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domingo, 27 de agosto de 2017

" PELOS OLHOS DE UMA GAIVOTA "





A Senhora foi a banhos.  Literalmente foi a banhos ...
E não, não trajava fato a preceito, de acordo com o local e o dia que se fazia quente e ensolarado, ou não fosse o último domingo de Agosto.

Empoleiradas estávamos ambas.  Eu, no topo das escarpas de onde a vista sobre o areal era privilegiada.
Ela, no centro de um andor engalanado de flores, em ombros de quem o transportava.

A Senhora da Praia voltou a cumprir a tradição, e num verdadeiro postal turístico, honrou uma outra vez o povo daqui mesmo, que sempre a acarinha.
Saída da ermida construída nos fins do século XIX em terrenos de Keil do Amaral, a Senhora, venerada desde que segundo a lenda arribou aos rochedos das Maçãs trazida por mar alteroso como sempre é este por cá, foi descendo respeitosa e pausadamente o miradouro que ladeia as areias e as rochas.
A Senhora dos Mares ( das Azenhas ), S.Marçal, protector dos Bombeiros Voluntários que O transportavam, Nossa Senhora do Carmo que protege os surfistas das Maçãs e cuja imagem apoia simbolicamente a santa numa prancha de surf e era transportada nos ombros de surfistas com camisolas honrando o seu desporto de coração, eram apenas alguns dos nove andores que compunham a procissão..
Nossa Senhora de Fátima, Sto António de Lisboa, o Menino Jesus, S.José e o Sagrado Coração de Jesus, incorporavam ainda o cortejo.


Eu, procurava não perder pitada.

As bandas filarmónicas do Mucifal e dos Bombeiros Voluntários de Colares tocavam, a Guarda Nacional Republicana a cavalo, abria o desfile, a avioneta que iria cumprir o seu papel daí a pouco, sobrevoava o céu azul, e uma moldura humana de centenas e centenas de pessoas ladeava o percurso do préstito.
As individualidades políticas e sociais da zona, desfilavam.  Rostos conhecidos faziam-se presentes e  caminhavam a compasso.  É bom lembrar que daqui a um mês as eleições autárquicas estão por aí ...  Convém ninguém ser esquecido, neste "socialmente correcto " a preceito...

A multidão na praia aguardava, impaciente.  Uns, ansiosos em fervoroso ritual de fé religiosa.  Outros, curiosos pelo inusitado da cerimónia.
Afinal, não é comum que uma santa se atreva mar adentro !...
Não é comum, que os participantes  com as opas da irmandade de Nossa Senhora da Praia e os trajes e artefactos adequados à circunstância, com estandartes e andores, também o façam, no meio dos veraneantes, esses sim, de biquinis e fatos de banho !...
Não é comum, que no meio do mar  frente ao areal, os santos tenham recepção de gala por parte da imensidão de surfistas que os esperam e que dessa forma Lhes rendem  homenagem e expressam gratidão !
Não é comum, que meio mundo molhado quase até à cintura, aguarde pacientemente na rebentação, que sete ondas se façam, e só então ... do céu, uma nuvem de pétalas de rosa exploda e desça em cascata, sobre a Senhora da Praia, culminando dessa forma a emotividade do evento !

Até eu que sou gaivota  de vida dura em falésias escarpadas, gaivota de mar alteroso e mandão ... que pairo por aqui enquanto a vida me deixar ... que já vi coisas demais nesta minha curta existência de pássaro livre ... até eu, cujo coração quase me salta do peito, quando a borrasca faz cara feia às areias e a quem se atreve ... até eu, deixei correr uma lagriminha desobediente, bico abaixo, precisei sacudir a cabeça para que os olhos marejados desenturvassem, antes de me fazer aos céus, e agora bem lá de cima, de novo acompanhar a imagem da Senhora da Praia,  em caminho de recolhimento por mais um novo ano !...

Anamar

segunda-feira, 27 de julho de 2015

" ERA O TINTO, MEU BEM ERA O TINTO !!! "




Sabem aqueles dias, que não se "salvam" de nenhuma forma ?
Sabem aqueles dias, em que dizemos: "não deveríamos ter saído da cama" ?
E aqueles em que temos a sensação que, em desespero de causa, só os salvaremos, fazendo uma asneira monumental ??!! Porque, perdido por um, pedido por mil ???.... ihihih

Pois é ! O meu dia de hoje, foi mais um, "destes"... valha-me a santa !

Chegada a casa, depois de uma perda de horas sem tamanho, que devo cumprir, por inerências familiares, e em que me desdobro a inventar algo interessante que mas ocupe, e em que o estado de espírito em que mergulho, não propicia sequer fazer alguma coisa de que goste ( como ler, escrever ... não  exactamente  contar,  mas  ouvir  música  por  exemplo ... ) ...
Horas essas em que o melhorzinho que consigo, é olhar perdidamente a paisagem, que é muito tranquilizante e bela, mas sempre a mesma, todos os dias ...
Consultar o relógio de meia em meia hora ( para constatar como certo e determinado tempo custa a passar !... )
E esfalfar-me a apanhar sol ( o que também não é muito ortodoxo, porque estamos em Julho, porque os dias estão quentíssimos ... e por todas as razões  que conhecemos, desfavoráveis à saúde, ) ...
uma sensação de vazio e tempo perdido, preenche-me.

Compensações procuradas, em desvario, pelos armários, lembram-me que :
as cerejas já acabaram, desgraçadamente ...
nem um chocolate esquecido, habita esta casa ...
nem um biscoito, quiçá um bolo, por aqui se perdeu ...  O máximo de que disponho, é um triste pacote de bolachas  de água e sal, desenxabidas e desconfortantes ... ( maldita mania das dietas !!! Agora é que vejo !...) Até  como  sucedâneo,  o  meu  espírito  as  enjeita !...
batatas fritas de pacote, também não há !
nem uma goma ... talvez uma pastilha elástica .... Nada !...

Espero que conheçam, este "desespero", este "destempero", esta "aflição" surreal, talvez tipicamente femininos ... não sei ?!

Bolas, que desassossego ! Parece castigo imerecido, creio ... punição do além !...

Desalentada, mexo e remexo no esconso dos miolos, na busca de uma qualquer outra ideia luminosa, que me solucione este problema existencial ...

Numa das dez idas ao frigorífico ( parece que acredito em milagres ... :), deparei-me com uma tímida garrafa de tinto alentejano, reserva especial, colocada meio adormecida, numa prateleira, à espera de melhores dias !
Não acredito em coincidências ... mas, talvez a dita estivesse ali para salva os restinhos do meu dia !...

Acho que os meus olhinhos, que primeiro constataram, depois analisaram, e depois ainda reflectiram ... piscaram e sorriram malandros e felizes ... com aquele ar debochado, de menino prevaricador ...
Tenho a certeza que se eu fosse um boneco animado, era a altura exacta em que uma lâmpadazinha sugestiva, se acenderia sobre a minha cabeça !...

"Eureka" ... Aqui está o x da questão " !... - foi o que pensei !

Cálice de pé alto, vidro fino ao melhor estilo ... e, olhem ... já vou no segundo copo !!! ihihih

Um único senão : isto com uma companhia boa, é que era !!!!  ihihih

Ah..... Uma última informação : juro que, em momento tão solene,  não me trajei tão a preceito, quanto documenta a foto que acoplei ao meu texto  !!!! ihihihih

Anamar

segunda-feira, 3 de novembro de 2014

" ERA ASSIM NOVEMBRO "



Começou Novembro.
Novembro, aquele mês com que não convivo pacificamente,  no elenco dos doze, com que cada ano nos brinda !   E ironicamente, ou talvez não, nasci nele !
O que é um facto é que, com ou sem S. Martinho, com mais ou menos sol a brincar de Verão ... quando Novembro chega, o cheiro a Outono  instala-se definitivamente, e o castanho, os laranjas e os amarelos queimados, pintalgam tudo por aí.
Os dias parecem deitar-se para a sesta, num remanso aconchegante que convida a toca.  O  ar adocica, amodorra, o tempo recolhe, preparando a hibernação que se aproxima ...
As árvores despem-se ;  os parques atapetam as suas alamedas com folhas adormecidas, e há uma incontestada sonolência, na alma de todos os seres vivos ...
Até os pássaros emudecem, e os silêncios descem  à Terra !

E  havia aquela casa junto ao lago...
A bordejar-lhe as margens, os canaviais baloiçavam preguiçosos, perante a aragem que começava a refrescar.
Bem perto, a floresta de coníferas, de castanheiros, de plátanos, de zimbros , bétulas, carvalhos e olmos, começava a subir e a adensar-se.  As bagas,  que aprovisionariam as "despensas" de esquilos, martas, arminhos, lemingues e outros ... adornavam os caules. Os cogumelos amontoavam-se na sombra  do arvoredo, e a quietude pairava ...
As luzernas dos raios de sol que até há pouco lhe rasgavam ainda as entranhas, já não se definiam como antes.  Sem dúvida o sol andava bem mais baixo !
Os líquenes e os musgos revestiam troncos  que em permanência viviam na penumbra.   As formações dos gansos selvagens em migração para o sul, eram esquadras aladas, cortando os céus, com determinação e objectividade !...

Toda esta paz e serenidade, era o que de bom Novembro trazia ...

O barco, com os remos esquecidos, indolente, baloiçava imperceptivelmente na amarra de corda que o sujeitava à margem.  Também ele parecia dormitar ...

E percorria-se a mata, de cesta no braço, de cachecol ao pescoço, botas nos pés, embiocados já, numa meiinha de lã.
E eram de mitilos, de amoras, de zimbros, de medronhos, de groselhas, framboesas ou arandos ... de toda a panóplia de frutos vermelhos ... mas também de maçãs, de avelãs, de castanhas e  nozes ... a profusão das compotas a encherem a despensa,  a doçura das  geleias a confortar os corpos, o calor dos licores, a aquecer os espíritos ...
ao serão, quando já sabia bem cutucar as brasas, assar as castanhas no borralho, e ouvir histórias antigas, que saltitavam entre gerações !

Novembro era a luz que diminuía, e se coava, eram os lobos, os alces e os ursos, lá mais longe, que se adivinhavam na montanha.
Eles apareceriam, quando o manto branco cobrisse finalmente tudo !
Até lá, só os sons tão conhecidos, nos chegavam, pelas madrugadas e pelas noites de breu, iluminadas às vezes pela luz da lua !

Deve lá estar, a cabana de madeira !   Aposto que  ainda sai fumo daquela chaminé ! Aposto que a pele de rena ainda jaz no sofá, frente à lareira !  Aposto que as hastes do alce, por cima da porta, continuam a proteger a habitação !... Aposto que os patos bravos e os gansos selvagens cortam os céus com o seu grasnido ...  E que também o uivo do lobo ecoa desde a montanha ...
O barco dormido, baloiça na água ... e todas as bagas de todos os arbustos eclodirão, e rechearão todas as tartes imaginadas ...
Aposto !... Aposto, porque "vejo"  daqui ...  Aposto, porque sonho, e  o sonho é livre !!!

Lá ... era assim, a doçura de Novembro !!!...

Anamar

sexta-feira, 18 de abril de 2014

" MEMÓRIA, TRADIÇÃO OU PRAXE ? "




A Páscoa hoje é pretexto ... ou melhor, a Páscoa hoje desencava  memórias, busca emoções, se calhar hábitos antigos, ou talvez um pouco mais ... lembranças doces !...

Sim, doces como o doce intenso das queijadas, dos pintainhos feitos pela tia velha, das amêndoas francesas, e torradas com canela ou chocolate, compradas pelo pai ( As únicas que havia ... Não existia cá, a chinesice da sofisticação de cinquenta mil tipos diferentes, a desafiar os bolsos ... ).

Realmente as Páscoas doces, bem doces, são as da minha infância, lá no Alentejo distante, como quase sempre, as memórias doces, bem doces, sempre correspondem a memórias infantis, o período áureo e privilegiado das vidas.
Todas as vivências do ser humano, são acompanhadas  de cheiros e de sons, além das imagens que resistem ao implacável do tempo.
E quando penso em Páscoas, as que se me iluminam na mente e no coração, são as ensolaradas, são as dos campos verdes e floridos, são as das planuras sem horizonte, com  aromas adocicados no ar, com som de chocalhos no pastoreio, de badaladas de campanários ao longe,  nas aldeias perdidas, de chilreados, trinados e voos rasantes, charneca afora ... de balidos ensonados entre papoilas e macelas, do roçagar da aragem, pelas oliveiras e sobreiros do montado.
São Páscoas preguiçosas, de férias escolares, de roupa estreada, de brincadeiras no largo, de alecrim nos altares das igrejas ( fardadas a preceito ), e das glicínias e jarros brancos nos andores dos santos, na procissão do dia ...

Vieram depois as Páscoas na Beira ... já contei vezes sem conta.

Eram outras,  essas Páscoas. ...
Para trás, ficava a família do Alentejo.  Eram agora outras, as gentes que se sentavam à mesa, era agora outra, a ementa que a recheava ...
O sol e o verde dos campos, persistia.  Apenas, o ar soprava da montanha.
As andorinhas e os outros pássaros regressados, também por ali andavam.  Cegonhas, não ... essas gostam mais do sul.
Os avós e as tias velhas, já não estavam, o pai também  não !
Todos haviam já partido, e levado com eles, a minha meninice.  Agora era a meninice das minhas filhas.
A Páscoa agora era delas.

A ingenuidade e a simplicidade de tempos idos, dera lugar a outros figurinos.
O ensopado de borrego, ou o cabrito no forno,  davam então lugar à chanfana, preferencialmente.
As queijadas, os bolos de folha, as merendeiras, os pintainhos, o bolo de buraco e as amêndoas em pacotinho de papel transparente, davam lugar aos ovos de chocolate recheados de amêndoas, às lampreias de ovos, aos ninhos da Páscoa ... O folar persistia, contudo !
O coelhinho da Páscoa fazia a sua aparição triunfal, ao tempo !...
Tudo já era menos doce para mim ... porque eu virara adulta, afinal !...

Hoje ... bom, hoje a Páscoa é pretexto ...
Pretexto para desencavar memórias, buscar emoções, hábitos antigos, ou talvez ... lembranças doces !...
Ou será simplesmente praxe a cumprir ?!

Hoje, a Páscoa da grande cidade, não tem procissão, nem altares aperaltados.  Não tem glicínias, nem jarros brancos ... nem sequer alecrim, já florido nos arbustos das matas.
Não tem cegonhas à vista, e restam-nos os pombos residentes, porque as andorinhas também não se afoitam muito por aqui.  Tudo é demasiado poluído para elas.
Não há sinos, nem chocalhos, menos ainda macelas e papoilas.  Também não há montado, nem montanhas ... temos o betão, as torres de gente anónima, e a ausência de jardins.
Resta-nos o sol, a fazer malabarismos de esconde-esconde, ao pôr-se por entre os topos dos edifícios desalinhados ...
E temos super e hiper-mercados, atulhados de ovos de chocolate e amêndoas  em série ... e não mais a mercearia do Sr. Manel, com alguns pacotinhos de papel transparente, na montra.

E resta-nos o almoço de domingo, com meia dúzia de gatos pingados em volta da mesa, num sexto ou sétimo andar de um qualquer edifício, com  os  narizes  a  esbarrarem  nas  janelas  dos  prédios  da  frente ... e  onde  as  ausências  ganham  já  largamente,  às  presenças ...
Estas Páscoas, não mais semeiam memórias.  Estas Páscoas não têm cheiros, sons, música, doçura a perpetuarem-nas ...

Restam-nos rostos de crianças sem emoção, entusiasmo, ou mesmo felicidade ... a cumprir-se calendário ...
Porque  de  facto,  tudo  não  passa  disso  mesmo  ...  mais  um  simples  almoço  de  domingo !!!...

Anamar

sexta-feira, 3 de maio de 2013

" UMA ESPÉCIE DE LOUCURA "...



Passaram Verões, Invernos e Primaveras.
Passaram sonhos, esperanças, convicções.
Vieram sóis, e depois luas e mais luas ... E estrelas ... todas as noites, estrelas ...
Veio o céu escuro e os dias de luz, gloriosos ...

E o mar, esse, não veio, porque esse vem e vai.  Nunca fica.
Tal como o vento ...
Esse, só vai.  Só passa, e sempre me desalinha os cabelos.

Os sorrisos chegaram há muito tempo, e fugiram-me do rosto quando te perdi.
Ainda fui atrás, até àquela esquina. 
Mas  eles  eram  mais  ágeis,  e  foram.  Nem  se  voltaram ... para  sorrir ...
Para quê, se eles já eram sorrisos apagados ?!...

A vida ...  Essa, também foi com eles.
Esta coisa agora, que me levanta e me deita todos os dias, incessantemente, não é bem vida ...
É uma escorrência de tempo, simplesmente.
É um tempo que escorre ao contrário dos caminhos, que sempre têm princípio e fim.  O meu tempo, é um tempo de infinito, e sem norte ou rumo.
Nem eu sei para onde ele vai, sabendo embora donde ele vem ...

Não te alcanço por mais que porfie.  Não tenho passada para te agarrar.
E também já não te avisto, porque teimas em penetrar o nevoeiro.
E  o  nevoeiro  é  aquilo  que  nunca  conseguimos  agarrar,  entre  as  mãos ...
Bem tento afastar os seus fios gélidos e translúcidos, como cortinas de fumo ...  Em vão !...

Tal e qual como as sombras.  Só existem, enquanto o que as faz, continua lá, de costas p'ra luz.
Eu, continuo de costas p'ra luz.
Sempre estou do lado do crepúsculo, virada ao ocaso.  Por isso me anoitece tão cedo !...

Não entendo por que me deixaste seguir na maré, envolta nas franjas brancas das ondas !!...
Não entendo por que não esperaste que as alfazemas florissem, para me vestires de novo com elas, antes de eu partir !!...
Não entendo por que não bebeste comigo, o último cálice daquele vinho morno, para que também a nossa última gargalhada, se nos soltasse do peito, a brincar de felicidade !!...
Não entendo por que me cantaste canções de ninar, enquanto eu repousava a cabeça no teu cólo, e descia as  pálpebras,  mansamente,  julgando  que  o  Mundo  estava  na  minha  mão ... se  era  tudo  mentira !!...
Não entendo por que deixaste que eu acreditasse outra vez, que tinha tranças e saias de roda, e atasse na garganta um nó, com o espanto e a pureza de um amor virgem !!...

E  passaram  Verões,  Invernos  e  Primaveras,  e  a  estrada  percorrida  era  longa ... e  a  estrada  a percorrer,  curta ...
E o cansaço que eu carregava nas costas, era imenso ...
E a cerração que se abatia sobre mim, escurecia o caminho ...
E os olhos cegaram, e o coração parou ...
Nas minhas mãos, o bouquet das últimas rosas, dos últimos dias ...

... e uma curva no limite do horizonte, que não me desvenda, o que depois dela virá ...

Anamar

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

" AMIGOS "



Fui educada muito isolada e sozinha, já aqui o disse.
Desde cedo, que a minha mãe me monopolizou para si, como o bem mais precioso que alcançou na vida.
Foi um amor mutilador, obsessivo, limitante.
Em criança, não me era facilitado o convívio com outras crianças, mesmo colegas de colégio.  Os miúdos da rua com quem brincava, não tinham acesso à minha casa.

Era o tempo do Alentejo ...
E o espírito, era também esse ... isolamento, ensimesmamento, ausência de convívio, e portanto, de presenças. Silêncio, mesmo ...
Se olhar lá para trás, vejo com nitidez que as minhas memórias se reportam a uma casa enorme, com rés-do-chão e primeiro andar, com escada e corredor longo, e em ângulo recto ao fundo.
Lembro que das divisões do rés-do-chão ( despensa, um quarto de arrumos, vão da escada e "casa de entrada" ), eu tinha medo.
Eram espaços, à excepção da entrada, só frequentados amiúde ; sempre escuros, por serem interiores, e a vida se fazer no andar de cima.
Mas mesmo nesse, a memória que me preside, é de uma casa escura, com divisões penumbrentas, pouco habitadas, sem alma.
A cozinha era o coração da casa, porque era imensa, e lá se fazia tudo.
Cozinhava-se, comia-se, eu fazia os trabalhos de casa, na mesa grande de camilha, a costureira que vinha de quando em vez, costurava ... e até quando a minha mãe estava de catadura e deixava, eu fazia as "cantareiras" e "dava aulas" aos bonecos, atrás da porta, com os brinquedos que subiam, no caixote de madeira, da dita despensa, ao primeiro piso.
Eram momentos fugazes, porque havia que arrumar rápido, aquela transitória "perturbação" ao arranjo instituído, e portanto, a brincadeira nunca era demorada.

Essa cozinha dava acesso a um terraço ( a varanda ), que se desenvolvia nas traseiras, e era circunscrito pelo tal  "L", que a distribuição física da casa, criava.
Dessa varanda, só se avistavam telhados longos, a perder de vista, respectivamente de uma garagem de recolha, que ficava por debaixo da minha casa, e de uma serração de madeiras, que ficava ao lado.
E céu, claro ;  por cima sempre havia céu !

A varanda tinha um tanque de roupa, cordas para estender a mesma, e vasos de sardinheiras  no chão, e dependurados lateralmente a duas janelas que para lá davam, ( de um escritório, e do que seria o meu quarto de cama ).
Digo "o que seria", porque como o meu pai era viajante, e passava a maior parte do tempo fora, lembro-me  de dormir com a minha mãe, no quarto de casal, frente a este, do lado esquerdo do corredor.  Esse, com janela para a rua.

As janelas tinham persianas,  quase  permanentemente, meio ou totalmente descidas.
A minha mãe, até hoje, cultiva o gosto pela penumbra.  Não sei porquê !
Não havia televisão ainda, e por isso os serões de nós as duas, eram curtos.
As luzes só se acendiam se nós estávamos nas divisões, e como tal, lembro que à noite, a única luz que estava acesa era na cozinha ; depois, acendia-se a do corredor para nos dirigirmos ao quarto de cama e à casa de banho, ao fundo, e estas apagavam-se, quando já nos íamos recolher.
Por isso eu tinha medo também, do escuro do corredor que se estendia à direita, e da escada ( que fazia igualmente um ângulo, que impedia a visão do  andar debaixo ), que se estendia à esquerda da porta da cozinha.

Como digo, não tive portanto "amigos", aqueles amigos que as crianças, sobretudo na província, recordam como amigos que vêm  "da escola".

E sempre assim foi !
A adolescência correu igualmente pesada ;  tinha talvez umas três amigas mais chegadas, colegas de liceu, mas pouco passava disso.
Eu nunca tinha autorização para cinemas, paródias, saídas.  O máximo concedido, foi depois, já aluna de Faculdade, poder dormir em casa da que seguiu o mesmo curso que eu, e ainda assim, porque estudávamos muito durante a noite, em época de exames.   Mas não mais !

Casei, e o meu ex-marido tinha vivências totalmente opostas às minhas.
Oriundo da província, manteve exactamente desde sempre, o culto da amizade, da camaradagem, do afecto, conservou até hoje uma panóplia de amigos, daqueles que atravessam as vidas das pessoas, se acompanham, e se partilham.
Enquanto estive casada, recebíamos e éramos recebidos em casa de alguns, fazíamos férias com outros ... enfim, ele  "labutou" para que eu convivesse.
E digo "labutou", porque eu era relutante ao convívio, obviamente.  Eu, não querendo, cultivava o que a minha mãe me ensinara e me inculcara na forma de ser ... o isolamento e a solidão.

Divorciei-me, e espantosamente, esses "amigos" de tantos anos, porque me chegaram por via do casamento, também se foram, por via do divórcio.
Espantosamente !...

Hoje ... bom, hoje estou bastante só.

Conhecimentos recentes, sempre são reticentes para mim.  Conheço muitas pessoas.  Concluo que pessoas que de mim se tenham aproximado por amizade verdadeira, são muito poucas.
E sinto falta, e invejo, quem mantém e pratica a amizade propiciada pelas tertúlias de amigos, os núcleos de afinidades em termos culturais, lúdicos, de interesses, gostos, que geram afectividade, cumplicidade e apoio ... porque dessa forma conseguem suprir a ausência de familiares, que se foram perdendo ao longo da vida ...  conseguem  colmatar a mágoa da solidão ... ajudam-nos a espaldar-nos, com coração e alma, para as dificuldades que todos os dias nos enfrentam ... permitem-nos dividirmos as dificuldades e as preocupações que nos espreitam em crescendo, numa fase da vida, em que as "raízes", pelas mais variadas razões, se vão soltando ...

Porque quem tiver amigos, nunca estará só ...

É frase feita, mas de facto, acredito que eles são a família que nos sobra, depois da nossa família real, se ter diluído pelas vissicitudes e agruras do caminho ...

Anamar

domingo, 21 de outubro de 2012

" NOITE DOS TEMPOS LONGOS "


3,50 h da manhã pela hora antiga, 2,50 h pela hora nova ...
Aquela em que nos obrigam a fechar os olhos mais cedo, baixar os estores mais cedo, apagar a lua no céu mais cedo....
Uma noite longa, de bruxas à solta por aqui, horas de memórias, de filmes rocambolescos a desfilar em écrans, esses...que não conseguimos apagar !

O tempo, em que o dia se faz noite, só porque o sol cansou, e quer partir antes da hora ...
Vai  lá para as terras onde as pessoas sorriem  mais, dançam mais ... porque sonham menos ... querem menos ... pedem  menos !

Noite demasiado comprida esta, para que consiga suster dentro de mim, o que vai extravasando de mim.
Tempo em que a alma hiberna, as cores se esbatem, e tudo fica nos cambiantes quentes e adocicados, que deveriam ser xailes que nos cobrissem, mas que são gélidos, porque a solidão é gélida, e essa agiganta-se no firmamento, ao fechar.

O silêncio galopa, como um cavalo à solta. Os sons que não são sons, crescem, e esvaziam-nos os corações, mas lotam-nos a mente.
O sono não chega nunca mais, e há noite e mais noite para dormir ...
Nós e os outros, como nós, que têm histórias mas não contam, porque já não vale a pena contar, e além disso, já não há ouvidos que as escutem !
Restam quartos vazios, embrulhados em quatro paredes, que sempre os vão sufocando aos poucos e poucos, devagar e de mansinho, para não sufocarem também quem os habita.
Restam cigarros que não se extinguem nunca, porque há cigarros depois de cigarros ... sempre !

As madrugadas, daqui p'ra frente serão  rainhas.
E as madrugadas nunca são boas companhias, porque elas são povoadas pelos diabinhos à solta, que nos atormentam.
Eles são meus amigos. Coabitam comigo dia e noite,  mas só saem p'ra danças de roda, quando os ponteiros dos relógios deitaram as crianças e as pessoas normais, e aquelas que pousam as cabeças nas almofadas e descansam com os anjos ... não com os diabos !

Lá fora, só o céu é imutável.
Ele continua escurecido, pontilhado pelas estrelas que as nuvens permitem.  A paz parece reinar.
Mas eu estou farta de saber, que é uma paz a fingir,  só para os que não sabem, o que são noites de tempos longos demais !
 
Muito em breve farei anos ...
Muita estrada para trás, pouca para a frente, a percorrer.
Planos longos que não se cumpriram, sonhos curtos que também não se irão cumprir ...

Muita saudade perdida, pelas noites perdidas também.

Noites irrecuperáveis, porque o hoje é só hoje, e amanhã, já foi !
Muitas saudades do que sei, e do que nunca soube e só adivinhei ...

Ou talvez já não haja espaço para elas ... e eu nem sequer saiba  do que tenho saudades ...
Se calhar, só de mim !...

                                   
Anamar

domingo, 19 de agosto de 2012

" POEMA DESNECESSÁRIO "

 


A colónia de gaivotas à minha frente ... dezenas e dezenas, e mais as dezenas das suas imagens, devolvidas pelo espelho de água retido na areia, da maré da noite.

Um areal absoluta e completamente liso, de areia molhada, de um extremo ao outro da praia, virgem de marcas que não as das pegadas das próprias gaivotas imóveis, num repouso de quem parece querer prolongar a noite, ou tão simplesmente reunir energia, para o dia que ora começa.

Eu ... dona da praia !
Sabem o que é ser dona de uma praia?  Sabem o que é este silêncio, embalado apenas pelo quebrar das ondas ainda baixas, na areia?  Ninguém mais, apenas a brisa, mas essa não faz barulho !

O  sol assoma agora por detrás da falésia, manso, claro, doce, prenhe da luz da manhã, que é infinitamente mais branca e luminosa do que a luz com que nos ilumina dia afora.

 Este texto que aqui deixo é um poema desnecessário, é uma ode dispensável, à Vida, que já descrevi mil vezes, e que mil vezes é diferente, e que mil vezes por isso é incompleto, imperfeito, insatisfatório ...
Nem o maior poeta, nem o maior pintor, nem o maior fotógrafo, alguma vez traduziu ou traduzirá simplesmente ISTO !...

E "isto"  é o tudo que aqui respiro, vejo, oiço, cheiro, sinto, penso, sonho, sofro ... e "isto", é o espanto que a mão do Homem jamais alterará, vida após vida, vontade após vontade, crer após crer !
De facto, a Natureza ele jamais manipulará ;  esta perfeição e este equilíbrio, nenhum artista conseguiria compor !...

Não se escrevem poemas a quem os não lê, pela simples razão de que não têm destinatário.
A minha sina parece ser esta ... escrever palavras deixadas soltas, pontas de nós desatados ... pétalas largadas em vento que as leve, acordes musicais para ouvidos que não vibram com eles, frases de sentido desconhecido e incompreensível, emoções que não chegam a lado nenhum, porque ninguém as sente, palavras tão desnecessárias, que ninguém daria pela sua falta se elas não fossem escritas !...

E por isso, este poema só é necessário a mim própria, porque só eu o sinto correr nas veias, para cima e para baixo !!!...


Anamar

sábado, 10 de março de 2012

" QUANDO O TEMPO DEIXA DE O SER ..."



Se hoje os dias acabassem, e o tempo deixasse de ser tempo, como seria olhar tudo aqui à volta, que ia ficar, quando eu já estivesse na estação das horas??!!

Iria sentar-me calmamente no banco da gare, e começaria por rever as primeiras páginas do livro ...
Desfolhá-lo, ia ser lento, embora eu não tivesse toda a lentidão disponível para o fazer!
Ia perder-me primeiro, no tempo das tranças, dos joelhos esfolados, das letras a soletrarem-se e magicamente a criarem palavras.
De certeza ia escutar risos e gargalhadas ... exactamente os risos e as gargalhadas que as Primaveras sempre permitem.  E ia extasiar-me com o olhar lânguido e doce, de tantos quantos já não vejo há séculos.
E ia interrogá-los ...  Ia perguntar-lhes como é exactamente, quando o tempo deixa de ser tempo ??!!
Apenas, eles não me ouviriam, o que não deixava de ser estranho !!!
Entravam naquele palco, desfilavam naquela "passerelle" onírica, e seguiam, sempre lenta e imperturbavelmente, tão lentamente como os gansos nos lagos, ou como as tamareiras demoram a ter frutos ...

O bibe ia ficar no cabide, e o ontem seria um pouco adiante ...

As outras páginas já não eram tão coloridas ...  Parecia que as tintas estavam a rarear, ou que o pintor já não atinava tão bem com a tela.

Mas surgiam então outras personagens, e íamos ter mais bibes, mais tranças, mais canções de ninar, mais sonhos, mais esperanças, mais amor, mas também algum desencanto, algum cansaço ...

Acontecia por vezes, voltarmos as costas uns aos outros, e depois cada um derivava para seu caminho.
Às vezes os caminhos eram paralelos, outras, eram linhas oblíquas a abrir ângulo, e portanto essas, nem no infinito se encontrariam.
Mas também havia trilhos que se cruzavam, mesmo que só se intersectassem, para se descruzarem a seguir ...

Claro que isso era numas folhas à frente ...

Ainda gritávamos, chamávamos, barafustávamos ... mas que adiantava ??!!.... O tempo era de Verão, e no Verão, o silêncio da planície é total ... nem as papoilas acordam !!!

Sol ... havia !  Havia sim !
Por entre as nuvens, no céu limpo ... ou mesmo em firmamentos de relâmpagos e trovões.  Sempre dávamos um jeito de o espreitar, e sempre tínhamos a capacidade de acreditar, que na página seguinte, tudo ia mudar a história.

O dia ainda ia a meio ...
O movimento era escasso.  Não havia passageiros em excesso naquele dia, naquela gare ... Nem todos traziam sob o braço, um livro, para queimar a espera, ou também nem todos estavam ainda interessados em saber, como era, quando o tempo deixa de ser tempo ...

Por isso, optaria de certeza, por passar página a página bem devagarzinho, a absorver o cheiro do papel envelhecido, a admirar a beleza das ilustrações, a devanear sobre o conteúdo de cada frase escrita ...

Aquela estação e aquele banco, estavam no meio dos verdes que já não eram esperança ;  mas também tinham na linha do horizonte, a penedia que despencava no mar.
E o mar sempre é alguma coisa que queremos "colar" a nós, para os dias mais desesperançosos e menos azuis ...  Só que eu já estava na estação das horas, e não podia dar-me ao luxo de o arrecadar, e levar dali !
Por isso optei por deixar vaguear os olhos até lá, ensonadamente, com a calma que ainda me era permitida ...

Espantosamente o livro cresceu, ganhou relevo ... As gravuras desenharam-se em 3D dali em diante, e foi a vez de caçar borboletas que me roçagavam o nariz, de apanhar cogumelos no bosque dos cedros, de dar migalhas à gaivota, que mercenariamente se deixou comprar pelas minhas promessas ...
Foi a vez de tentar juntar ramalhetes de flores silvestres, brancas, amarelas, róseas ... todas as que baloiçavam junto de mim, na aragem da tarde ...

Sim, porque a noite já vinha aí, os sinos dos campanários já se escutavam ao longe, e urgia juntar os minutos que ainda sobravam.

Virava as últimas folhas com alguma pressa, antes que a palavra "fim" me colhesse de surpresa, e me terminasse a espera antes da hora ...

Nesses restantes parágrafos, vos pergunto ...  esperava-me o fim da história, ou apenas o princípio de uma nova história ??!!...

Anamar

sexta-feira, 1 de agosto de 2008

"CRIADORES DE SONHOS"




















Autor de imagens: Vonck


Anamar

quinta-feira, 24 de julho de 2008

"INTERLÚDIO"

"A ORDEM NO CAOS OU O SONHO NA VIDA..."

CALEIDOSCÓPIO





EQUILÍBRIO

RELAXAMENTO

MELOPEIA



SILÊNCIO

ALUCINAÇÃO

ÃMAGO



HARMONIA

CLÍMAX

ÊXTASE




VERTIGEM

UTOPIA

MIRAGEM





Anamar