domingo, 24 de fevereiro de 2019

" UM FUTURO AMIGO DOS IDOSOS ..."




Caminhando pela mata, num domingo primaveril, desocupado e leve, reflectia eu, no silêncio aconchegante do verde que me envolvia, sobre um artigo que li recentemente no Jornal "O Público", respeitante a um tema que inevitavelmente, em situação normal, nos tocará a todos : o destino que o futuro mais ou menos remoto, dará às nossas vidas.

Quando eu ainda leccionava ( numa escola que foi da vida inteira, com um corpo docente praticamente estável, também da vida inteira ), de quando em vez, meio a rir meio a sério, nos intervalos ou nos "furos", em torno de uma mesa ou num dos sofás da sala dos professores, calhava vir, a sacramental conversa de circunstância : "um dia havíamos de ir todas para o mesmo lar.  O que é que acham ?  Ia ser divertido.  Íamos lembrar as histórias  por que passámos, íamos falar dos assuntos que nos interessam, íamos ter tardes intermináveis de tertúlias infindáveis, e serões à lareira, de risos e memórias, de partilhas e cumplicidades.
Cada um, de acordo com as suas capacidades, motivações e gostos, seria uma mais valia para o grupo.  A confiança e a amizade fariam o resto ...
E claro, íamos ter infinitas embirrações, manias, discussões e "caduquices" !!!  Já pensaram como ia ser animado ?  Bem mais animado seguramente, do que o que provavelmente se desenhará no nosso horizonte, de acordo com os figurinos actuais ..."
Ríamos, dizíamos uma outra laracha a propósito, encompridávamos  o pensamento pelos tempos vindouros, como se dessa forma pudéssemos espreitar adiante ... E pronto ... não passava disso mesmo !

É que,  "esse dia" surgia ainda remoto nas nossas vidas.  Era um cenário considerável, mas tão distante na verdade, nas nossas mentes, que não nos causava qualquer apoquentação real !
Afinal ainda faltava tanto para nos aposentarmos, tanto para envelhecermos, tanto para sequer equacionarmos a necessidade de nos colocarmos essa questão !
Éramos jovens, podíamos tudo, atravessávamos a idade de produzir em pleno, éramos profissionais denodados, mães e pais de filhos ainda pequenos, em idade escolar alguns, menorzinhos outros ... e esse assunto vinha e ia com a leveza de uma preocupação que a bem dizer, ainda não o era.
Conformava simplesmente, uma espécie de brincadeira com que nos experimentávamos.

Contudo, o tempo passou.  E como passou rápido !
Alguns de nós também já passaram do mundo dos vivos, e de outros, vamos sabendo com frequência demais para nossa mágoa e tristeza, que se encontram injustamente em vidas precárias, já sem qualidade ou esperança.
E de repente, parece que esquecemos que haveria um dia em que o "tal dia" nos ficaria mesmo mesmo ao virar da esquina.  E chegamos a surpreender-nos ... nem chego a perceber bem porquê !...

E o nosso devir está aí.  O passado, o presente e o que será o futuro, parecem ter-se sentado rapidamente na nossa mesa, parecem ter ocupado um lugarzinho na nossa cabeceira, por cada manhã que despertamos ...
Os filhos estão criados e criam outros filhos. As casas paternas ficaram imensas pelos espaços vazios que albergam.  O nosso tempo individual também se agigantou.  Os projectos são tão relativos quanto o tempo de que teoricamente disporemos.  E finalmente, não poderemos ignorar ou fingir que não percebemos, que o tal dia se aproxima a passos largos.
Há que delineá-lo, então.  O futuro que ainda tivermos, convém que possamos nós mesmos, defini-lo.
Pelo menos, eu penso assim.  O que eu quiser, dentro do que eu puder, exijo que me caiba a mim decidir.

É aí que se prende o artigo que referi e que posto abaixo, da autoria da jornalista Alexandra Campos do jornal "O Público" e que deixo à vossa consideração.

Em Portugal, esta solução para o destino sénior, poderá ainda classificar-se de uma miragem, creio. Contudo, parece começar a dar os primeiros passos, e parece-me também ter a simpatia e a adesão da maioria das pessoas eventualmente abrangíveis, no futuro.
Não acredito que possa vir a considerar-se com expressão social, já na minha geração, infelizmente.  Seria utópico nisso acreditar.
Pesando embora a sensibilização geral favorável a este modelo de futuro geriátrico, esbarra-se objectivamente, como sempre, em todo o tipo de obstáculos materiais, institucionais, políticos, legais, económicos e até culturais, que na verdade, do ponto de vista prático, serão barreiras muito difíceis de ultrapassar num país de parcos recursos e de carências múltiplas aos mais variados níveis.
Levará tempo até que Portugal se torne de facto, um país "amigo dos idosos" !

Mas que seria tão simpático que dele pudéssemos usufruir ... lá isso, seria !!!



ENVELHECIMENTO -    Jornal  "O Público"   - 22 de Fevereiro de 2019

Vamos envelhecer juntos? Cohousing dá os primeiros passos em Portugal

A “habitação colaborativa sénior”, uma “espécie de república”, mas com regras e serviços de apoio partilhados, pode ser uma alternativa aos lares de idosos e à fatalidade de os mais velhos viverem sozinhos.
                                                      Alexandra Campos 


Na Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto apresentaram-se vários modelos de Cohousing 

Kerstin Kärnekull tem 75 anos mas parece ter menos dez. Há um quarto de século que a arquitecta sueca escolheu viver no primeiro projecto de cohousingdo no seu país, uma experiência de habitação “colaborativa” para a “segunda metade da vida”. 
Localizado em Estocolmo, o Kollektivhuset Färdknäppen inclui 43 apartamentos com um a três quartos, uma pequena cozinha e um espaço comum com 350 metros quadrados, onde os amigos se encontram. “Quando envelhecemos, não há nada mais importante do que estar com outras pessoas”, enfatiza.

No Färdknäppen, há turnos para preparar refeições, há turnos para fazer limpezas e há turnos para toda uma série de tarefas. E todos colaboram. É “uma escola de democracia”, sintetiza. Nesta comunidade com 56 pessoas entre os 53 e os 93 anos, cerca de dois terços são mulheres. 
A já longa experiência tem corrido bem. Mesmo aquela ideia feita de que viver em comunidade acaba com a privacidade é um mito, assegura a arquitecta. “Tive um amante durante cinco anos e ninguém percebeu”, graceja.


Kerstin esteve nesta sexta-feira na Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto a descrever, perante uma plateia maioritariamente grisalha, como funciona o seu projecto de cohousing, como evoluiu o conceito — que surgiu na Dinamarca nos anos 70 do século passado, e como esta opção de vida revelou ser a mais acertada no seu caso. “Dizem que se ganha 10 anos por viver num lugar como este”, afirma, jovial.
A arquitecta partilhou a sua experiência na conferência internacional “Cohousing em Portugal — Viver Sustentável”, que foi organizada pela associação Hac.Ora Portugal Senior Cohousing, uma associação sem fins lucrativos fundada em 2018 e que é liderada pelo ex-presidente da Câmara Municipal do Porto Nuno Cardoso.

Uma “espécie de república”

O ex-autarca está convencido de que a “habitação colaborativa sénior”, uma “espécie de república”, mas com regras e serviços de apoio partilhados, é a alternativa aos lares de idosos e à fatalidade de os mais velhos ficarem a viver sozinhos quando não têm retaguarda familiar e não lhes resta outra hipótese. “Já há lares de idosos que são fantásticos do ponto de vista físico. O problema é que a institucionalização faz-se muito tarde e as pessoas chegam muito dependentes. O ambiente acaba, assim, por ser sempre um bocado deprimente. E não há soluções para os séniores mais activos”, lamenta.


Exemplos de habitação partilhada

Em Portugal são poucas as iniciativas conhecidas de cohousing, mas há uma em Águeda, já com meia dúzia de anos, fundada por uma instituição particular de solidariedade social, "Os pioneiros", que, em 2012, criou uma “aldeia sénior”, hoje com 18 idosos, que vivem num aglomerado de pequenas casas, com o apoio de profissionais.

Mas há vários projectos a germinar. A Santa Casa de Misericórdia do Porto (SCMP) tem dois: um que passa pela recuperação e reabilitação de "um antigo bairro destinado a mulheres viúvas" e outro, "um núcleo muito restrito", a instalar num imóvel da instituição, dentro de um ano e meio. 
"Poderá revelar-se uma boa aplicação prática deste modelo e servir para provar à população que é possível", explicou o provedor da SCMP, António Tavares, na conferência desta sexta-feira, no Porto.

Em Lisboa, segundo Paula Marques, vereadora da autarquia, há um projecto com este espírito que já tem dois anos: um equipamento "intergeracional" instalado no Bairro Padre Cruz, que inclui "creches e espaços de acompanhamento de jovens" no rés-do-chão e residências assistidas nos andares de cima, apenas para idosos com autonomia. 
O projecto foi promovido pela Câmara Municipal de Lisboa e é gerido pela Santa Casa da Misericórdia da capital.
No encontro, Guilherme Vilaverde, da Fenache (Federação Nacional das Cooperativas de Habitação Económica), adiantou que já se está, com algumas cooperativas, a idealizar vários projectos, mas é preciso "legislação e financiamento".

Mas se alguém pensa que este é o renascer de comunidades hippies está enganado. “Esse movimento está ultrapassado”, afirma Cardoso. 
No cohousing cada família tem garantido o seu espaço pessoal, mas não existe apenas um modelo. Esta é “uma ideia de liberdade”, cada grupo “vai definir as suas regras”, apesar de também haver projectos de cohousing institucional, até para os mais jovens, diz. 
Tendo em conta o acelerado envelhecimento em Portugal, os idosos são, porém, a prioridade. 
Outros países europeus já entraram há muito tempo na corrida e Espanha está neste momento “a fervilhar de projectos”.

Mas se o cohousing vem “ampliar o leque de oferta habitacional” e contribuir para a “regeneração urbana e para a sustentabilidade ambiental”, ainda carece de enquadramento legal em Portugal, afirma o ex-autarca que foi recebido já pela comissão parlamentar para a lei de bases da habitação, onde quer que este modelo venha a ser contemplado.

Num país de proprietários

Ainda júnior em Portugal, a habitação partilhada já tem longos anos em vários países. 
São muitas as iniciativas de cohousing, como demonstrou Sara Brysch, arquitecta e doutoranda da Co-Lab Research na TU Delft (projecto holandês), que explicou que este conceito é “bastante flexível”. Pode resultar em cooperativas de residentes, em grupos de construção (caso da Alemanha), em soluções de cessão de uso (caso de Espanha).
Também a propriedade dos espaços pode ser privada, colectiva, cooperativa ou então poderá optar-se pelo arrendamento cooperativo (modelo que predomina na Suécia). A ideia é ter casas ou apartamentos independentes (equipados com todos os serviços essenciais de uma habitação, com quartos, casa de banho, cozinha/kitchenette, zona de estar) e um espaço comum partilhado, com sala, cozinha, lavandaria e, eventualmente, quartos para convidados.
A arquitecta deixou claro que o cohousing  “não é uma comuna, não é um condomínio fechado, não é uma cooperativa de construção nem é co-living, porque o modelo mais comercial não inclui a participação dos residentes”. E, frisou, é essencial assegurar a criação de parcerias, financiamento e envolver autarquias.


Em Portugal há um obstáculo: somos um país de proprietários (75% das famílias compraram as casas onde vivem). É uma questão cultural, mas que pode ser ultrapassada. 
Ainda temos energia e este é o modo de vida que nos interessa”, atesta a economista Luísa Bernardo, que seguiu com interesse a conferência. “Nós somos potenciais vendedores das nossas casas”, diz, lembrando a frase de uma mulher que optou por este modelo: “Disse ao meu filho: eu é que vou sair de casa."

Anamar

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2019

" ELES ... "




Eles vivem connosco.  Porque nós o quisemos, não que eles se tivessem imposto.
Eles dividem o nosso espaço, partilham-nos as preocupações, escutam-nos os silêncios, acarinham-nos.
Eles olham-nos nos olhos, mesmo quando mais ninguém nos olha nos olhos.  E "conversam" ... dizem-me  tantas coisas ... ao seu modo ...
Eles  buscam-nos  o  colo e o calor, quando  os  filhos  já  o  deixaram, há  muito, e  foram  às vidas ...
E também já me secaram as lágrimas, ou lhes tomaram o sal quando elas escorriam rosto abaixo ...
Esperam-me na porta, quando na fechadura a chave me anuncia.  E não me perguntam de onde ... e porquê ficaram ali, sós.  Esperam-me simplesmente.  E "sorriem" ... ou quase sorriem ...
Ouvem a minha música, partilham do meu sol.  Aceitam as minhas festas, ou os meus ralhetes mal humorados, em dias menos fáceis ...

Eles são os nossos companheiros de percurso.  São os seres que apelidamos, injustamente, de irracionais e com quem dividimos a vida.
Não pedem, não reclamam, não reivindicam.  Têm a generosidade que muitos humanos não têm.
São extensão da nossa família.  Ou pelo menos, devê-lo-iam ser ... sempre !

Já conheci alguns, ao longo dos anos.
As suas histórias cruzaram-se com a minha, até que o destino lhes pôs um ponto final.
Até hoje a sua ausência me aperta o coração.  De todos guardo momentos, ocasiões, memórias ... sempre gratificantes, sempre felizes ... eternas.

É uma angústia quando adoecem.  Não se queixam.  Percebemos que não estão bem pelos sinais que vão deixando, se os soubermos olhar.  São discretos.  Buscam muitas vezes o isolamento.  Escolhem um lugar silencioso e tranquilo para se aninharem, por forma a não perturbarem.
Até na morte têm dignidade.  Uma imensa dignidade !
Foi assim com o Óscar, a Rita, o Nico, o Gaspar ... e todos os outros que passaram por mim.

A sociedade, infelizmente, ainda desprotege brutalmente os nossos bichos.
Como tratá-los como merecem, com os valores astronómicos que nos são exigidos, por cuidados de saúde, por acompanhamento médico, pela simples alimentação ?!...
Mas como negar-lhes também, esses mesmos direitos ?!
A responsabilidade que sobre eles nos cabe, o amor que lhes devotamos e o respeito que lhes é devido, impõem-se-nos.  Afinal eles são, como dizia ... extensão da nossa família !

Fui impelida a escrever este texto, que na verdade  de novo nada traz , ao regressar com o Chico, de mais uma consulta na Faculdade de Medicina Veterinária.  Exames inconclusivos, diagnósticos generalistas ... pode não ser nada ... pode ser tudo ... mais um exame a ser feito ... duzentos euros, o valor ... quando mais do que isso já foi gasto ...
E pergunto-me : "Como poderão tantas pessoas de recursos precários, encarar uma situação destas ?  Como poderão tantos idosos de parcas possibilidades financeiras, acorrer ao tratamento do seu amigo de fim de linha ?...  Às vezes, o único que lhes ficou !... "

Instituições quase sempre a viverem exclusivamente de voluntariado, de ajudas beneméritas de particulares ... gente anónima que por amor e carolice, nas ruas, apoia, protege e defende como pode, são as únicas estruturas que, com todas as dificuldades e carências que conhecemos, ainda vão dando a resposta possível à realidade que nos rodeia.
Partidos políticos ( ridiculamente preocupados com provérbios ... ), talvez devessem tentar implementar uma política real de apoio na saúde, aos companheiros que connosco dividem as vidas.
Isso sim, seria legitimar os seus direitos.

Afinal, eles estão desde sempre, connosco,  no Planeta Terra !...

Anamar

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2019

" A PROPÓSITO ... "






O sol acabou de descer no meu horizonte visual  lá longe onde os prédios o desenham, como uma bola de fogo bem iluminada, num laranja aceso de fim de tarde.
Os dias azulam, são claros e luminosos, como se a Primavera já por aqui estivesse.  Do que me lembro, e não sei porquê, sempre Fevereiro assim nos surpreende.
Entretanto no Havai, os ventos sopram a 300 quilómetros por hora, e há neve nos pontos altos. Manifestações de uma Natureza zangada com o Homem, que a manipula e destrói.

Os pássaros, mal a primeira luz da manhã se anuncia, começam os gorjeios de acasalamento no plátano das minhas traseiras.  Oiço-os no silêncio do meu quarto, quando os olhos ainda não se me fizeram ao dia que começa.  É altura da construção ou reparação dos ninhos.  Daqui a pouco começam as posturas, e depois ... o ciclo da vida retoma a marcha.
Dizem-me que já há andorinhas por aí.  O Alentejo tem os postes de alta tensão, ponteados de cegonhas, em ninhos que não chegaram a abandonar, uma vez que as alterações climatéricas parecem não justificar já, a debandada  para outras paragens.
As mimosas douram as ramagens, os folhados breve se encherão dos pequenos bouquets brancos que os adornam generosamente e as azedas cobrem os campos de um amarelo claro e luminoso repleto de vida !

Amanhã é uma vez mais  no calendário recente, dia de S.Valentim.  Dia do amor, da paixão, dos sentimentos exacerbadamente valorizados, numa manobra de marketing consumista, importada artificialmente das estranjas.
O vermelho impera, associado ao calor de fogueiras afectivas e emocionais, como se os sentimentos se medissem por termómetros coloridos.  Os corações, as rosas vermelhas, as roupas íntimas sugestivamente escarlates também, com pormenores de tapa-destapa eróticos ... as caixas de chocolates afrodisíacos, são as peças de um puzzle que tenta vigorar pelo menos pelas vinte e quatro horas que completam o dia catorze de Fevereiro de cada ano ... São acendalhas de uma fogueira que se assopra, no desejo de que o desejo se acenda, custe o que custar ... Só porque sim !!!

Entretanto a violência entre as pessoas, dispara.  As estatísticas denunciam números assustadores de mulheres vítimas, por cada dia que passa.  Provavelmente de homens também.  De crianças, apanhadas no fogo cruzado de relações que se desfazem ... seguramente ...
Essas, nem chegam a entender o porquê ...
E há também a violência psicológica, mais fria e cortante que a física.  Existe no silêncio, funciona na chantagem, na manipulação, na ameaça ... grassa na miséria, na submissão e no medo.  Quando as alternativas de vida escasseiam ...
Alberga o ódio, semeia a solidão e a dor.
É cirúrgica, matreira, falsa, desapercebida ... quase sem rosto ...
Coexiste com o desamor. É cinza de brasas apagadas.  É desmantelo de derrocadas moribundas.
Destrói e mata.

E amanhã, lamentavelmente, é mais um dia de fazer de conta.  Como se os sentimentos nos caíssem no coração, por decreto. Como se a nossa alma se engalanasse, só porque a página do calendário o decidiu ...

Os amores são muitos.
Os verdadeiros, os reais, os sentidos, os que  tocam a sério as fímbrias do nosso ser não carecem de hipocrisias ou justificações vazias, para existirem.  Não precisam de se exibir socialmente. Não têm mês, dia ou hora para ser.  Simplesmente, são ... porque são autênticos, indeléveis e eternos.
Não necessitam de tradução, porque quem os vive tem códigos de entendimento.
Não precisam ser ditos, porque se vêem no olhar e porque se denunciam no calor das palavras que escorrem.
São amores com história.  Aquela que se nos escreveu no peito e que as marés não apagam, porque foram cinzelados a fogo "ad eternum".
São únicos, exclusivos ... raros e um privilégio quando nos acontecem nas vidas !

Bom... sinto-me amarga.  Noto-me em desencanto.
Há largos meses que não escrevo um poema.  E eu gostava de fazer poesia ...
Talvez ela não povoe mesmo já, a minha vida !...

Anamar

terça-feira, 12 de fevereiro de 2019

" LAMPEJOS DE FELICIDADE "






Abrindo o Facebook, e porque é preceito desta aplicação, de quando em vez nos refrescar a memória com "memórias" nossas, postadas anos atrás - textos publicados, fotos partilhadas de eventos que vivemos, comentários de amigos, a propósito ... enfim, aquelas coisinhas que quase sempre nos aquecem o coração e adoçam a alma - surgiram-me fotos de férias  passadas no Brasil em 2015.
Foram duas semanas divididas entre a Amazónia e o Pantanal, culminando um sonho antigo, acalentado ao longo dos anos.  Mais precisa e principalmente, desde que na televisão foi exibida uma novela inesquecível, de que não perdi um só episódio : " Pantanal".

Apesar de ter uma ideia mais ou menos formada portanto, do que seria essa privilegiada região do Brasil, a distância entre a imaginação e a realidade, configurou-se num fascínio, num emaravilhamento, numa felicidade simples, plena e serena, face ao Paraíso que lá me esperava, sem que haja adjectivos sequer que as aproximem.

Bom, mas a razão por que escrevo este meu post, não se prende exactamente com o intuito de descrever o que foram, de facto, esses dias.
Verifiquei e reli outra vez, todos os comentários tecidos por quem visualizou as fotos de então.  Entre eles, saltaram-me aos olhos algumas palavras deixadas pela minha filha mais nova.
Relembrava nelas, com um saudosismo perceptível, os tempos em que a série passava, num enlatado semanal de todos os episódios, aos sábados fim da tarde / noite.  Era ela então adolescente, com dezassete anos.
Como eu, fascinada pelas belezas naturais e pela magia que o Pantanal encerra, era também assídua e entusiasta espectadora.
E como a exibição era longa ... e como não havia na altura possibilidades de rewinds, gravações em box ou outros artifícios que permitissem uma visualização mais ao nosso jeito, carecia assegurarem-se por perto, alguns mantimentos e vitualhas que fizessem daqueles fins de dia, sem outros especiais programas em vista, verdadeiros e indeléveis picnics.
Era uma delícia ... tostinhas no forno com queijo derretido e paio alentejano, chocolate quente, um ou outro docinho ... e mais o que lembrássemos na altura.
Se era Inverno, assistíamos mesmo  na televisão aos pés da cama, no quente dos cobertores.  Era um ritual quase sagrado e muito gostoso !...

E ali ficávamos nós duas, sem pressas, vivendo os sobressaltos com a onça pintada, os receios da sucuri ou da surucucu  traiçoeiras, olhando a garça branca rasando as águas, ou o tuiuiú descendo com a corpulência das asas esticadas.  Ali ficávamos,  deixando-nos levar pelo som do berrante dos peões, no comando das comitivas, na transumância das boiadas, ou simplesmente nadando com a Juma nas águas mansas e caladas, por onde a chalana  melancólica e silenciosa, deslizava ... 

E vivendo, magicamente, através da história contada, a vida simples, livre e despreocupada descrita numa narração que nos transportava no sonho, através dela, ao outro lado do mundo... o Pantanal !...  

Eram sábados sem pressa, eram tempos com tempo para partilha, para diálogo, para rirmos e também para imaginarmos ser possível um dia, quem sabe, nós duas, cumprirmos o desejo de por lá andar também...
Eu, realizei-o exactamente vinte anos depois.
Ela, ao rever as imagens, lembrava e dizia : " o Pantanal ... tempos em que eu era feliz e não sabia" !

A vida também é isto ... pequenos lampejos de momentos felizes ... bocadinhos de bem estar e cumplicidades,  mesmo que nem sequer o tivéssemos suspeitado !!!...

Anamar 

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2019

" NÃO SEI BEM PORQUÊ OU PARA QUÊ !... "



As mimosas já se adornam no manto dourado que as envolve.  São uma mancha de luz que ladeia os caminhos. 
Na mata, a única mimosa que a habita, também deverá ter as ramagens de Inverno, generosamente engalanadas com as bagas amarelas como pequenos sóis dependurados.  Irei ver, um dia destes.
É uma época do ano em que o amarelo tem o privilégio de preponderar.  As azedas multiplicam-se e atapetam os campos.  As macelas competem com as margaridas selvagens, e as cantarinas seguramente já treparão as encostas da Aguda .  Não demora, os narcisos festejarão a nova estação que virá ...
É como se o sol descesse à terra e aguarelasse os nossos horizontes.

Ontem fui verificar a caixa do correio da casa da minha mãe.  Não sei bem porquê, ou para quê...
Que carta ou que notícias espero lá encontrar ?!
Fiquei com as chaves, ainda.  Não sei bem porquê ou para quê...
De lá, só retiro publicidade que entope um receptáculo sem vida.  Para ali já ninguém comunica, já não há contas de água, de luz, de telefone, a aguardarem a devida liquidação.  Para ali, já não há comunicação personalizada, só papelada anónima sem destinatários ou receptores que a aguardem.
Retiro tudo, para esvaziar a caixa.  Subo os dois degraus que separam o hall de entrada dos andares térreos.  A porta lá está, silenciosa, cerrada, muda, inerte.  Morta ... também ! O mesmo tapete no chão.  A mesma ausência de gente, a mesma solidão ... o mesmo vazio.
Há tempos atrás, metia a chave à porta e entrava.  Como se quisesse verificar que estava tudo como foi deixado. Que continuava tudo exactamente como ficou.  Que a luz que atravessa a vidraça da cozinha, ainda ilumina da mesma forma o espaço que alcança.  Agora, vazio.  Devoluto.  Frio.  Gélido.  Sozinho.  Absolutamente abandonado. Serenamente abandonado.
Como se quisesse verificar, se dúvidas tivesse, que as flores já lá não estão, que os móveis também não, que não há sons, vozes, risos, passos ou correrias das miúdas.  Como se me esperançasse que, metendo a chave àquela porta, ela se abrisse e lá estivesse a minha mãe, na salinha, com o Gaspar aos pés, com a televisão ligada no programa do "Gordo" ... aguardando a hora de eu passar para as aulas, no último adeus do dia ...
Como se esperasse ... alguma coisa ... alguém ...

Agora, já não consigo fazê-lo.
Subo os dois degraus, é verdade.  Olho para a porta, silente e imperturbável.  O tapete permanece, indiferente. Por ele, contudo, nem eu já sou capaz de passar ...
Repouso o olhar naquela porta, sem precisar mais de entrar, porque sei de cor o que está além dela, centímetro a centímetro, oiço-lhe as vozes, sinto-lhe os cheiros, dia depois de dia do que foi mais de meio século de vida !
Cá fora, bate o sol dourado da tarde no parapeito das janelas ...
"Vamos p'ra dentro ? - dizia-me, quando depois do almoço espreitávamos o vai-vem da avenida, enquanto o sol baixo de Inverno nos presenteava.  " Ainda bate aqui o sol, mãe.  Já vamos !"

Estava lá ontem, que eu sei. Quando fui verificar a caixa do correio ...
Não sei bem porquê ou para quê !...

A vida !... 
Um dia fica assim. Parada. Inerte.  Insensível.
Um dia fica assim ... uma memória que rasga a indiferença dos tempos, uma imagem a sépia, a esbater-se na luminosidade de Fevereiro ... 
A mesma rua, as mesmas janelas ... a mesma porta ... até o mesmo tapete no chão ... ainda.  Tudo igual e tudo espantosamente diferente.  O mesmo sol a bater no parapeito ... Só que o sol nunca se repete ... nada se repete.  A vida segue adiante. As histórias reescrevem-se com outras personagens, outros rostos, outros corações a pulsar ... com outros figurantes ...
A vida segue adiante ... simplesmente !

Anamar

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2019

" FLASHES DO QUE ME APETECE ..."



Já anoiteceu. São contudo apenas seis e um quarto de uma tarde sonolenta, de tez meio dourada, de um sol envergonhado que nem foi, nem deixou de ser.
Foi mais um dia de um Janeiro a extinguir-se, um mês decorrido já sobre o Natal, que parece ter sido apenas ontem.
Este silêncio que me aconchega, aninha-me.  É o quarto de sempre, a música de sempre, a janela com vista do alto sobre todo o casario que se estende adiante e lá longe, onde a linha do horizonte se fecha.  Daí, o meu pensamento segue então, cavalgando até onde eu quiser, e até onde eu sei estar tudo o que me apetecer lembrar, tudo o que me trouxer memórias, espaços, emoções e sentires, pessoas, sons, cheiros e cores.
Para lá, além do permitido pelos olhos, há o permitido pelo coração.  E esse, como a mente, não tem limites, barreiras ou muralhas que o confine ou cerceie.

Lá, onde o fraco sol da tarde adormeceu, fica o mar.  E esse, sei-o em cântico de languidez, em ladainha de embalo, em melopeia de adormecimento.
O mar, é o que não começa nem acaba, é o que não tem fim ou princípio, é o que vive para lá dos tempos e os eterniza para além do sempre.
E sempre, é uma palavra que não existe no dicionário dos Homens.  Como nunca.  Nunca, também não sonhamos sequer, o que seja.

E o mar não se define.  Como o Homem, que também não tem definição ou fórmula.
O mar encrespa-se irado. Roça-se de meiguice na calmaria das marés, se são rasas.  Empolga-se e agiganta-se se a lua cresce e se enfuna nas madrugadas.  Pintalga-se em espelho da poalha estelar, se a noite for mansa e escurecida.  Abrilhanta-se em prata, afogueia-se nos pores de sol, azula-se sob céus imaculados e esverdeia-se enraivecido e cavernoso, como olhos de mulher traída ...
O mar ... longe do qual nasci e  junto do qual quero ficar ... quando for ...

Hoje, não tenho sobre o que escrever.  Preciso escrever ... é o que sinto.  Entupo-me por dentro se o não faço.  A cabeça não ajuda, por entorpecida.
Vivo tempos estranhos.  À minha volta, dos que conheço, os problemas, as angústias, as dúvidas e as apreensões instalam-se.  São problemas de saúde, que mesmo nos mais saudáveis começam a anunciar-se.  São problemas existenciais, práticos e objectivos, ou mais disfarçáveis.  Daqueles mesmo que as pessoas carregam, sem que lhes venham ao rosto.  São insatisfações ou incertezas.  São medos ou fobias pelo que aí vem, quando vier e que não sabemos.  São horizontes, que pareciam tão distantes ainda, e que desataram a caminhar na nossa direcção, estreitando os caminhos, aproximando os limites ...
São também os "não problemas".  Desses, eu padeço muito, porque penso demais, acho.
Por vezes invento-os ... acho também.
Pergunto-me pelo tempo.  Pelo que tive, pelo que desperdicei, pelo que terei.  E, já aqui o disse ... tenho uma permanente e estranha sensação de últimas etapas.  É esquisito, eu sei, mas, depois de ter enterrado os meus pais, tios e todos os ascendentes sobrevivos, senti claramente que avancei um passo adiante.  Senti claramente que entrei numa calha de acesso.  Senti claramente que agora fui eu que ocupei os lugares que se esvaziaram na fila, e que serei eu que os esvaziarei de seguida ...

Um destes dias olhei as minhas filhas.
Meia idade, quase jovens ainda ... Quarenta anos,  não serão preocupantes, creio.  E achei que também a elas, o tempo não estava a poupar.
Vi-lhes rostos crispados, cansados, stressados ... com sinais dos primeiros cansaços a sério, das preocupações e dificuldades das existências.
Rostos que ainda ontem tinham luz, olhos que sorriam de despreocupação, silhuetas cuidadas, elegantes, bonitas mesmo ... revelando o desgaste da luta, mostrando o peso das responsabilidades de vidas que se foram fazendo, como se eu não tivesse dado por isso ...
Acho que as "olho / revejo", nostalgicamente, saudosamente, surpresa mesmo, como se os anos não tivessem rodado e eu pudesse espreitar lá atrás ... nos tempos, que agora percebo leves, da sua juventude.  Como se eu me tenha distraído por aí ...
Olho-lhes os primeiros cabelos brancos a espalharem-se, sem se anunciarem sequer ... e emociono-me, sem querer ... Como foi tudo, tão súbito, tão silencioso, tão em bicos ?!...
E vejo os netos, adolescentes, daqui a pouco adultos, daqui a pouco com as cargas que também lhes serão devidas ... e oxalá o sejam ...
E de novo, tudo tão súbito, tudo tão silencioso ... tudo tão em bicos de pés ...

Estranho, tudo isto ...
Qual estranho ?! - dirá quem me ler, atestando-me insanidade real.
Não será tudo, afinal o rumo normal das vidas ?  Não será afinal este, o percurso desejável, expectável e sem demais estranhezas ?!  Não será exactamente assim que se cumprem os itinerários de quase toda a gente ?!
Acredito que sim.  Daí eu falar nos meus "não problemas" ... como se eu, ou alguém pudesse ter algum ascendente sobre o desenrolar inevitável dos tempos ... Como se a minha vontade, o meu sentir, as emoções que experimento, pudessem alterar o desenrolar dos caminhos ...
Parece-me tudo tão irrelevante, tão precário, tão pouco importante ... tão insignificante e sem sentido, como peças de xadrês  atontadas, num tabuleiro incomandável ...
Um piscar de olhos e o ontem já foi ... um suspiro, e o amanhã está quase a ir ...

Fico por aqui, neste "non-sense" que se me impôs, que me ocupou a mente, que me assalta em noites que o sono abandonou ... numa espécie de escrever ao sabor das ideias, numa espécie de libertação dos sentires, sem censura ou filtragem ...
Uma espécie de cansaço ou desencanto ... talvez seja essa a única classificação possível ...

Anamar