam-me mais e mais, a vontade de me mexer é nula, porque não há entusiasmo, não há horizonte, não há motivo ...
As noites são mal dormidas e os dias mal vividos !
E porque o Homem é o resultado do que é física e psiquicamente, as consequências psicossomáticas deste anormal figurino de vida, começam a dar sinais ... e já as sinto claramente.
E receio, pela incapacidade de manutenção do auto-controle, do pragmatismo, da  racionalização das realidades com que tenho que viver ... o que neste estádio seria fundamental, e direi mesmo ... vital !
Tudo parece estar a fugir-me irremediavelmente das mãos !
Tão difícil, afinal, conseguir tocar a minha vida em frente ... neste túnel quase totalmente às escuras em que avançamos, simplesmente tacteando o caminho !!!

Até amanhã !  Fiquem bem, por favor !

Anamar

quinta-feira, 14 de maio de 2020

" AQUI DA MINHA JANELA " - HISTÓRIA DE UM PESADELO - Dia 64




2020 está escrevendo  História, como justo protagonista de um "annus horribilis ".
Seguramente, o epíteto melhor aplicado no nosso século, a uma memória trágica  que ficará pelos milénios.

Em 92, no Reino Unido, Isabel II queixar-se-ia da coroa estar a viver exactamente um "annus horribilis".  Que pensará a monarca, nos tempos actuais ?

2020 é de facto, o ano de todas as perdas e de todos os ganhos !

Inesperadamente, depois de uma passagem de 19 para 20, aparentemente sem nada a assinalar, o tsunami devastador abateu-se sobre todos os povos, todos os países e todos os continentes, semeando a dor, a morte e a destruição das sociedades pelo mundo fora, sem fronteiras, muros ou barreiras, em que "perda" seria a palavra-chave do que viria a desenrolar-se ...

Perderam e perdem-se diariamente, vidas ... gente ... aos milhares ...
Perdeu-se a paz e a tranquilidade.  Perderam-se o sonho, os projectos ... adiaram-se sem data, as realizações que já incorporavam os nossos esquemas mentais ... as rotinas mais simples que desenhavam as nossas vidas ...
Perderam-se empregos, rendimentos, qualidade de vida ... Perdeu-se VIDA !...
Perdeu-se a liberdade, a independência ... empenhou-se a vontade, até melhores dias ...
Perdeu-se esperança ... Em muitos dias ela se nos apagou à cabeceira ...
Perdemos os pequenos nadas ... até o fazer nada, se o quiséssemos ...
Adiámos as estações. A Primavera vai caminhando sem nos podermos sentar com ela, pelos pinhais ...  sem lhe podermos colher as braçadas de flores frescas ... O Verão aguarda que a praia o caracterize outra vez, que os areais se povoem, que o sol abençoe os corpos de novo, na dolência do vai-vem da ondulação nas escarpas ... o Outono ... será que o Outono nos volta a trazer as cestas de fruta madura, e os ocres, dourados e vermelhos das ramagens a despirem-se ??
Pois só o Inverno continua por aqui ... implacavelmente, só o Inverno gélido e doído preside à nossa realidade ...
E perdemos o riso, e a vontade de o rasgar, despudorado, livre e inconsequente nos nossos rostos, com a leveza e a alegria que lhe eram devidas ...
E perdemos alguma coisa primordial e determinante ... o TEMPO ...
Perdulariamente estamos a deixar escoar por entre os dedos, tempo do tempo que nos for destinado viver ... tempo insubstituível e que jamais se repõe ...
E arrastamos uma vida suspensa entre parêntesis ... uma vida adiada ... irrecuperável !  Até quando ? Não o sabemos !
E perdeu-se a solidariedade entre os povos na hora do dar a mão.  Além-fronteiras, o Homem mostrou a sua pior faceta e a sua incapacidade de se sentir irmão ...

Mas sempre uma moeda tem duas faces, e nunca o negro é totalmente negro ou o branco totalmente branco ...

2020 e a Pandemia que para sempre será o seu rosto, também nos ofereceu ganhos inestimáveis, inquestionáveis e surpreendentes.
Foi o ano em que o Homem se reinventou, o ano em que nos transcendemos e catapultámos ao inimaginável. O ano em que percebemos que podíamos !
Foi quando as pessoas se aproximaram na distância, quando as palavras se soltaram nos silêncios, quando os afectos nos chegaram nas asas das andorinhas acabadas de voltar...
Foi o ano em que a Terra ficou azul outra vez, as águas transparentes e os céus despoluídos ...
O ano em que o verde ficou mais verde, as flores desabrocharam com a seiva da vida que sempre ganha à morte !
Em que nos demos no abraço que não demos, em que o beijo sedento atravessou a vidraça ... e voou, encaminhado pela nossa saudade ...
O ano em que crescemos e nos reconstruímos ... só porque teve que ser ...
E o medo, porque era de todos, dividido por todos os corações e suportado por todos os ombros ... ficou pequenino, pequenino, e um dia destes haveremos de o encarar de frente, na certeza de o vencermos !

... Será o ano em que voltaremos a sonhar, porque temos direito ... em que aprenderemos a caminhar de novo com firmeza e confiança, sobre as pernas que agora titubeiam ... em que a solidão que doeu será esquecida, ao reavermos o calor da amizade real e da partilha ...
Pintaremos então  um novo arco-íris nas madrugadas dos nossos dias !...

Até amanhã ! Fiquem bem, por favor !

Anamar

quarta-feira, 13 de maio de 2020

" AQUI DA MINHA JANELA " - HISTÓRIA DE UM PESADELO - Dia 63






No sexagésimo terceiro dia de confinamento, aqui estou eu sem saber que contributo posso deixar, que se justifique ou valha a pena.

Entretanto chegou-me às mãos um vídeo absolutamente espectacular, pragmático e assertivo de Mia Couto, um escritor inteiro, frontal, vertical, modesto  nas palavras que debita, como se das suas palavras dependesse o critério de GRANDE  HOMEM  e  GRANDE  SENHOR  DAS  LETRAS, com que todos o conhecemos e justamente devemos honrar, agradecendo o facto de ele efectivamente o ser !

Achei interessante porque, além de estar fabulosamente bem escrito, o seu texto aborda algo que vem na sequência do que deixei aqui expresso na minha história de ontem : o Medo !
O medo e o papel imobilizante que ele tem nas nossas vidas...
O medo e as suas intenções mais macabras e dissimuladas ...
O medo manipulador e a forma como ele se infiltra, mina e alcança ... muitas vezes com objectivos inomináveis !
O medo introduzido orquestradamente, quantas vezes ... e quantas vezes ele subjuga, domina e anula vontades, coragem e decisões !
O medo-arma ... o medo-intenção ... o medo-fim !

Nada mais a propósito  e gratificante portanto, numa fase de todo este figurino de vida que nos atormenta e destrói e em que de um modo geral todos já sentimos claramente no corpo e na mente, os efeitos colaterais desgastantes e destruidores deste maldito vírus ... do que podermos escutar quem sabe !
Todos, no reinício de uma aproximação à normalidade da vida lá fora, falam agora no desajuste das posturas, no desconforto das emoções, na aflição que se sente com premência, e numa quase inaptidão de retoma da vida,  quando confrontados com a realidade além das nossas quatro paredes protectoras.
E todos sentimos por isso, um Medo acrescido. 

Desse medo fala magistralmente Mia Couto, e com ele e com as suas palavras me despeço hoje .

Até amanhã !  Fiquem bem, por favor !

Anamar

terça-feira, 12 de maio de 2020

" AQUI DA MINHA JANELA " - HISTÓRIA DE UM PESADELO - Dia 62




Hoje foi dia de dar um basta a este cabelo tão totalmente desordenado e tão sem norte, quanto os dias que estamos vivendo.
O comprimento estava absurdo, a auto-estrada branca que me percorria a cabeça, assustadora.
Embora tudo isso que tanto nos preocupa a nós, as mulheres ( no dia a dia das nossas vidinhas normais ), tenha sido relegado para um passado muito esfumado, face a tantas e tão graves preocupações actuais ... há um momento em que, olhando-nos no espelho, não reconhecemos mais a imagem devolvida.
E se mal estávamos, pior ficamos, com uma auto-estima pelas ruas da amargura !
Portanto, marquei e fui.

Tudo estranho, tudo esquisito, tudo coisa de "outro mundo" ...
Máscaras, luvas, viseira ... desinfecta daqui, lava dali ... "não sente ainda, porque vou limpar primeiro !"... "spraya" o pente, "spraya" a escova, secador e tesoura ... 😃😃😃 Coloca capas protectoras e descartáveis ...
"Amor ... ficou bem ?  Era assim ? "....
E eu, olhando metade da cara, porque o resto devidamente escondido, só deixa imaginar como será ...

Sei lá se ficou bem !  E também, quero lá saber se ficou bem !!!
Dará para o gasto.  Agora lava-se em casa, porque já tem corte ... como costuma dizer-se.  E depois, também, quem vejo e quem me vê ?
Na mata, o pessoal que me cruza, quando cruza, fá-lo chispando ... No super, uma vez por semana, sou eu que circulo pelos corredores em modo ultra-sónico ... e na rua, vou de facto tão disfarçada que ninguém conhece ninguém ... nem os velhos amigos das tertúlias do cafezinho ...
Tudo estranho, tudo esquisito, tudo coisa de "outro mundo" ...

Constatei na passagem, que havia já algumas lojas do comércio de rua, abertas.  Abertas e vazias, claro.
Constatei que aquele dito "mundo lá fora", se me afigura excessivamente desconhecido.
O que é que aconteceu, enquanto me encafuei entre estas quatro paredes da minha casa, que neste momento sinto mais que trincheira ou reduto ... o único refúgio onde pareço saber estar ?!
Ir lá fora, é uma espécie de raide aéreo sobrevoante do "inimigo", que imagino pululante pelas ruas, filas, bancos de jardim e por todos os lugares mais inóspitos e inimagináveis.
É uma espécie de descida às profundezas da insegurança, do desconhecido e do aterrador ...
É uma aventura e um desafio em que quase sempre perco, entre mim e o medo, a hesitação e a coragem que me escapa.

E constatei que quase já não sei andar na rua !   Não me sinto segura, descontraída, confortável ...
Sei que este estado de espírito é objectivamente um efeito colateral do pesadelo que atravesso, e que faz perigar a minha saúde mental.
Um dia, mais tarde, quando houver tempo útil para se fazer a História desta pandemia, quando houver distanciamento suficiente para análises e conclusões, ver-se-ão também os danos psicológicos provavelmente irreversíveis, causados por ela, às populações mundiais.
Como numa guerra, em que verdadeiramente estamos mergulhados, sentem-se no corpo e na alma as síndromes consequentes do stress, da angústia, da pressão, da incerteza no futuro ... e todas as outras resultantes dos estados limite a que estamos sujeitos.
Estados desestruturantes, demolidores, incapacitantes mesmo, receio.

E pronto, no regresso eu meditava sobre tudo isto, e claramente me percebi como um pássaro que, de gaiola aberta, não arranca do poleiro !...
Tive um assim, e na altura nunca entendi o que eu chamava de "estupidez do bicho" ...
Afinal, eu nunca percebera até hoje, o real valor da segurança !!!

Até amanhã !  Fiquem bem, por favor !

Ah... é verdade ... ofereço-vos a minha "Covid 19 - imagem" ... 😃😃😃


Anamar

segunda-feira, 11 de maio de 2020

" AQUI DA MINHA JANELA " - HISTÓRIA DE UM PESADELO - Dia 61






Mais um dia por aqui ...
Hoje foi dia de caminhar, depois de quase ter que driblar a meteorologia.  Dito de outra forma, entre aguaceiros e nuvens de cara feia, lá me fiz ao caminho.
Contudo, a chuva que ainda assim apanhei, não deu p'ra encharcar.
A mata já começa a enlamear de novo, o que me circunscreve a circuitos alternativos que não aprecio.  Eu gosto mesmo é do silêncio que por lá se sente, dos pássaros e das flores selvagens, singelamente belas !

A mata é um local de recolhimento, como já referi vezes sem conta.  Um lugar equilibrante e revigorante de todas as energias que preciso, para me ir aguentando nesta senda dura e punitiva, que trilhamos. 
É um lugar de solilóquio, um lugar de reencontro, um lugar feito para reflexão, para busca de respostas para os tormentos interiores que me devassam.
Lá, eu balbucio as dúvidas, as incertezas, conto as mágoas, queixo-me dos tormentos, pergunto e respondo ... lá, eu exprimo sentimentos que me inundam, de emaravilhamento, de gratidão, de fascínio pela Natureza envolvente, pela sorte que me contempla de estar viva e com saúde ...

Hoje, o "trabalho de casa" foi longo e difícil.

Em primeiro lugar, no caminho, deparei-me com dois "outdoors" colocados certamente pelo Município.  Isso, não interessa para o caso !
Olhei-os e li o que diziam.  Como ando daquele jeito que já vos falei ( parva de todo ), de imediato um nó me apertou a garganta, e a lagriminha misturou-se com os pingos da chuva que ameaçava.
Os profissionais de saúde, desde a primeira hora são credores de toda a nossa admiração, apoio, compreensão e agradecimento.  Na linha da frente, pondo em causa a sua integridade física e as suas próprias vidas, abraçaram esta causa incondicionalmente, dando o melhor de si, na dádiva de si mesmos  para com todos os seres humanos que deles necessitam ...

Os estafetas, que me cruzam o caminho, que vejo da minha janela, e que encontro  com chuva, sol, bom ou mau tempo ... uns, em pequenas e humildes motos pessoais ... em bicicletas mesmo, ao ritmo do esforço da pedalada, os que não dispõem de outra forma de se deslocarem ... Seguramente auferindo retribuições mais que precárias, são o garante de que muita gente, comodamente - em casa, no trabalho ou onde for necessário -  não ficará sem a refeição que pediu online, sem precisar expor-se, perder tempo ou correr riscos acrescidos, neste confinamento desejável ...
Fazem parte, sem dúvida, de uma profissão de recurso, uma profissão nascida deste figurino surreal que dita as nossas vidas em plena Covid 19 !
Como lamento que tenha que ser assim !...   "Pelo menos têm emprego !..." dizem-me ...  E até é verdade !!!

Bom, mas ambos os cartazes, são mensagens de profundo reconhecimento.  São sinais de humanidade ... são um pouco do bom, que temos dentro de nós !  São o meu país !... Nós somos "isto"... sem dúvida !

Segui, na demanda do verde.
Trazia comigo há largo tempo ( e já aqui disso falei ), uma angústia irresolúvel, uma ansiedade atroz, uma incapacidade de me nortear a propósito. Que crescia com a passagem dos dias !
A Teresa fará 3 anos dentro de um mês.  A Teresa tem a mãe enfermeira num dos hospitais de referência, tem o pai a trabalhar no exterior, ligado a uma empresa de energias renováveis, em regime de alternância com vindas a Portugal.  Já o referi em escritos anteriores.
Frequentou até fins de Fevereiro uma creche, perto da casa onde vive, a qual, a partir da publicação da primeira emergência sanitária, encerrou.
A mãe ficou com a filha em casa, ao abrigo das disposições legais de apoio às famílias com crianças de idade inferior a 12 anos, conforme todos conhecem.
As creches reabrem no próximo dia 18.  Também já aqui expus as minhas inquietações a propósito.  Também já me insurgi com essa determinação, por parte das estruturas responsáveis da Saúde, mostrando-me incrédula, confusa, e muito, muito preocupada com as possíveis e graves consequências que daí podem advir para as nossas crianças.
Há a possibilidade de a Teresa ficar em casa, ainda até 1 de Junho, em limite máximo do apoio estatal determinado.  A partir desse dia, a mãe reassumirá o trabalho, e a Teresa ou vai p'ra creche, independentemente de qualquer condição, ou .....
E este "ou" ... é um imenso ponto de interrogação, para o qual parece não existir resposta.
A família, além do núcleo restrito da criança, contempla os avós e a tia, que está em tele-trabalho, com três filhos igualmente confinados, em estudo à distância.
Assumiria a Teresa no seu agregado familiar, desde que a criança não contactasse a mãe, sendo esta uma potencial veiculadora do vírus.  Nada disto é exequível, como se imagina.
Os avós configuram um grupo de risco, etariamente falando.

Bom, perante tudo isto, e à medida que os dias foram transcorrendo, muitas noites atravessei em claro, muitas horas angustiantes me atormentaram, muitas dúvidas e conflitos me percorreram, muitas perguntas sem resposta me martirizaram ...muito medo quase me paralizou ...
Talvez um milagre ... quem sabe até lá surja uma solução ... talvez a pandemia se contenha ... e eu, faço o quê ? ... e eu, consinto que um neto meu corra riscos acrescidos, por medo ?  Eu vou permitir que uma criança sem defesas, se exponha, com resultados imprevisivelmente funestos ... porque não tenho coragem ?
Mas, o que faria a minha mãe, nestas circunstâncias ??

E aí, no silêncio orvalhado dos caminhos desertos, com os pássaros em trinados e gorjeios celestiais ... aí, comigo perante mim apenas, como um espelho despido e nada mais além da transparência, da verdade, da frontalidade ... deixando escutar simplesmente o meu coração e a minha alma ... tudo repentinamente clareou, e se tornou absolutamente simples e óbvio ...
A minha mãe olhou-me, e naquele seu jeito maroto, sempre presente, disponível e de generosidade sem dimensão, disse-me " está calma ... não vai acontecer nada ! "

E pronto.  A minha cabeça está arrumada !
Quando, em qualquer circunstância da minha vida, sou posta à prova, sofro até decidir, mas quando o faço, assumo-o em plenitude e vou em frente.  Neste momento, estou por isso, em paz e totalmente tranquila.
Haja o que houver, a minha cabeça deitará na almofada com toda a felicidade do mundo !!!...

Desculpem o desabafo !  Era-me preciso !

Até amanhã !  Fiquem bem, por favor !



Anamar

domingo, 10 de maio de 2020

" AQUI DA MINHA JANELA " - HISTÓRIA DE UM PESADELO - Dia 60




Adoptei uma gata louca !

A Mel é a perfeita assombração que entrou na minha casa, em plena crise Covid-19, confirmando a velha teoria de que uma desgraça nunca vem só ... 😃😃😃
A presença da criaturinha é a prova objectiva da minha acentuada insanidade mental ...
Se não, vejamos ... Eu estou mais para avó do que para mãe, e numa fase da vida em que no máximo me é exigível, quando muito, levar crianças aos baloiços - o que já não é lá grandes coisas - tenho agora que voltar às fraldas e biberons ...😃😃
Mal comparado, é mais ou menos isso ... não sei se alcançam onde quero chegar ...

Pois bem, aqui em casa, não bastando o que bastava, vivo mergulhada numa adrenalina de dar dó.  Além dos "residentes", Chico e Jonas, estarem totalmente confinados ... eles sim, mantendo um distanciamento "social" mais do que obrigatório, em estado de sítio, alerta e vigília, eu própria estou mergulhada num anómalo figurino de vida .
 Com cerca de um ano de idade, estimada pelo veterinário, esta "desinfeliz" chegou, e virou-nos a vida do avesso.
Só há verdadeiramente paz, quando os olhos se lhe fecham de cansaço, e cai em sesta continuada.  Graças a Deus que os gatos passam dois terços dos dias a dormir !  Só que esta alminha  tem os sonos trocados, que é como quem diz, a noite acaba-se-lhe, pelas 4 da matina.
Daí em diante, entramos em modo de "caçada".
Como um exemplar felino que se preza, e sendo fêmea, deve supor encontrar-se na savana africana a caçar de emboscada, tudo quanto mexe.
Faz o ponto de mira, assume uma postura rasteira e silenciosa, caminha em pezinhos de lã, e dispara em alta velocidade, rumo ao alvo.
Ora aqui em casa, o alvo escolhido é quase sempre o Jonas, que nunca mais pôde pôr pé em ramo verde.

Mas o alvo pode também ser um tapete, com o qual se embrulha numa fúria desenfreada, ou pode mesmo ser a sua própria sombra ( que assumirá uma dimensão monstruosa, naquela cabeça de minhoca ), ou o próprio rabo, que mexe sempre à sua revelia, que a desafia e que a perturba profundamente !...

Bom, e eu que tento dormir recolhida no meu quarto, subtraída à arena destas aventuras, não consigo concretizar esse desiderato.  Aquela gata doida, com um neurónio de ventoínha, corre pela casa às escuras, e desvairadamente leva à frente tudo o que lhe obstaculiza o caminho.
Cai isto, arrasta-se aquilo, arranha-se aqueloutro ... tudo acompanhado de uma voz de falsete de cana rachada, que tenho a certeza, dará pesadelos aos meus vizinhos de baixo. Ou não prevaleça o silêncio das madrugadas !...
Esta noite, pelas 4 ... 5 da manhã, sentava-me eu na cozinha, tentando argumentar com a criatura, para trazê-la à razão : " Shiuuuuu .... Mel, não se pode fazer barulho, está tudo a dormir !!! "

Tenta-se uma estratégia alternativa - recolhe-se comigo o Jonas ao quarto, deixando a desonerada na cozinha com o Chico, que verdade seja, tem uma "souplesse" comportamental, invejável.  Quando a coisa se excede, dá-lhe umas bufadelas correctivas, e pouco mais.  De resto, deve pensar : "Quanta insanidade !... Que doidivanas a minha dona havia de ter arranjado, para nos atazanar a vida !"...

Erro !
A Mel, danada por proscrita, acha-se no direito de me responder à altura.  E como quem tem vagar, faz colheres, ela tem o resto da noite, para avaliar da resistência da madeira dos armários, por exemplo.
E assim, os meus armários da cozinha, prometem  ter a sua saúde gravemente comprometida !
Já os borrifei largamente, com um chamado "afastador educativo de cães e gatos " ... estão a ver o que seja, certo ?...
Em vão !...  A prova do crime está acoplada a este meu escrito ... O tricotado é perfeito !  O meu desespero, também !...
Do quarto, e de ouvido à escuta, oiço o trabalho laborioso que se desenvolve extra-paredes, e salto da cama ... em fúria, com o sono a refilar, com ímpetos de a esganar !
E lá vou eu... e atrás de mim, o Jonas que sem sossegar, tenta de novo a sua caminha que lhe sorri da cozinha ...
E a maluca, enfia então para o quarto, o que também "não vai prestar" ... pois aí é a altura de andar por cima dos móveis, deitando para o chão, pequenos bibelots, óptimos para bolas de golfe !...
E sono ... népia !!!

Bom, e só de vos contar, já estou outra vez cansada ! 😃😃😃

Hoje, no sexagésimo dia desta interminável história de pesadelo, agora ainda mais agravado na minha vida, resolvi contar-vos estes episódios macabros, para que vocês percebam que no meio disto tudo, muito saudável sou eu !!! ....  ( ahahah )

Até amanhã !  Fiquem bem, por favor !



Anamar

sábado, 9 de maio de 2020

" AQUI DA MINHA JANELA " - HISTÓRIA DE UM PESADELO - Dia 59




À beira de numericamente completar dois meses de uma reclusão que parece ter a eternidade por dimensão, repenso se continuarei ou não, a escrever diariamente estas histórias que chamei de "pesadelo".
E repenso, por razões de vária ordem : desde logo, porque o cansaço de toda esta anómala situação que vivemos, me retira a disposição, o entusiasmo, e até alguma da alegria inicial que sentia em mim, quando comecei a rabiscar os primeiros textos.

Depois, já aqui referi vezes sem conta ( e é sentido por todos ), a indefinição carrasca do tempo, com dias que se arrastam morbidamente iguais, sem amanhãs que nos ponham em pé com esperança e ânimo ... e em que cada vez mais, acordar e sair da cama por cada dia, se mostra uma verdadeira e penosa epopeia ... amalgama as emoções num sentimento único, de cansaço e quase indiferença já !
Cada vez mais, arregimentar forças, não se sabe de onde, encarar o novo recomeço com optimismo e alguma convicção, é uma tarefa hercúlea !
Cada vez mais, fazer de conta que ... é algo que me violenta. Eu não sou dada a positividades, se delas não estiver convicta, não sou dada a discursos delirantes se não me saírem espontâneos do peito ... não sou dada a ver copos cheios, quando os vejo bem vazios ... não sou dada a pragmatismos exacerbados, embora saiba que tudo seria mais fácil para mim, encarando a realidade com o distanciamento por eles permitido.

Sou, geneticamente, uma pessoa negativa, fraca, sem resiliência notória ... impreparada para grandes confrontos com o destino.
Lido mal com as contrariedades, tenho dificuldade adaptativa às situações e aos desafios, e sossobro com alguma facilidade, "desmontando-me" emocionalmente, sem apelo nem agravo ...

Por tudo isto, duas questões se digladiam entre os meus neurónios ainda aproveitáveis :

- por um lado, os meus relatos diários começam a entediar, por semelhantes, por doídos, por falta de diversidade das vivências descritas.
Porque na verdade, à semelhança dos dias confinados às quatro paredes desta casa, aquilo que hora após hora me domina, é este marasmo cansado da repetição "ad eternum", de um esquema que não é mais de vida, mas sim de sobrevivência. Não consigo já ter fôlego, iniciativa, vontade ou gosto para colorir os dias, onde o cinzento teimosamente predomina ...

- por outro lado, penso que falhei rotundamente o desiderato que talvez tenha sonhado alcançar - que os meus escritos, tivessem junto de todos os que me lêem, um papel pedagógico pelo exemplo, um papel de utilidade, ajuda e incentivo no ultrapassar de todo este sofrimento, e que fossem capazes de canalizar sempre, uma mensagem de esperança, de optimismo, de força, de luz e de fé em relação a um futuro que todos temos, afinal, o direito a voltar a viver ...

Falhei !
Falhei porque me desconheci. Falhei porque exorbitei nas minhas capacidades. Falhei porque fui ingénua. E, "dos fracos não reza a História" ... soi dizer-se .

E hoje dou por mim, chorona muitas vezes, aflita outras tantas, desesperançada mais ainda, confusa, e mais carente talvez do que todos vocês, de um colo, de uma coragem, de um amparo ... de um ombro e de uma mão que me erga, de uma luz que me clareie este caminho de profunda cerração, neste epílogo crepuscular da minha existência !...

Até amanhã ! Fiquem bem, por favor !

Anamar

sexta-feira, 8 de maio de 2020

" AQUI DA MINHA JANELA " - HISTÓRIA DE UM PESADELO - Dia 58






As "chagas de Cristo" já abriram, na mata.  As "maias" também.
Passei, olhei-as e lembrei.  Lembrei muito, porque agora dou nisto ... uma pieguice só, que me humedece constante e facilmente os olhos ...

Os últimos tempos da vida da minha mãe, foram absolutamente demolidores.  Acredito que mais para os que ficaram, do que felizmente para ela, que cumpria o seu desígnio - viver, enquanto aquele coração teimoso lhe batesse no peito.
Eu, endureci. Eu, cobri-me com a melhor carapaça que arranjei.  Eu, e os que a assistiam a ir-se duma forma inglória e injusta, dia após dia.
E desaprendi de chorar.  O nó que me sufocava ( e sufocou ) vezes sem conta, recolhia-me as lágrimas que me secavam no peito, antes de brotarem ...

Hoje, choro por isto e também por aquilo.
Hoje, choro porque me enterneço com aquela flor singela que desponta timidamente, choro pelo silêncio dos caminhos sós, choro porque o hino que a passarada me dispensa, tem trinados que me penetram a alma ...
Choro pela condição humana neste momento.  Pelas crianças e jovens, na idade do valer a pena, afastados injustamente  dos afectos, dos amigos e dos amores.
Choro por nós todos, com uma vida suspensa, que se acaba com os dias, com as semanas e com os meses.
Choro pela destruição dos sonhos.  Pelo cansaço da espera ...  Por este Inverno que nunca mais adentra a Primavera ... neste quase Verão !...
Choro, porque sofro de uma doença chamada saudade.  Saudade das pessoas, dos lugares, dos momentos.  Saudade dos que foram indo à minha frente, e saudade dos que estão por aí, algures, à distância do meu pensamento e da minha memória ...
Saudade de mim ... muita saudade de mim !  Ausência de  vida ...

Ontem, à meia noite, a Serenata Monumental da abertura simbólica da Queima das Fitas, elevou uma outra vez os toques dolentes das guitarradas e as vozes dos estudantes, aos céus silenciosos de Coimbra ...
Não fui estudante em Coimbra, com pena minha.  Tal não se justificaria, vivendo em Lisboa, onde poderia levar adiante o meu plano de estudos.  Contudo, familiarmente acabei por me ligar emocional e afectivamente às tradições e ao revivalismo académicos ... que nunca vivi de perto, entenda-se.
No entanto, de alguma forma, Coimbra entrou-me na vida ...
E ontem, enquanto as badaladas ecoavam, e porque elas me embalavam o coração ... as lágrimas caíam-me cara abaixo ... como se fosse uma saudade real, aquilo que estava a sentir ...

Hoje, o dourado das maias era o sol que desceu aos caminhos da mata.  O seu aroma inebriante levou-me aos campos do Alentejo, levou-me às braçadas das flores frescas na jarra da entrada ... levou-me aos tempos das tranças, dos joelhos esfolados, da casa paterna ...
levou-me a outros Maios, perdidos nos tempos lá muito atrás ...
levou-me até Évora, ao tempo feliz em que a mãe trauteava a cantiguinha da sua juventude ... "dentre a paz que há na Terra, quando a noite flutua, brilha a giesta na serra, à luz branca da lua ..."

Saudades, saudades e mais saudades ...

Hoje, um amigo confessava  padecer desse mal infinito ... a saudade dos lugares onde vivera, das relações que mantivera, do bom e do mau que lhe preenchera a vida.
É exactamente isso !  Conseguimos ter até saudades do menos bom que nos atravessou os caminhos ...  porque também isso, foi história nossa !
E agora que temos todo o tempo do mundo, agora que os dias se encompridam e as noites se esvaziam do sono retemperador ... agora que os alvores das madrugadas nos encontram o peito pesado,  e  o  desconhecido  acorda  na  nossa  almofada  por  cada  manhã  que  começa ...
agora, elas, as saudades de tudo e todos, são as minhas companheiras fiéis de cada dia em que devo reerguer-me, porque simplesmente, dizem que  a vida continua lá fora !

Até amanhã !  Fiquem bem, por favor !




Anamar

quinta-feira, 7 de maio de 2020

" AQUI DA MINHA JANELA "- HISTÓRIA DE UM PESADELO - Dia 57




Objectivamente, dia 57 ... Ontem não escrevi e hoje para lá caminho ...
O dia é 7 de Maio deste miserável ano de 2020, o que significa estarmos a dobrar, não demora, metade dos 366 dias que nos foram disponibilizados, já que se trata de um ano bissexto.
Ainda ontem comíamos as passas ao bater das doze badaladas, e inventávamos os desejos que gostaríamos de ver cumpridos ...

Eu havia chegado há cerca de um mês, da minha viagem à Península da Indochina.  Vietname, Laos e Camboja foram o destino escolhido para festejar longe daqui, o meu aniversário.
E já ansiava por meio do Janeiro que aí viria, para um passeio completamente diferente, à Lapónia, onde as "luzes do norte" se acenderiam nos céus, para mim, no que já antevia vir a ser uma experiência única e inesquecível ...
As renas, os passeios em trenó conduzida pelos huskies no meio da floresta de coníferas, o silêncio da paisagem branca e o frio intimista dos igloos na montanha ... seriam algumas das experiências ímpares que me esperavam ...
E sonhei ... sonhei muito e planeei como viria a ser este ano que então se iniciava ...
Programei economicamente o viável, comecei a ver programas das agências, a consultar sites, até a aprender como fotografar em determinadas condições e contextos ...
E porque sempre, anualmente, quando  chega determinada época do ano, eu nitidamente "descolo", eu levanto voo e faço-me aos céus ... sem emenda ou remédio ... já me sentia por aí fora, naquela ânsia meio doida e patológica ( eu acho ... 😃 ) de me ir embora ...

Depois ... veio Fevereiro ... inesperadamente, coberto com o manto da incerteza, da dor, da angústia e da morte ...
Vieram os dias injustos, escuros, longos demais. Sem rumo, e apagados de esperança.
Veio a foice do diabo e a perseguição da doença.  Vieram as lágrimas e a indefinição da vida.  Levantaram-se as grades desta prisão da alma, e fecharam-se as algemas dos corações sem paz.
Depois ... veio tudo aquilo que todos sabemos e vamos sabendo todos os dias.
Depois vieram dias e semanas e meses ... e continuamos na cela do desespero ... negra, bafienta e sem sol.  Depois, as noites e os dias mimetizaram-se e não sabemos já, se é um ou se é outro ...
E pendurámos as emoções de fora da janela, e engolimos as lágrimas e o cansaço, e guardámos nas arcas do tempo, os afectos, a alegria, a vontade e o sonho ... até melhores dias ... se esses melhores dias chegarem em tempo útil !...

Hoje, queria ir com bilhete de ida para qualquer lugar ... qualquer que fosse ... que me albergasse e me poupasse do pesadelo que vivo, neste processo contra-natura insuspeito e carrasco !
Olho as gaivotas que se embalam aqui por cima, nesta aragem forte de fim de dia.  Os pássaros já silenciaram ... Resta o vermelho afogueado lá de longe, onde o sol fraco que por aqui assomou, já dormiu há muito ...
E vou ... vou simplesmente nas asas livres do meu pensamento.  Esse, não há vírus, incerteza ou cansaço que mo impeçam !...

Até amanhã ( sei lá ... ) !  Fiquem bem, por favor !

Anamar

terça-feira, 5 de maio de 2020

" AQUI DA MINHA JANELA " - HISTÓRIA DE UM PESADELO - Dia 55

 





AS  CORES  DO  NOSSO  DESCONTENTAMENTO ...


Bom ... vou no quinquagésimo quinto dia deste desfolhar de dias quase iguais.
Um ciclo infinito de tempo, que parece não terminar nunca !
Também, não sei bem o que espero, ou sequer se espero que surja alguma coisa diferente.  Nada parece ter a mesma significância de antes, tudo parece ser enfadonhamente desinteressante ... e os sonhos de mudança, são isso mesmo ... apenas sonhos ...
E o sonho sempre é algo inexistente, esfumado e distante ...
A diferença está em que os meus sonhos antes, eram passíveis de concretização.  Agora, parece não haver tempo útil para isso !...

Eu já corria contra o tempo.  Eu já tinha a noção clara de que teria que definir prioridades, porque esse mesmo tempo me mostrava diariamente um aumento da precariedade da qualidade de vida. Capacidades que diminuem, entusiasmo que desvanece, força física e anímica que perde o gás ...
Isto já não se faz, porque não vale a pena ... aquilo, não justifica o empenho ... aqueloutro é demasiado cansativo para o resultado que se espera ... talvez já não faça sentido ...
Seca-se por dentro, acinzenta-se na alma, emudece-se o coração !...
Que é feito de mim ?  Onde está aquela que eu fui, há apenas alguns anos atrás ?

Sinto-me muito cansada !  Hoje estou absolutamente sem chama interior, vazia por dentro, exaurida, sem ânimo !
Tudo isto talvez resulte simplesmente da realidade que vivemos, deste quotidiano fastidioso, destes dias sem sal ...
Por isso, hoje não sou companhia aconselhável para ninguém.
Propus-me contar-vos diariamente, como foi, como é, como tem sido esta estrada sem destino, este tempo sem tempo, esta agrura que nos tolhe ... esta saga crepuscular ...
Mas já não o sei mais !...

Ofereço-vos o que chamei de "cores do nosso descontentamento" ... cores da mata, sinais mudos do meu cansaço e amargura ... Luzes sem alvorada ... silêncios cúmplices do que arrasto comigo enquanto por lá caminho ...

Até amanhã !  Fiquem bem, por favor !

Anamar