sábado, 26 de fevereiro de 2022

" A PROPÓSITO DE MAIS UM DIA ..."



Mais um dia de S.Valentim !
Já houve tempo em que eu tinha a mania que era romântica, mesmo daquela forma pura e dura de jantar à luz de velas, cartõezinhos a condizer, rosas vermelhas nas jarras e sonhos a saírem "pelo ladrão" ...
Já houve tempo em que eu embrulhava esta ideia em papel de presente com laço e fita a condizer, e a aconchegava bem juntinho ao coração ...

Hoje eu sei que tudo isto não passa de mais uma tremenda artimanha do consumismo que nos devora, e também sei que essas paixões desbragadas patrocinadas por um santo que apenas nos caíu no colo há razoavelmente pouco tempo, só existem na imaturidade de adolescências serôdias que lutamos por perpetuar pela vida fora.
Sendo um estado de graça, qualquer paixão é um pacote de vitaminas para a alma.  É a forma mais eficaz de colorir a vida, de adoçar os dias, de os tornar iluminados e leves. E por isso, com ela o caminho atapeta-se, o sol brilha, as flores perfumam mais ainda, o cansaço esfuma-se, o riso inunda os rostos, a alegria emerge como uma onda no areal ... e tudo passa a valer a pena, porque tudo parece tornar-se possível !

Só que, de intensa e fugaz a paixão tem em igual medida. E essa mágica poção que nos torna do dia para a noite invencíveis, poderosos, capazes duma superação permanente, duma felicidade sem limites e duma transcendentalidade absoluta, esvai-se num piscar de olhos, num despertar de madrugada densa, num descerrar de cortinas face a névoas espessas já dissipadas ...
E ficamos assim ... esta coisa desasada, desacreditada, com um amargor no espírito e um peso épico no coração ...

Mas como tudo passa nesta vida, como tudo é relativo e vale o que vale, a tudo o Homem resiste, tudo o Homem ultrapassa, a tudo o ser humano se adapta e habitua ... até mesmo ao descolorido dos dias, ao silenciar da música, ao adormecimento do coração que, pra não sofrer, deita para a sesta hibernante de tempos de crepúsculo...
E porque a biologia é sábia e nada há de mais perfeito que a Natureza, a passagem do tempo vai remetendo tudo aos seus devidos lugares, e até os sonhos se aquietam, porque talvez o seu tempo já tenha passado !
E a alma, contra vontade regenera-se !...

Anamar

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2022

" DESABAFO "


Porque quem não se sente ...

Aquela que "foi a minha Escola" aniversariou no passado dia 17, comemorando o seu meio século de História !  Não é coisa pouca ...

Entrei na mesma, como professora, no seu segundo ano de vida, no ano de 1974.
Constituía ela então, a única oferta no âmbito escolar, aqui na Amadora.
Anteriormente o Liceu Nacional de Oeiras era a alternativa.  Eu própria o frequentei enquanto aluna.  Assim, o Liceu Nacional da Amadora concretizou portanto, o sonho e a necessidade de uma população discente, num concelho com uma dimensão demográfica esmagadora.

Deixei-o, para a aposentação, 36 anos passados de actividade docente, no ano de 2010.
Cheguei no verdor da juventude, carregando comigo uma pasta de sonhos, de projectos, de esperança, de vontade e com o ânimo e a coragem que caracterizam uma fase da vida em que tudo parece possível, por nisso acreditarmos.
Naquela que "foi a minha Escola", hoje a Escola Secundária da Amadora ( ESA ), passei portanto, os melhores anos da minha vida.  Mais tarde, nela, as minhas filhas cumpririam igualmente o seu percurso escolar.
Nela ensinei, nela aprendi, nela investi o melhor de mim, do melhor que sabia e do que fui capaz.  Em suma, nela, sobretudo cresci !  
Com a entrega e a dedicação a que a noção interiorizada da docência me impunha, nela desenvolvi um trabalho sério, honesto, continuado e isento.
Como destinatários prioritários, sempre os alunos ocuparam a minha determinação, preocupação e esforço.  Num espaço que além de pedagógico privilegiava o companheirismo, a partilha, a entreajuda ... em suma, o afecto, semeei e colhi até hoje, boas memórias, boas amizades, boas histórias recheando a minha própria História.
Mas porque o trabalho do magistério não se faz, nunca se faz sozinho, tive sempre ao meu lado companheiros, pares, colegas ... irmãos.
Nos 36 anos, na ESA, foram muitos e diversos aqueles com quem dividi trabalho, ansiedades, preocupações ... muitas alegrias, êxitos e também obviamente algumas frustrações.
Por isso, guardo até hoje, no coraçao, um punhado de amigos daqueles que nos enchem a alma, amigos de "valer a pena", que sempre presentes, me ajudaram a percorrer a estrada, que me deram a mão se o momento de queda era iminente, que me insuflaram ânimo se o cansaço começava a dar sinais.
E creio poder garantir que, grosso modo, este meu texto poderia ser escrito por qualquer um deles.

Lembro todos, desde os que ocupavam lugares de topo na hierarquia organizativa da Escola, a todos os que foram dividindo comigo, ano após ano, as diferentes tarefas que além da leccionação, nos cabia desempenhar.
Mas porque mais de metade da minha carreira foi desenvolvida no período nocturno, guardo obviamente um carinho muito especial, um apego de afecto e gratidão sentidos e uma memória bem viva dos que, hoje também na aposentação, mais perto ou mais longe fisicamente, não posso esquecer !

Este meu texto não pretende de nenhuma forma ser, nem uma prova documental da minha actividade profissional, menos ainda a apologia narcísica da minha pessoa.
Não ! Nada disso encaixaria no meu perfil personalístico.

Só que ...
aquela que "foi a minha Escola" fez, como dizia, 50 anos de existência ao serviço de toda uma comunidade educativa, geração após geração.
E para promover a efeméride, uma comissão organizadora decidiu e bem, criar um programa criterioso e diversificado de eventos, para a festejar.
Entre outros, a montagem de uma exposição documental do percurso de vida da Escola, patente nas próprias instalações, o descerrar de uma lápide assinalando a data, pelas mãos da presidente da edilidade Dra. Carla Tavares ( ela que também foi aluna da Escola, quando jovem ), assim como o espectáculo " 50 anos da ESA ao serviço da Educação ", com lugar nos Recreios da Amadora e com entrada limitada a convites.

A divulgação deste exaustivo programa das festividades foi contudo restringido, lamentavelmente, à rede social FB ( que obviamente dispensa demais apresentações em termos de idoneidade, categoria e credibilidade ).
Acresce que a generalidade das pessoas ( professores e empregados ) que, já não estando no activo, não estavam em contacto directo com a Escola, não mereceram portanto nenhum outro tipo de informação privilegiada sobre o mesmo, e sem que tal pareça ter constituído alguma preocupação ou acautelamento por parte dos responsáveis.
Só podemos pois lamentar, que tão irresponsavelmente tenhamos sido tão facilmente dispensados e descartados !
Também questiono o critério que terá presidido por exemplo, à distribuição dos convites para o acesso ao espectáculo nos Recreios da Amadora.  Quais foram os "filhos" e quais os "enteados" ?  A quem couberam os "bilhetes premiados" ?  E porquê ?...

Argumenta-se com a Covid e suas restrições.  Não sejamos ingénuos.  Ela explica muita coisa mas não justifica tudo ... escusamos de escamotear responsabilidades !
Penso que o sentimento que nos envolve neste momento, é genericamente de mágoa, tristeza, desilusão e mesmo de indignação !
Afinal aquela que "foi a minha Escola", já não parece ser a "minha Escola" !!!

Não vou alongar mais este meu desabafo.  
Termino afirmando apenas que não me senti nada confortável por ( espero que com razoável antecipação ) parecer ter integrado já, o obituário da Escola !...

É que ... um Homem apenas morre quando é esquecido !!!

Anamar

domingo, 6 de fevereiro de 2022

" A VIDA SEMPRE CONTINUA ..."




Sempre a vida continua !
Igual, indiferente, fria e distante !  Afinal somos tão pouco ...

Desde terça-feira o Mundo ficou suspenso com a notícia duma criança de cinco anos, que caíra inadvertidamente enquanto brincava perto de casa, num poço seco de 32 metros de profundidade, e onde se encontrava prisioneira, em sofrimento, resistindo a uma morte tida como expectavelmente inevitável.
Quase cinco dias, lutando titanicamente ... resistindo além das forças humanamente possíveis !...

Isto aconteceu no norte de Marrocos, na aldeia esquecida de Ighrane, província de Chefchaouen, uma aldeia ignota ... sem história, onde gente sem história acabou fazendo História pelas razões mais adversas da vida !
Afinal, Ryan, cinco anos, era apenas uma criança a quem o futuro foi ceifado.
O seu lugar mobilizou-se, a sua gente mobilizou-se, o seu país mobilizou-se ... o Mundo não pôde ficar indiferente.  E todos sofremos, minuto a minuto, ora acreditando, ora sucumbindo à desesperança e à dor.
Não era nosso filho, não era nosso amigo, sequer nosso conhecido ... era apenas um menino !  E isso bastou para que a solidariedade universal e os melhores sentimentos de que o ser humano é capaz, emergissem dos corações, comandassem os espíritos, accionassem os recursos, e em uníssono, no terreno ou fora dele, se gerasse uma cadeia de esforços, de união, de ajuda, de transcendentalidade !

Mas Ryan não sobreviveu. Esgotou as suas últimas resistências, gastou as suas últimas forças ... e partiu, ironicamente pouco antes, parece, do momento do resgate !...

Não foi minha intenção fazer nenhuma reportagem do ocorrido.  Disso se encarregaram até à exaustão os meios de comunicação social, como sempre desgastantes, excessivos, doentiamente devassadores e desrespeitosos até, da dor e da privacidade mesmo daqueles que mais íntimos, estarão dilacerados e destruídos por dentro.  Os jornais, as revistas, as televisões, enfim, todas as cadeias noticiosas disso se encarregaram, duma forma minuciosa, doentia ... maquiavélica, como urubus sobrevoando a carniça ... porque há que "vender", tenha isso o preço que tiver !!

O ocorrido mexeu-me, incomodou-me, impressionou-me ... como não ?  
E apesar da onda de mobilização geral na busca do impossível, dos esforços sobre-humanos desenvolvidos, das tentativas desesperadas ensaiadas, a sensação de impotência, de pequenez, de incapacidade face a forças e circunstâncias que o Homem ainda não controla, remetem-nos e despertam-nos inevitavelmente para a nossa medida exacta, para  a  nossa  vulnerabilidade incontornável, para  a  nossa  fragilidade  insolucionável ...

Por outro lado ( e mais inquietante ainda ), é a certeza insofismável que esta onda de choque que abalou tudo e todos, este mediatismo que nos colou aos écrans e aos títulos das notícias, de norte a sul, de leste a oeste, que nos deixou de fé esperançosa em suspenso e que conseguiu sobrepor-se a muita da escorrência noticiosa da actualidade durante quase cinco dias, logo logo passará ... 
Iremos ainda falar muito, de alma compungida, sobre o Rayan, iremos lamentar muito, a injustiça do destino sobre um ser de tão tenra idade e lembraremos a dor lancinante que os seus pais estarão a experimentar, iremos colocar aquela expressão doída e realmente sentida ( não duvido ), de incompreensão sobre o porquê de tantas coisas absurdas nas vidas, e depois ... passará uma semana, um mês ... um ano ... nem tanto ... para que o cidadão anónimo tudo esqueça, para que a vida retome o seu percurso, para que as rotinas se restabeleçam ... para que a memória apague ... para que o sorriso volte e as lágrimas sequem ...

... e  sempre  assim,  com  tudo  e  com  todos ... simplesmente  porque "a  vida  sempre  continua ... "

Anamar