domingo, 2 de junho de 2024

" HOJE O DIA É DELES ... "

 




Junho apresentou-se hoje no calendário, ou seja, o mês que vai dobrar o ano de novo ao meio, iniciou-se com um tempo absolutamente estival.
Temperaturas acima dos trinta em vários pontos do país, céu limpo, ausência de qualquer perturbação atmosférica, lembram que apesar de ainda ser Primavera, o Verão está a espreitar à distância de três semanas.

Dia 1 de Junho é uma efeméride mais, no calendário dos Homens ... a comemoração do Dia Mundial da Criança.
Como sabemos, as Nações Unidas aprovaram a 20 de Novembro de 1959 a Declaração dos Direitos da Criança, proclamando-os mundialmente.
Assim, este dia tem por objectivo centralizar a reflexão na criança e nos problemas que exponencialmente, creio, afectam muitas delas em todo o Mundo.
Insere uma obrigatoriedade de pelo menos hoje, repensarmos estes seres que serão a continuidade, o caminho, o futuro !...

Quando eu era menina, pelo menos no meu núcleo familiar, este dia não era assinalado de nenhuma forma.  Não era mencionado, festejado, menos ainda beneficiado com as actuais prendinhas que hoje em dia se tornaram "obrigatórias ".
Já na geração seguinte, sou eu, que sendo adulta e já mãe, acorro a providenciar  a comemoração da data, sem grandes festejos, mas sem dúvida, não a ignorando.
Depois vieram os netos, as escolas lembram, se nós esquecêssemos o dia, a sociedade fomenta e lucra como com todas as datas propagandeadas em benefício próprio, e a tradição continua.
Pelo menos até que os mais novos comecem a olhar para a própria sombra, que é como quem diz, se comecem, com a pressa habitual dos jovens, a achar "gente muito crescida" ... e desvalorizem então a causa.  Se calhar, só até que eles próprios venham a ser directos intervenientes, agora já noutra condição.

Hoje, com 4 netos respectivamente com idades de 23, 20, 17 e 7 anos, na realidade só escapa a benjamim, e suspeito que talvez já não por muito tempo, tal o ar, os jeitos e mesmo a maturidade , que exibe, pouco espectável para a idade ...
Significa isto que a "calha" impiedosa do tempo avança, nesta " linha de montagem" que não se compadece com quem vai ficando pelos apeadeiros da vida !...
E apercebemo-nos que na realidade, o nosso protagonismo enquanto avós, já foi chão que deu uvas ...
Cada um segue os seus rumos, os seus sonhos, os seus projectos.  
As células familiares que habitam, quase sempre longe fisicamente das residências dos avós, não facilitam acompanhamentos regulares, presença expressiva, partilha em tempo real, da maioria dos acontecimentos das suas histórias.
Eles têm pouco tempo, a nós sobra-nos muito ... eles têm energia, força, vontade, sonhos ... nós estamos noutro timing ... eles vêem os projectos, os destinos que perseguem, a busca do amanhã, com os olhos e a fé  de quem acredita e tem um imenso amanhã ao dobrar da esquina ... O nosso amanhã já não é bem esse !...
Quase sempre me sinto / julgo dispensável ... quase sempre me sinto carta fora do baralho, quase sempre me sinto sem janela, balcão ou camarim donde possa assistir em privilégio, ao desenrolar das suas vidas ... quase sempre me sinto a "estorvar" ... 

Contudo, não quero / gostaria de ser injusta nas análises, tendenciosa nas conclusões.  Se calhar não será bem assim ... mas é o que sinto.
Precisaria ou gostaria de saber como é com os outros.  Gostaria de perceber até que ponto cometo erros de análise ou injustiças não cabíveis.  Mas fecho-me, isolo-me, silencio-me.
Cada vez mais reduzo os meus desgostos aos meus silêncios.  Não busco responsáveis ou culpados de nada.  Talvez os erros me sejam imputados exclusivamente a mim, que não semeei o necessário ... logo, não colhi o suficiente !...
Às vezes, muitas vezes, penso e repenso tudo isto, nas minhas insónias das cinco da manhã ...
No entanto penso também que não posso ser demasiado carrasca comigo mesma, demasiado intolerante com os meus erros, as minhas omissões ou os meus mal-feitos ... Afinal a vida tem tantos meandros, tantos vectores que convergem e determinam resultados dolorosos e imperfeitos ...

Bom, mas este post não ficaria completo para mim, ou não se justificaria, se nele eu não lembrasse as crianças de todo o mundo, particularmente aquelas para quem o melhor presente do dia de hoje, seja a concessão da vida, por mais um dia...
Refiro-me obviamente aos filhos sem pais, àqueles cuja realidade é o troar das bombas, dos explosivos, dos aviões que sobrevoam, dos mísseis que caem nos prédios que desabam...
Refiro os que lutam, tão pequeninos ainda, nas filas para a compaixão de umas conchas de sopa na lata que transportam ...
Refiro os que convivem com a morte, com a "normalidade" de caminhos sem rumo, com a dor da orfandade, da perda, do abandono, da solidão ...
Refiro os meninos que sonham em voltar às escolas que ficaram lá atrás ... os meninos que desenham sóis, arco-íris, flores e borboletas em pedaços de papel ... onde os aviões são transformados em pássaros livres e soltos ...
Ou apenas os meninos maltratados, violentados, negligenciados, abusados ... esquecidos, por uma sociedade sem amor, indiferente, de violência, miséria e sofrimento ...

E afinal, todos são crianças num mundo hipócrita, num mundo de faz de conta, cruel e quase sempre indiferente !... 





Anamar