terça-feira, 26 de janeiro de 2021

" IN MEMORIAM "

 



Hoje o meu irmão faria 87 anos.
E digo faria, porque há quatro dias atrás, resolveu planear o evento de outra forma.  Resolveu que já não era entre nós, neste plano terreno que comemoraria essa efeméride.  E foi embora !
Amanhã a esta hora já terá cumprido o desígnio "tu és pó, e ao pó voltarás" ...

Faz hoje exactamente um ano que o vi pela última vez ...  Depois, veio a Covid e podou os sonhos, a exteriorização dos afectos ... os abraços e os beijos ...
Há um ano, naquela exígua salinha de estar, o Vítor recebeu os presentinhos, os chocolates 
( guloso que só ele ) e os Fofos de Belas, expoente máximo de todas as visitas.  Despedimo-nos, pois era a hora do lanche de todos, e a sala de jantar, pronta, não esperava por retardatários ...
Penso que o levei para lá, na cadeira de rodas, sua forma de locomoção, entreguei a caixa dos bolos à auxiliar para que os guardasse para posterior consumo, beijei-o, disse-lhe adeus, fui-o acompanhando com o olhar enquanto me afastava ...
Nos últimos anos, à medida que envelhecia, o Vítor ficara piegas na separação.  A voz entaramelava-se-lhe, uma ou outra lágrima traía-o, quando mandava beijinhos para as sobrinhas  ou  mesmo  para  os sobrinhos-netos  que  nunca  vira,  mas  cuja  existência  conhecia ... 
Assim como se, apesar da ausência e do distanciamento ... aquela sua família nunca pudesse ser renegada !...

Já aqui falei algumas vezes sobre este meu único irmão, que a vida não chegou sequer a apresentar-me à nascença.
De facto, doze dias antes de eu nascer, o Vítor então com dezassete anos apenas, era institucionalizado numa casa de saúde para doentes mentais, onde viveu até há quatro dias atrás.
Culminando  um processo desgastante e irreversível de busca de solução para uma situação de esquizofrenia desenvolvida na puberdade, com contornos graves e ameaçadores para a minha mãe com quem vivia em permanência, visto que o nosso pai, viajante de profissão de uma firma de ferragens de que era sócio gerente, raramente estava, o seu internamento foi a única solução viável.

O Vítor, nasceu e perdeu a mãe aos dois anos de idade.  Viveu então de boas vontades em casa de familiares mais ou menos próximos.  O pai mourejava pela sobrevivência familiar, pois era simultaneamente amparo dos próprios pais e de mais quatro irmãos.  Isto, no Alentejo profundo  em pleno período da Segunda Guerra Mundial .
Cresceu, como pôde e como foi sendo possível. Estudou até ao actual oitavo ano, e era um jovem normal, sem demonstrar problemas acrescidos.  Praticava hóquei, natação, era um aluno aplicado.
Mas a mudança de idade recrudesceu uma possível patologia genética do lado materno ( o avô materno havia inclusive cometido suicídio, e a própria mãe apresentara também sinais depressivos ).
Foi diagnosticada uma esquizofrenia, como referi, e apesar do nosso pai ter procurado os melhores especialistas da época, o problema do Vítor não minorou.
Camisas de forças, electro-choques e toda uma carga medicamentosa ... a tudo foi sujeito.
Entretanto o meu pai casara pela segunda vez com a minha mãe que engravidara de mim.
Ameaças de morte, atitudes de hostilidade e descontrole, fugas por cima dos telhados das casas baixinhas da aldeia onde viviam, desaparecimento por vários dias, tudo foi vivenciado pela "madrinha" (era assim que lhe chamava),  em fim de gestação.
Como disse, o Vítor deu entrada na Instituição que o acolheu, doze dias antes de eu nascer.

Vivíamos entretanto em Évora.  Anos mais tarde viemos para perto de Lisboa, o que viabilizou e facilitou uma proximidade maior com o meu irmão.
Lembro as visitas, na camioneta do Eduardo Jorge que iam para Montelavar, aos sábados às catorze e trinta.  Lembro a caixa de meia dúzia de bolos que o meu pai escolhia sacramentalmente, para levarmos para o Telhal.
E aí íamos nós, os três.  
A minha mãe sempre chorava ao vê-lo, pois tinha-lhe carinho de filho.  O meu pai era o "durão" impenetrável, que hoje suspeito, sofreria horrores por dentro, mas nunca o demonstrava por fora ... Eu ... bom, p'ra mim era difícil, era fastidioso, era desconfortável ...
Era um afecto de alguma forma institucionalmente imposto, apenas.  Era um irmão de sangue, não era um irmão de criação.  E aquelas  visitas  a  um  lugar  de  loucos  eram  penosas,  confusas, deprimentes, para  uma  criança  primeiro ... depois  para  uma  adolescente !

No Telhal a doença estabilizou. O Vítor manteve ao longo dos anos, uma idade mental de sete, oito anos.  Adaptou-se e assimilou o meio, os padrões, a vida, que passou a ser a sua.
Lá, num outro episódio infeliz, cegou completamente, quando um dos empregados detentor daqueles molhos de chaves com que se franqueiam as portas, fechadas de imediato nestes estabelecimentos, lhe bateu, para acordá-lo, no olho que ainda detinha alguma visão ( o outro fora operado a cataratas anos antes, tendo a operação corrido muito mal ) .
Mas também a isso o Vítor se adaptou.  Usava uma pequena varinha de invisual e percorria todo o espaço sem nenhuma dificuldade.
Limpava a loiça nas cozinhas, contava parafusos e desempenhava outras pequenas tarefas na serração. Quando ainda via alguma coisa, ajudava no refeitório a descascar batatas.
Era humilde, não conflituava, era paciente e respeitador ... fez amigos !

Hoje, o Vítor foi embora.
Penso que estava cansado da vida que detinha.  Passava os dias numa cadeira de rodas, e escutava apenas na televisão, as notícias que passavam.
Tinha fraldas e estava totalmente dependente.  Os relatos desportivos do seu Sporting, também já pouco o motivavam ...
A Covid terá acabado com o resto.  A solidão confinou-o mais, às quatro paredes do pavilhão geriátrico que ocupava.  As visitas foram canceladas por precaução,  
Não sei descodificar o que passaria naquele cérebro doente ... Caíam-lhe as lágrimas quando o beijava ... 
Adoeceu esta terça-feira ... Não me deixou voltar a vê-lo !  Até isso me foi vedado !
Talvez a esta hora já festeje o seu aniversário no encontro com todos os que o esperavam ... Talvez tenha apenas aberto caminho aos que lhe seguirão ...

Vítor, desta vez os Fofos de Belas, obrigatórios quando te visitava, serão apenas memória daquele que tu foste ... para sempre !!!



Anamar

segunda-feira, 25 de janeiro de 2021

" LÁ, NO MOMENTO DA VERDADE ..."

 


Um amigo disse-me hoje que a minha escrita é a minha forma de resistência, nos tempos que vivemos.

Cada um tenta, ao seu jeito, criar técnicas de defesa pessoal para a superação da tragédia que se nos abate.  Desde sempre, desde o início da pandemia, há já dez longos meses sem fim à vista, que cada um de nós inventou mecanismos de sobrevivência e superação, dia após dia, noite após noite, em tempos de medos, desesperança e solidão.
Uns pintavam, desenhavam, trocavam brincadeiras ou coisas mais sérias via internet, cozinhavam ( faziam muitos, muitos bolos ), fabricavam pão ... outros dançavam ou ginasticavam 😁😁... jardinavam ( os que tinham áreas de lazer que o permitiam ) ... Enfim, eu escolhi escrever !
Escrever talvez porque esse seja o meu "oxigénio" de vida, porque essa seja talvez a forma de eu exorcisar os meus fantasmas, alienar os meus medos ... dividir também os meus sonhos e esperanças !

Também achei que gostaria de ir escrevendo paulatinamente a história da Covid 19, na primeira pessoa, porque um dia, quem sabe - quando todo o pesadelo tenha passado - eu volte a relê-la, a avaliá-la à distância, a analisá-la, a entendê-la se o conseguir ... enfim, quando fosse bem velhinha a relembrá-la, se a memória então ainda mo permitisse.
Desafiei a Vitória, que escreve bem, para os seus dezasseis anos, para também escrever o que lhe fosse na alma.  Um dia, quem sabe, contá-lo-ia aos filhos e aos netos ... como eu sempre ouvi da minha mãe, sobre a pneumónica, acontecida há cem anos.

E teria gostado de contar coisas bonitas, encorajadoras, que aquecessem os corações, fragilizados e doídos.
Gostaria de falar de uma realidade bem diferente.  Gostaria de falar dos meus sonhos, das minhas viagens, dos êxitos ou mesmo dos fracassos dos meus miúdos, das preocupações inerentes à vida que se fosse fazendo, sem outros atropelos ou sustos.  
Gostaria de falar da minha gaivota, dos alvores da serra aos primeiros raios da manhã, gostaria de falar das arribas, das ondas que vão e que vêm, beijando despudoradamente os rochedos no areal, da terra parideira do meu Alentejo de coração, quando a seara madura pincela de ocre tudo quanto a vista alcança ...
Gostaria de falar dos meus afectos, dos meus amores e dos meus desamores ... porque em suma, todos eles são Vida ! 
E gostaria de esquecer tudo o mais que me rodeia.  Gostaria de ignorar as notícias que me invadem, me entram pela casa dentro sem convite, gostaria de esquecer rostos, números, opiniões, vaticínios e estatísticas ...
Gostaria de conseguir ser um pouco negacionista e poder enfiar a cabeça pela areia adentro ... fazer de conta, de quando em vez pelo menos, que tudo vai ficar normal e que em breve as nossas vidas retomarão as rotinas de sempre ... como as conhecíamos e de como sempre foram ...
Mas não sou capaz !

Eu sei que as pessoas estão como eu, saturadas, cansadas, totalmente stressadas e muito, muito aflitas.  Sei que me dizem ( as minhas próprias filhas o fazem : "estou farta de covid !  Não quero mais falar disso !" ).
Sei que muitos optam pela estratégia de insuflar uma esperança que me cheira a plástico, um pseudo-acreditar  num tão socialmente correcto !  Sei que muitos ignoram e fogem de ler notícias tristes, negativas, menos felizes. Porque o ser humano sempre se defende, correndo as cortinas, para que de lá de fora entre o mínimo possível do que nos assombra.  Sei que o medo fragiliza, incapacita, adoece ... mas também sei que foi por medo, que na primeira vaga da pandemia, quando ainda lhe não conhecíamos o rosto verdadeiramente, nos confinámos em casa antes mesmo do Governo assim o determinar.  Foi por pavor que não ousávamos comportamentos de risco e nos protegemos até ao âmago de nós mesmos ...
E também sei que foi por um mecanismo exactamente oposto, que agora na vaga que nos submerge, nos afundámos e afundamos diariamente.  De repente, habituámo-nos, insensibilizámo-nos, indiferentizámo-nos, anestesiámo-nos ... passámos a sentir ( porque precisamos de acreditar nisso mesmo ), que a nós não vai tocar-nos, e que talvez o diabo não seja tão feito quanto o pintam.
Daí, algum relaxamento de costumes, daí algum laxismo nas atitudes, algum encolher de ombros e negligência.  E chegámos ao que chegámos, estamos como estamos talvez a acordar tarde de mais agora.  Afinal ...  "depois de casa arrombada, trancas na porta" ...

Por esse motivo e nesse sentido, entre a profusão de notícias, de pareceres, previsões, antevisões, estatísticas e ameaças já pouco camufladas ... faz falta "SENTIR" com verdade, sem rodeios, maquilhagens ou paliativos , o MEDO de novo.  O MEDO com todo o seu realismo, com todo o seu horror, com todo o seu semblante aterrador, contudo verdadeiro ... e percebermos que um dia pode mesmo bater-nos à porta ... por que não ??  " O medo guarda a vinha" ... diz o povo .
Somos alguém privilegiado, escolhido, especial, para sermos poupados ??  Não !  Obviamente que não !

Então ouçam COM  MUITA  ATENÇÃO, como é estar lá, dentro de uma ambulância sem sabermos se seremos devidamente acudidos, estarmos lá numa maca com a sentença dos intensivos a bombardear-nos o espírito,  estarmos lá em ruptura total com o mundo que fomos obrigados a deixar cá fora, com o nosso mundo que incrivelmente tivemos que deixar para trás ... com a nossa casa, os nossos animais  ( que será deles ? ), os nossos sonhos ... e os NOSSOS ... os filhos, os netos, os pais, os amigos ... nunca sabendo se aquilo ali, é uma sala de retorno, ou é a antecâmara da partida para nunca mais  ...

Pensem por favor, depois de ouvirem este depoimento que de propósito escolhi para vós, de um médico intensivista, que conta com a frieza, a dureza e a objectividade ... despida do adocicado que gostaríamos talvez de ouvir, como é estar na linha de fogo, como tudo acontece lá, no lugar e na hora da verdade ... e por favor FIQUEM  EM  CASA ... por todos nós e por eles também !!!

Anamar

sexta-feira, 22 de janeiro de 2021

" 21-21-21 "



Estamos num dia particular.  É curiosa a data que vivemos ... afinal hoje é dia 21 de Janeiro de 2021 do século XXI ... Engraçada esta predominância do número vinte e um no registo temporal da nossa existência !
Não quererá efectivamente dizer muito mais do que uma coincidência interessante.
Estamos num verdadeiro dia de Inverno que amanheceu mais ou menos, mas que com o avançar das horas começou a fazer cara feia, redundando num desconforto total.  
São cinco e meia de uma tarde cinzenta, chove copiosamente aquela chuva mansa e silente, e uma bruma pesada e densa foi baixando, baixando, e tirando-nos a visibilidade escassos metros adiante.  Está um dia triste, de desamparo e de desânimo.

Finalmente o Governo decidiu encerrar as escolas.  Com os números da pandemia a atingirem valores absurdos e com a pressão pública, seja dos especialistas da área, dos responsáveis da saúde, da  pressão política movida pelos partidos da oposição, aos abaixo-assinados de responsáveis da Educação e declarações de figuras com visibilidade e credibilidade no país ... confrontados com a posição suicida que seria a manutenção dos estabelecimentos escolares abertos, acabaram decidindo no sentido do seu encerramento.
Não que o espaço escolar fosse em si o responsável por surtos infecciosos.  Aliás, a verdade é que também não há certezas sobre isso, na medida em que não foi realizada uma testagem intensiva dos alunos.  No entanto, presume tratar-se de um espaço vigiado e acautelado portanto, por forma a serem prevenidas situações negligentes.
Contudo, a existência das aulas arregimenta para perto das escolas toda uma população de jovens e crianças, que em grupos de amigos e colegas esquecem as exigências do momento que se vive, e potenciam, por comportamentos erróneos, uma maior facilidade de transmissão.
Depois, são também eles, os pombos-correios na disseminação posterior do vírus, em contexto familiar e social.  Qualquer pessoa via isto.  O Governo é que parece que não ! 😏😏
Há portanto, a qualquer custo, que tentar quebrar estas cadeias de transmissão.
Assim,  pelo  menos  por  quinze  dias este  será  o  estado  das  coisas,  podendo  ( após  avaliação ) o mesmo ser prorrogado.  Entretanto, o estado de confinamento geral do país vigora por um mês, podendo também, ser alargado.

É um tempo de silêncios.  É um tempo de solidão.
Aqui por cima as gaivotas deambulam na aragem intensa que açoita, com temperaturas baixas, numa tarde desabrida que fechou totalmente.
Lá fora, as ruas desertificam à medida que as horas vão avançando e a noite desce
Ambulâncias deixam ecoar as suas sirenes em direcção ao hospital.  Sempre me arrepio ao ouvi-las.  Sempre me emociono ao pensar naqueles que nelas irão, num caminho vezes de mais, apenas de ida !
Estamos num tempo que parece de despedidas.  Despedidas diárias de tudo o que foi a nossa vida, e que exactamente "foi".  Despedidas não verbalizadas mas sentidas, dos que nos estão longe e que só escutamos pelos telefones, nunca sabendo se amanhã ainda aqui estaremos.
"Vamos estando, até que nos deixem" ... é a frase dita, porque o resto só se sente e não se diz, embora nos queime a língua e aperte o coração ...
"Olha, se me acontecer alguma coisa ... " fica dita uma vontade, um desejo, expresso um sentimento, verbalizado um voto ...
Já perdi amigos nestes tempos malditos, já soube de conhecidos que foram ... e fiquei mais pobre.  A minha vida mais vazia e defraudada.  Como numa guerra.  Como num bombardeamento.  Como no rebentamento de uma explosão.  Nunca sabemos quem parte, quem resiste, quem fica ...

Hoje um carro da autarquia percorria as ruas.  Os altifalantes espalhavam no vento que passava : " Face ao avanço brutal da pandemia, solicita-se que todos permaneçam nas suas residências!  Por favor, fique em casa !"
Veio-me à memória Itália, Março 2020 ... e estremeci. O nó apertou-me mais o peito, e uma lágrima desceu ...
Para quando, o sol a brilhar no nosso firmamento ?  Para quando um outro amanhã ?...

Anamar

domingo, 17 de janeiro de 2021

" FLASHES DO MOMENTO "




A  jornalista lançou a seguinte pergunta : "O senhor sabe que é obrigado a ter máscara na via pública "? - ao que a criatura responde de imediato com um ar feliz e descontraído - " Claro, por isso é que ela está aqui no meu bolso !..."

Não sei se ria, se chore.  Decidi-me : enfureço-me, enraiveço-me, desespero-me ... apetece-me partir a televisão, como se, partindo-a, estivesse a partir a cara a um energúmeno destes ... por azar, meu compatriota, por azar, meu concidadão...
Pergunto-me : como se pode conseguir algum resultado prático, como se podem conseguir baixar os números aterradores da pandemia, com uma massa humana deste quilate, que não só não cumpre o determinado, como ainda goza com quem o cumpre ?!

Não esquecer que este e outros "filmes" parecidos, ocorreram ontem, dia 16 de Janeiro, segundo dia do confinamento geral do país, quando os números atingiram o valor de quase onze mil novas infecções e cento e sessenta e seis óbitos, nas últimas vinte e quatro horas.
Não esquecer que este filme e outros parecidos, ocorreram num dia de sábado, de céu azul e sol aconchegante, em Carcavelos, junto ao mar, no passeio marítimo sem dúvida convidativo à sua fruição, onde as pessoas em magotes, muitas delas sem máscara no rosto, passeavam placidamente !...
Não esquecer que neste sábado solarengo, luminoso, de céu azul, as camas dos hospitais estão lotadas, as ambulâncias aguardam em fila caótica às portas dos mesmos, para admissão dos doentes, horas a fio, que os profissionais de saúde, lá dentro, estão absolutamente exaustos e em desespero, que foi trazido oxigénio pelos próprios médicos, para estabilização de doentes agudos, às ambulâncias que os transportavam, e ... que se morre, morre  desesperadamente, sem que ninguém possa fazer mais nada !
Não esquecer que este filme e outros parecidos, ocorreram um pouco por todo o Portugal, nestes primeiros dois dias de confinamento, num descaso absoluto, indiferença ou mesmo provocação à tragédia que se abate sobre todos nós e sobre o Mundo em geral !

Mas cá fora, quem teve a "boa estrela" de ainda não ter sido alcançado pelo vírus, acha-se no direito de ignorar as responsabilidades, como pessoa e como cidadão deste país.
Acha-se no direito de esquecer os deveres para consigo e para com os seus semelhantes, os deveres de dignidade e cidadania que lhe são exigíveis, o dever de obediência às regras ( discutíveis eventualmente )  que foram determinadas, que terão parecido assertivas e adequadas  ... sendo passíveis de não consensuais, obviamente ... 
Mais do que nunca deveria haver uma tentativa de unidade, porque o inimigo é único e reconhecido.  Deveria haver um ideal comum que mobilizasse e não desviasse os cidadãos do foco necessário ... já que " em tempo de guerra não se limpam armas", e o objectivo é imperativo e urge alcançá-lo, ou o sofrimento sem tamanho que já nos fustiga impiedosamente, atingirá uma escala incontrolável !

Podemos ter sérias reservas face às medidas assumidas pelos responsáveis, na publicação deste confinamento.
Podemos até achar que está em prática um "meio-confinamento" ou um simulacro de restrições.
Eu mesma, acho que as medidas tomadas, foram-no brandas de mais, e com muitos "buracos de fuga" possíveis.  Receio que elas tenham que ser reajustadas face à ineficácia das mesmas ...

Não gosto de me sentir prisioneira em casa.  Apetece-me ir ver o mar, usufruir do sol, passear livremente, abraçar e beijar todos os que amo, sem medos ou aflições, viajar, em suma ... tenho saudades da vida normal que detinha .  Estou física e psicologicamente extenuada.  Tenho noites visitadas por insónias recorrentes que me impedem um descanso retemperador.  Vivo com fobias, medos, tristeza e desesperança.  Vivo, não.  Sobrevivo no sentido emocional do termo ... Mas ... ainda assim, serei uma felizarda porque estou viva ao dia de hoje e tenho a minha família com saúde.  Tenho pão p'ra pôr na mesa.  Às vezes penso que já não sonho ... outras, que só tenho os sonhos adiados ... e que chego lá !  Às vezes choro, esbravejo ... outras, aninho-me simplesmente nas minhas quatro paredes e tento hibernar p'ra anestesiar a angústia !  Tenho medo de não aguentar e adoecer ... mas sei que não posso abrir o flanco à fragilidade do momento ... 

E por tudo isso, cumpro a minha parte.  Se tiver que tomar um remédio amargo, tomo-o se ele for p'ra me curar.  Tento respeitar o que a sociedade em geral tem o direito de esperar de mim.  Não posso perder a esperança e tenho que buscar forças onde penso já não as ter.  Tenho que me inundar de paciência e coragem, para esperar um novo alvorecer !
Enquanto isso, apanho sol à janela e vou sozinha à mata, onde os pássaros, as plantas e as primeiras flores me ajudam a sentir que estou ainda viva ... e que apesar de tudo, é bom estar por aqui !!! 

Anamar

sexta-feira, 15 de janeiro de 2021

" ENTRE AS GRADES DOS TEMPOS ..."

 



Tenho a sensação de estar a recuar no tempo !

Hoje é o último dia de alguma "liberdade" antes de mergulharmos de novo na escuridão de mais um confinamento quase total do país, imposto pela necessidade de reduzir a qualquer custo, os números astronómicos com que a pandemia nos tem presenteado desde o Natal, com valores absolutamente "insuportáveis", como já lhe chamaram.
Efectivamente, o número diário de novos infectados, consequentemente de novos internamentos e consequentemente ainda, de óbitos contabilizados, é absolutamente aterrador.
Perante esse cenário catastrófico e sem outras alternativas possíveis, havia que achatar as curvas de qualquer forma, e portanto decretar novo estado de emergência, novo confinamento praticamente total do país.
Regressámos portanto aos tempos de Março / Abril de 2020, em que apesar dos pesares, tínhamos então outra condição física e mental para encarar, suportar e ultrapassar este "modus vivendi".
Neste momento é estatístico e sente-se claramente que as pessoas se esboroam em angústia, ansiedade, tristeza, e desânimo.  Apresentam menos capacidade reactiva, menos resposta na sua capacidade de auto-controle, menos motivação no dia a dia ... em suma, menos saúde mental.  Sabe-se que 60% da população apresenta claramente sinais inequívocos de depressão e vive espaldada em ansiolíticos e anti-depressivos.
O cansaço e o desalento estão instalados !

Enquanto escuto o "Bolero de Ravel" na aparelhagem ao meu lado, colada ao aquecimento que não consigo desligar o dia inteiro ( dividido com os meus gatos que como eu, nele "mergulham" ) ... reflicto sobre tudo isto que percebo, percepciono e sinto dentro de mim.
O Natal como já referi em textos anteriores, com a larga liberalização das restrições sociais, revelou-se uma aposta no cavalo errado.  Foi uma opção assumida pelos responsáveis políticos e sanitários que nos está a sair bastante cara em todas as vertentes sociais.  O custo em vidas, na disseminação galopante das correntes de contágio, no desgaste absurdo, injusto  e sobre-humano do pessoal de saúde, e em termos económicos, afundando ainda mais uma economia que não se reerguera em todo este processo.
Sei que todos ansiaríamos por estar junto dos nossos, nessa quadra particularmente tão sensível em termos afectivos e emocionais. Certamente que sim.  
Mas se não o fazer, fosse o preço a pagar para garantir uma segurança profiláctica para a comunidade ... quem poderia contestá-lo ?!
Acho que ninguém, de posse das suas faculdades mentais !
Natais há um por ano ... saúde para o vivermos é que não seria um dado adquirido !
Seria difícil, doloroso, triste ?  Por certo !  Mas sendo necessário esse esforço, fá-lo-íamos.
Do meu ponto de vista, esta seria a mensagem que deveria ter sido veiculada, e as decisões, opostas das tomadas !

Janeiro confirmou o erro da ingenuidade assumida !

E aqui estamos numa inevitável e complicada paragem do país com custos inimagináveis e com um Serviço Nacional de Saúde em ruptura generalizada.  
E ainda  o pico deste tornado não  foi atingido, e ainda o estado caótico instalado não atingiu o seu expoente máximo, que me aterroriza e confrange !

E novas interrogações me coloco.
Desta feita as escolas não encerraram.  E embora se difunda a ideia de se tratar de lugares seguros, e  de as infecções detectadas por essa via não terem sido significativas, entre o deve e o haver, ou seja, entre os danos sanitários possíveis e o prejuízo escolar numa geração já tão afectada no ano escolar anterior ... ( apesar de enorme controvérsia entre opiniões de cientistas, médicos e responsáveis pedagógicos ligados á Educação ) foi escolhida a opção de manter os estabelecimentos de ensino de portas abertas em todos os níveis de ensino.
Lamento dizer, mas parece-me um novo "tiro no pé" esta determinação política.  E isto porque, admitindo que de facto os espaços escolares são seguros no estrito respeito por todos os cuidados profilácticos de protecção, extra-muros o que observo na minha comunidade é um laxismo absoluto no cumprimento desses mesmos cuidados.  
De facto, fora das escolas, os magotes de jovens em absoluta e descuidada convivência, sem máscaras e sem o distanciamento social observado, manifestam ser focos fáceis de futuros surtos infecciosos. 
E esta opinião já a ouvi corroborada por médicos epidemiologistas, infecciologistas e mesmo de outros quadrantes da área da saúde.  
Acresce ainda que a existência de uma mutação no vírus da Sars Cov2, que já grassa em Portugal, mais rápida na transmissão, parece ganhar particular incidência nas faixas etárias mais jovens ...
Estamos  de  novo  a  pôr-nos  a jeito para daqui  a  alguns dias termos  de    novo  recuo  nestas medidas ...
Infelizmente sei que há outros factores a fazerem pender a balança neste sentido, como os custos a suportar junto de famílias em que um dos progenitores teria que assegurar a presença junto de filhos até aos doze anos, não comparecendo por isso, nos locais de trabalho.
Também o facto de nem todos os estudantes disporem dos meios adequados e garantidos em vão pelo Governo para acompanhamento das aulas à distância, nas suas casas, terá sido determinante para a decisão assumida.
Outra medida que não aceito muito bem, embora já tenha ouvido que a mesma se espalda na Constituição, é o facto das Igrejas se manterem abertas, com todos os actos de culto permitidos, enquanto que as salas de espectáculos não o podem.
Afinal, são lugares de lazer que devidamente utilizados poderiam dar algum "refresh" às nossas vidas tão limitadas e saturantes neste momento ...

Bom, este meu texto foi uma espécie de calendário da pandemia, quando o mês de Janeiro já atingiu o seu meio, e quando temos pela frente pelo menos um mês de clausura, jogando a sorte, nossa e de todos os que amamos, por cada vinte e quatro horas de vida ...

Anamar

segunda-feira, 11 de janeiro de 2021

" ESCURIDÃO "

 


Vivo apavorada !
Apavorada como penso que não me senti,  daqui a pouco há um ano, aquando do surgimento da pandemia Covid 19 que ensombrou e assombrou o Mundo em que vivemos.

A chamada "primeira onda", que já sabíamos iria encabeçar novos recrudescimentos mais adiante, e muito embora pouco se conhecesse sobre o que realmente atravessávamos, colocou-nos em estado de choque, mas ainda com todas as defesas psicológicas afiadíssimas, deu-nos endurance para a encarar, lutar e esperar com razoável confiança, tudo o que haveríamos de enfrentar.
Foi o período dos horrores de Wuhan, com um vírus desbragado e que em descontrole avançou de oriente para ocidente, varrendo os continentes, sem respeito ou contenção, foi o período pavoroso de Bérgamo, do Palácio de Cristal em Madrid, de Inglaterra, depois Estados Unidos, Índia, Brasil e por aí fora, num rastilho incendiado que desencadeou sucessivamente frentes de fogo incontroláveis, pelo planeta.
Mas foi também  o tempo da solidariedade profunda, o tempo das partilhas, das entreajudas, o tempo de cumprir à risca, numa emergência de confinamento que encerrou o país e o mundo, todas as regras, com o escrúpulo respeitador do medo.  
Foi o encerramento quase total, na preocupação determinante de protecção ao Serviço Nacional de Saúde, para que não se tivesse que experienciar por cá, vivências e testemunhos semelhantes aos que nos haveriam de chegar de outros países.  Relatos de dor atroz, de cansaço sem tamanho, de exaustão absoluta dos "heróis da linha da frente", relatos de partidas sem despedida, relatos de colunas de camiões transportando as urnas dos mortos, num cortejo fúnebre aterrador, relatos de velhos perdidos nos lares sem compreensão do abandono a que pareciam ter sido votados ... relatos de escolha entre a vida e a morte, deste ou daquele, em hospitais onde os ventiladores não chegavam para todos ... em suma, relatos e experiências que mais pareciam tirados de um filme de terror, do que de realidades diárias violentas, dolorosas, mas objectivas !

Mas tínhamos força, foco, determinação e irredutibilidade no propósito de vencer a peste que nos assolava !  Não tínhamos a mínima noção do que nos esperava. Lembrávamos comparativamente tudo o que conhecíamos, lêramos ou ouvíramos sobre a Pneumónica ou Gripe Espanhola, nos fins da segunda guerra mundial, a qual devastou o planeta.  
Tudo o resto nos era estranho, quase inconcebível.  Por que, uma geração que a vida já tanto pusera à prova ao longo dos tempos, ainda tinha que vir a sofrer mais este revés ?!  Parecia injusto.  Era injusto !

Era o tempo de, quando um amigo "caía", os outros o levantarem, de quando as lágrimas  toldavam o olhar, a mensagem, o telefonema, o vídeo ... a palavra simplesmente, eram veículo de apoio, de incentivo, de ajuda.  Foi o tempo de se cantar à janela em sinal de solidariedade, de fazer cruzadas de velas acesas em união com o mundo que sofria como nós, e tantas outras iniciativas, numa comunhão fantástica com todos ...  Afinal, estávamos no mesmo barco !

E a primeira vaga foi andando dentro das restrições e cuidados exigíveis.  Cansaço a dar sinal, todos com a vida adiada ! 
A restauração a meio gás, as viagens quase todas inexistentes ou mesmo canceladas, as saídas de casa sempre sob cuidados, o distanciamento social devendo ser mantido, espectáculos e outros eventos sob cuidados controlados, todos os sectores sociais e económicos a ressentirem-se abissalmente. 
As famílias, tentando proteger os elementos de risco, sem se encontrarem, sem se abraçarem ... sem se tocarem !  Os funerais com número limitado de acompanhantes. Velórios inexistentes.  Lutos que nunca se farão !...
Nada como dantes, um país amordaçado ... o mundo amordaçado !

E chegámos aos fins de 2020 ... o ano que deveria ter sido banido da linha do tempo.  
Antes ainda, haveria o Natal, acontecimento particularmente sensível, em termos familiares.  Tão fragilizados já estávamos, esperava-nos uma quadra triste, fria e distante.   
A pandemia amainara um pouco, os números haviam descido, quase eram sofríveis.  A esperança de podermos contornar, embora com limites, a situação, afigurava-se plausível.  Com muita responsabilidade, com cuidados sempre presentes e sem facilidades, desconfinou-se relativamente o Natal, para se voltarem a apertar as restrições no fim do ano.
Só que esta abertura determinada pelo Governo, pese embora a cobertura do parecer das entidades sanitárias, mostrou vir a ser um verdadeiro tiro no pé.
Penso que os resultados só podem ter surpreendido os mais incautos, detentores de uma boa-fé sem tamanho ...
Com as restrições aligeiradas, um povo cansado, martirizado, desesperançado em larga medida, e massacrado por tanto sofrimento já vivido, inevitavelmente exorbitou ... e os primeiros dias de Janeiro do novo ano, estão aí a mostrar o descalabro dos resultados.  
Os números de infectados dispararam e fixaram-se agora numa média de dez mil por dia, os óbitos vão subindo acima da centena, os hospitais estão sem capacidade de resposta face ao número crescente diário de internamentos, os cuidados intensivos rebentam, transferem-se doentes de sul para norte, deste hospital para aquele que os possa receber, acrescentam-se camas em espaços inventados e inventam-se hospitais onde haja logística possível, os recursos humanos não dão vazão ... o Serviço Nacional de Saúde parece estoirar ... Afinal são pessoas que o escoram ... O caos está instalado !!!

E perante este cenário dificilmente controlável e mais dificilmente ainda reversível, o país encerra totalmente num novo Estado de Emergência musculado, férreo, intransigente.  Aliás, à semelhança de quase todos os países, por esse mundo fora.
Há que baixar os números, de qualquer forma !  Há que conseguir a qualquer preço um "refresh" no seio das comunidades hospitalares !

Vivo apavorada !
Tenho a clara noção que não basta que eu me proteja.  Tenho a clara noção que não chegam os cuidados já rotineiros que não descuramos.  O vírus está por aí, espreitando qualquer deslize, distracção ou facilitismo ... 
Tenho uma filha num hospital de referência, que diariamente encara o vírus em cada rosto.  Que diariamente o percebe em cada expressão de medo ... o sente em cada interrogação de quem sofre ...
Tenho uma neta de três anos, que convive estreitamente comigo ... e estreitamente com a mãe, obviamente ... Não há familiarmente outra alternativa ...
Vivo apavorada !

Esta segunda ou terceira onda ... já nem sei, apostou em ser um verdadeiro tsunami galgando as nossas vidas, derrubando os nossos sonhos, roubando-nos a estrada, escurecendo-nos a esperança !!!  
Até quando ???
Vivo apavorada !


Anamar

domingo, 10 de janeiro de 2021

" DE TUDO UM POUCO ... "


A mata recebeu-me com flores, o sopro agreste do vento gélido, e silêncio. 
Silêncio quase total dos pássaros nas ramarias.  Um recolhimento óbvio, confirmava que muitos terão partido em busca de amenidades, coisa que não temos de todo por aqui. 
Contudo, nem todos foram.  Na mata, os melros descarados parecem sentir-se perfeitamente à vontade, pulando de galho em galho nas árvores, agora já só troncos, despidas que estão totalmente, da última folhagem.
Mas a mata já se anima com as primeiras flores do ano.  De facto, as azedas, as vincas e as flores dos aloés vera, começam a colorir o cenário, até aqui entristecido e macambúzio, adormecido e silencioso, da estação que atravessamos.

Resolvi percorrê-la hoje, no regresso de uma caminhada em que só parte do rosto se expunha à intempérie.  Desde gorro de malha, cachecol, blusão, calças sobrepondo-se a leggings ... todo o equipamento obviava a que eu sentisse o mínimo de frio possível.  De facto, mesmo com o passo estugado, no ritmo de aceleração possível, nunca o calor se concentrou muito no meu corpo.
Tem estado quase intransitável, enlameada com as chuvas que este ano não têm arredado.  Esse facto "empurrou-me" para o que eu chamo de itinerário alternativo de Inverno, que não aprecio por atravessar a zona urbana, no meio de prédios, estradas e carros.  Assim, hoje, porque nestes últimos dias não tem chovido e tem soprado um vento potenciador da secagem dos caminhos, resolvi ir espreitar para tentar perceber se pelo menos em parte, poderei retomar o percurso habitual.
Felizmente fui agradavelmente surpreendida, e até que os céus voltem a despejar lá de cima, cântaros e mais cântaros de água, voltarei à mata !!!

Estamos outra vez a passar um período angustiante e aterrador, no panorama pandémico, no nosso país.
Os números de novos casos, diariamente contabilizados, são da ordem de mais de dez mil infecções, os óbitos já ultrapassam a centena, sendo que se esperam cerca de dois mil e quinhentos no mês de Janeiro. Pelo menos são valores veiculados pela comunicação social.
O país está em vias de entrar num novo estado de emergência, como o que vivemos no passado mês de Março, início da pandemia.  Assim sendo, ficaremos totalmente confinados, ou seja, totalmente encerradas todas as actividades e serviços à excepção das lectivas já que o governo não considera o encerramento das escolas.  

Neste momento eu sinto um clima de insegurança e desconfiança com a exploração de informações contraditórias.  É sugerido por algumas facções políticas que este apertar das medidas profilácticas, está revestido duma intencionalidade premeditada, no sentido de, ao abrigo desses regimes excepcionais, se limitarem as liberdades e os direitos individuais dos cidadãos, e poderem ser aprovadas determinadas decisões governamentais que de outra forma não teriam legitimidade.
Simultaneamente à crise sanitária, a crise económica que se abate sobre todos, nomeadamente em alguns sectores sociais, está a alastrar a pobreza e a miséria sobretudo nas classes média e baixa.  Existe muita gente já, a passar sérias dificuldades na gestão do seu dia a dia. 
Este panorama é infelizmente geral pelo mundo todo !

Entretanto as vacinas estão aí. As primeiras remessas estão a ser aplicadas nos grupos de risco que constituem a população dos lares e residências séniores e nos profissionais de saúde.
Opiniões contraditórias também, nesta área, se abatem diariamente sobre todos nós.
Assim, a polémica sobre o que está por detrás da comercialização das vacinas, o que verdadeiramente gira nos bastidores das farmacêuticas com os grupos económicos poderosos a liderar um mercado em desespero ( já que se considera que elas são em si a derradeira esperança na contenção deste flagelo ), está instalada.
E o cidadão comum, sem meios pessoais de defesa nem orientação possível na formação duma opinião credenciada e isenta, sem conhecimentos reconhecidos na área, mergulhado num caldo de informação eventualmente tendenciosa alguma, sem  que lhe traga uma tranquilidade objectiva ... é um mero peão num tabuleiro do xadrês !
O "disse que disse", as notícias alarmistas e falsas em oposição às correntes pró-vacinas de cientistas e especialistas nas várias áreas associadas à pandemia, formam um cocktail explosivo nas nossas cabeças,
e deixam-nos perfeitamente "à nora" sobre a escolha que deveremos privilegiar para nossa protecção individual, quando chegar a nossa vez de opção.
Pessoalmente, e até prova em contrário, não sou dada a acreditar em maquiavelismos ou decisões menos transparentes, ou teorias conspirativas servindo interesses menos claros.  Acredito em boa fé, que genericamente em todo o mundo, quem tem feito um esforço de dimensões sobre-humanas para pôr cá fora em tempo record vários tipos de vacinas, algumas já aprovadas pelas organizações responsáveis de saúde mundial e já a serem aplicadas na população ... só pode estar a lutar com toda a seriedade possível em benefício da humanidade na devastação da catástrofe que se abate sobre o planeta.
Contudo, também sabemos como por vezes há medicamentos retirados do mercado após anos e anos de utilização, por contra-indicações e efeitos secundários detectados, ainda que a sua prescrição clínica existisse há largo tempo.
Daí que as minhas objeções, ou melhor, as minhas dúvidas se prendam exactamente ao tempo de testagem das vacinas e do receio de efeitos nefastos que possam acarretar, de acordo até com a especificidades de cada organismo, e que só mais tarde venham a ser detectados.
De acordo com um simulador da DGS disponibilizado à população, eu só virei a ser chamada para a vacinação, pelo mês de Abril.  Até lá, espero ter tempo útil para fundamentar uma opinião que me seja mais tranquilizante.

E pronto, este meu post é um mix de estados de alma, é um aliviar da pressão explosiva que sinto dentro de mim ... é afinal, de tudo um pouco sobre a realidade que se vive ... a que eu vivo ao dia de hoje, nos primeiros dias do primeiro mês  do primeiro ano da década de vinte, aqui e agora ...

Anamar

terça-feira, 5 de janeiro de 2021

" CANSAÇO "

 


Lido  cada  vez  pior  com  a  perda ... perda  de  pessoas,  perda  de  afectos, de  rotinas ... de Vida !

A Covid 19 encarregou-se de nos pôr à prova nessa área, testando assim o nosso grau de resistência.  
De facto, uma das maiores dificuldades com que o ser humano se tem debatido e que lhe deixa e deixará sequelas ainda não contabilizáveis, é a supressão dos afectos nas nossas vidas.  A ausência da proximidade, a impossibilidade do abraço, do beijo ou simplesmente do "toque", têm-nos amputado tão violentamente, que parecemos órfãos de nós mesmos ...
Assim, a solidão, a sensação de desamparo, o ensimesmamento cada vez maior, a desesperança e um cansaço acrescido - que acabam se reflectindo no nosso "eu" global - vão-nos  minando, fragilizando, depauperando ... adoecendo !

A pandemia não amaina. Bem ao contrário, como uma onda alterosa e devastadora, avança sobre o areal, qual tsunami que não deixa escapatória.
Eu, dia após dia me sinto mais e mais, sitiada.  Dia após dia sinto, em crescendo, a fobia de um cerco ameaçador ao qual ( e tenho a sensação de apenas ser uma questão de tempo ) não conseguirei escapar, independentemente do cuidado, da responsabilidade, da estrita obediência ao cumprimento da prudência ...
Sinto-me acuada, acossada ... assustada de novo.  Talvez mais ... outra vez !
O cerco é de todos os lados, e se não for daqui, é dali ... É quase impossível evitá-lo !
Sinto em mim, o medo que eu imagino deva sentir o antílope solitário, na savana africana.  A luta desigual contra um inimigo que por vezes não vê, apenas pressente, mas sabe estar lá ... por ali, de tocaia, à espera do momento de "dar o bote"...
Sinto-me entrincheirada, debaixo de fogo, sem poder sequer olhar além dos limites da caverna onde me acoito ...
E fugir?  Para onde?  Não há para onde !...
E o cansaço é galopante.  As panaceias com que tentávamos mentalizar-nos no início da epidemia, já não são eficazes.  Já não surtem efeito.
As auto-ajudas com que preenchíamos os nossos dias, fosse por ocupação imposta por nós mesmos ( escrita, desenho, tarefas caseiras a que começámos a achar imensa piada ) ... jardinar, plantar, ouvir música e dançar mesmo sozinhos ... fosse por comunicação virtual quase permanente com os amigos, família, conhecidos, fosse por iniciativas sociais como quando se cantava à janela em comunhão com os vizinhos ... ou outras ... hoje cansam-nos, já pouco nos motivam, de pouca paciência para elas, já dispomos ...
Há simultaneamente um desinteresse e uma astenia, um desinvestimento, uma indiferença sobre tudo o que nos rodeia e um efeito narcotizante que retira a vontade de qualquer movimento. É como se estivéssemos sob o efeito de drogas entorpecentes, resultado único de cansaço acima do suportável !

Acredito que os que estão nas linhas da frente, em termos sanitários, políticos, sociais, familiares, estejam esgotados. Está-lo-ão seguramente.  Mas têm que reagir, agir, decidir, escolher, determinar, andar ... Andar sempre adiante. 
Como em todas as situações limite, esses, não têm nem tempo de pensar a propósito.  Têm apenas que continuar, até que as forças lho permitam.  Porque têm !!!...
Esgotam-se fisicamente, até à exaustão, mas talvez não tenham hipótese de alimentar ou sequer percepcionar outro tipo de emoções ou sentimentos.  Menos ainda dúvidas ou angústias existenciais ...
Não há sequer lugar para o medo ... não há sequer lugar p'ra desistências ... não há sequer lugar p'ra deserções ... É tempo de agir , custe o que custar ... até cair para o lado ...
São gente ... mas até parecem deuses !!!...

Os que, numa faixa etária da vida vivenciam outra realidade distinta, confinados até ao limite dadas as circunstâncias, com uma expectativa existencial bem mais limitada já, com um horizonte à sua frente sem grande amplidão ou promessa, passam vinte e quatro sobre vinte e quatro horas embrulhados exclusivamente na sua realidade e em todo o teatro de horrores que a comunicação social se encarrega de lhes impingir ... pouco saudavelmente, por cada vez que olham o écran televisivo.
Como esponjas, "bebem" tudo o que lhes chega, e como não convivem, não interagem, não dialogam ... não dividem, não partilham toda a carga negativa que os sucumbe ... adoecem !

Dou por mim a ficar MUITO contente, só porque por acaso desço numa altura em que a porteira lava a entrada do prédio ... Dou por mim a estabelecer um verdadeiro diálogo com a caixa do Continente que me faz a conta, e que sempre achei bem antipática ... Quiçá com a freguesa atrás de mim, na fila ... que não conheço de lado nenhum ... Enfim ... devo estar a enlouquecer aos poucos !!!

Hoje, outro conhecido / amigo de muitos anos das tertúlias do pequeno almoço, nos tempos em que este era tomado religiosamente no café de sempre, numa rotina que achávamos na altura, entediante, desinteressante quase dispensável ... mas que  nos fazia sentir vivos, apesar dos atropelos da vida de que sempre tínhamos que nos queixar ... partiu, foi embora, bateu a porta ... cansou ...
O Rui, o Pedro, a D.Helena que me acenava da janela do prédio da frente ... outros dos quais deixei de ter notícias e outros, dos quais as tive fora de hora ... foram seguindo caminho, tomando rumo, talvez só adiantando-se ao previsto ... Conhecidos, vizinhos, figuras públicas ... rostos que foram compondo a nossa geração ...
Não falo de medos, de angústias ou de dúvidas e ansiedades com os meus ... Para quê ?  
Não falo de morte, embora ela vagueie por todo o lado.  Embora ela povoe os meus dias e assombre as minhas noites ... Tenho medo de falar.  Quem sabe ela me escuta ?! Mas todos a sabemos e a sentimos.  O "cerco" aperta, estrangula.
Há muito que não se diz, só se sente ... Os olhos que sobram das máscaras, mostram-no, claramente. 
Os números que vão queimando a terra à nossa volta, aumentam assustadoramente, diabolicamente ... 
O dia conhecido é tão só o hoje.  O amanhã é uma entidade quase desconhecida.  No amanhã podemos não estar sequer aqui.  É assim com tantos ... 

A gente pode ter que seguir sem ter tempo de recolher a roupa do estendal.  Sem ter arrumado as cartas, os livros, as fotos, os bilhetinhos dos baús.  Sem ter decidido dos animais, antes das luzes se apagarem.  Sem ter emoldurado os sonhos no lugar mais digno da casa ... sem ter dito um até breve aos que ficam por aqui ... 
Pode ...
Vá-se lá saber !!!  
Saber, eu só sei que estou cansada.  Demasiado cansada !

Anamar

sábado, 2 de janeiro de 2021

" ESPERANÇA "

 


E chegámos ao hoje ...

E hoje é nada mais nada menos que o pontapé de saída para mais um ano que o calendário determinou começar.  Infelizmente, não para todos !
Mas sempre é assim desde que o mundo é mundo, e não há como reverter este curso temporal que nos estabelece datas, metas, limites.  Uma entidade imparável , a única, diria eu, que remete o ser humano à sua real dimensão, perante aquela inevitabilidade da existência !
De facto, o Tempo sempre segue o seu curso, independentemente de tudo, alheio à insignificância da realidade terrena.  O Tempo ignora-nos, ignora os nossos sentimentos, testa-nos sem dó nem piedade, coloca-nos face à pequenez e à fragilidade daquilo que na verdade somos ... uma mera poeira estelar por aqui perdida ...

Ontem viveu-se mais uma passagem de ano.  Este ano ansiada mais do que nunca, desejada mais do que todas, acreditada mais do que nenhuma !  
Depois de um "annus horribilis" a marcar como nenhum outro a era que vivemos, um 2020 com uma prestação verdadeiramente alucinante para o Planeta Terra, havia uma urgência dentro dos corações e das mentes, de que o ano terminasse, fosse embora, deixasse de nos atormentar e destruir mais ainda ... 
Como se ele fosse capaz de decidir, escolher, determinar ... como se ele tivesse sentires como nós, entendimento como nós, responsabilidade como nós.  Como se expurgando-o das nossas vidas, varrido das nossas existências, tudo miraculosamente se compusesse, se alinhasse, passasse a fazer sentido ... Como se, qual messias, terminando, trouxesse consigo o remédio para tudo o que não tem remédio ou explicação ...
Ou seja, como se ele fosse portador de "humanidade" !

E o soar das doze badaladas, e a emoção que se viveu olhando as ruas desertas de cidades confinadas, o nó na garganta e as lágrimas que nos assomaram quando as passas se engoliram ou a taça de champanhe se ergueu, foi alguma coisa que não consigo descrever, por indefinível ...
Do recôndito de lares com portas fechadas, com o estralejar do fogo de artifício aqui e ali, o bater de panelas, tambores e cornetas nas janelas que voltaram a iluminar-se e a confraternizar entre si, numa cumplicidade sofrida ( a mesma do confinamento total dos primeiros dias da pandemia ), numa partilha de afectos, erguia-se um voto silencioso, identificado apenas por um sentimento e uma só palavra que nem sequer era dita, apenas sentida, como se tivéssemos medo de, proferindo-a, lhe retirarmos o sortilégio : ESPERANÇA !
E foi de esperança a noite de ontem, foi de esperança o dia de hoje, é de esperança o ano que agora começa no virar desta página do calendário !...

Mas não nos iludamos !
Não  pensemos  que  milagres  acontecem  da  noite  para  o  dia.  Não  acreditemos  que  ( com a ingenuidade das crianças que pensam ver as renas do Pai Natal riscando o céu escuro e frio ), também a "virada" por si só, vai ser capaz de nos restituir toda a vida que já perdemos, todos os sonhos que nos amputaram ... vai ser capaz de nos devolver todos os afectos adiados, todo o direito à normalidade da vida normal que detínhamos, de nos trazer de volta a paz e a alegria do convívio dos que amamos, ou apagar o sofrimento sem tamanho, e toda a dor pelos ausentes das nossas vidas ... dor que se fez ainda mais presente, porque nos foram injustamente roubados, sem aviso ou previsão, com a violência e a prepotência com que uma avalanche faz sucumbir tudo o que diante de si se perfila ...

Por isso, apesar de de verde-esperança se pintarem os nossos corações, muito mudou irreversivelmente dentro de nós, nas comunidades, nos países ... no Mundo . 
Nunca mais seremos os mesmos, nunca mais recuperaremos talvez com a pureza de antes, a capacidade do sonho, da fé ... do acreditar ... Endurecemos na alma, fomos moldados por todos os sentimentos adversos, que nos semearam cicatrizes que não sei se algum dia sararão ...
Ao contrário de outros recomeços, de outros anos das nossas vidas, em que inevitavelmente, balanceando o que passara, se teciam projectos futuros, se jurava irmos alterar tudo o que de errado vivêramos, sentindo-nos com o optimismo, a garra e a genica de um " Homem novo", arrumando os espíritos, criando novas metas, novos rumos ( sempre melhores evidentemente ), norteados pela necessidade de uma "renovação" interior ... este ano, com as vidas globalmente em suspenso, são mais humildes os desejos que nos invadem, são mais precárias as linhas que buscamos para os nossos trilhos ... menos ambiciosos e exigentes os sonhos que ainda pudermos sonhar. 
Porque afinal, só o agora é a única verdade que conhecemos, e os nossos horizontes nunca podem distanciar-se significativamente de nós ... como em manhãs de cerração profunda, em que a vista nunca nos permite ir mais além ...

Assim, brindemos apenas à certeza de estarmos vivos, de até hoje termos conseguido passar incólumes por entre as bátegas fustigantes da tempestade, e foquemo-nos no objectivo sério de fazermos mesmo de 2021, um ano de ESPERANÇA para a humanidade ... para este planeta, casa nossa que nos abrigará até ao fim dos nossos dias !...

FELIZ 2021 para todos os que me lerem e para todos os amigos que perto ou longe, caminharão uma vez mais a meu lado, espero !

Anamar