domingo, 8 de junho de 2025

" DE MIM PARA MIM ! "


Neste momento da vida, custo a enxergar o lugar que ainda me cabe.  Cabe, pessoal, familiar, socialmente mesmo.
Uma coisa é certa, de dia para dia me sinto mais estranha, mais estrangeira, mais desajustada e desconfortável na pele que me pertence.
À minha volta as linguagens são-me desconhecidas, os códigos de conduta indescodificáveis, os valores que eu entendo como parâmetros sociais de habitabilidade e convivência são obsoletos e já parecem não fazer sentido.
Assim, das duas, uma... perante qualquer situação, qualquer questão que se me coloca diariamente, potenciadora de um diferendo de análise, opto por me isolar, me afastar, me silenciar.
É mais cómodo, desgasta menos, cria menos confusão, chatice ou problemas. Por isso, eu que já passo a maior parte do tempo sozinha, falando comigo mesma ou com os gatos que nunca discutem, eu, que esperaria apenas resposta, diálogo ou interlocução eventualmente das paredes desta casa vazia e silenciosa, remeto-me progressivamente mais e mais a um desinteresse e a um afastamento e desencanto por tudo e todos.

Questiono-me se efectivamente estarei desajustada, fora das regras de convivência, ou de adequação à vida em comunidade, se estarei totalmente ultrapassada por tudo até pela conveniência do saber estar com o mundo que me cerca, se já perdi a capacidade de uma análise escorreita, ou se vejo a realidade com lentes desfocadas ou com valores dinossáuricos que já não encaixam nos tempos actuais ...
Devo ser eu que parei no tempo, estou demasiado velha, enfiada num invólucro que já não se usa, está manifestamente ultrapassado ... já não é assim, vejo tudo ao contrário, estou no fundo armada em parva, ou noutra coisa qualquer que seguramente não encaixa nos conceitos do hoje, nesta sociedade tão "avançada" da inteligência artificial !...

Passo a clarificar melhor o desencanto, a mágoa e a angústia que me tomam, ao menos, nem que os mesmos não passem de meros alívios ou desabafos, até p'ra tentar não me sentir cada vez mais incapaz de viver já por aqui ... neste sítio já de não pertença, de incapacidade de sentir que talvez ainda importe, e não comece a ver-me como um mero empecilho e desagradável presença.
Tenho quatro netos, três já adultos e uma criança.  Os adultos, com vinte e quatro, vinte e um e dezoito anos, tendo vivido sem grande proximidade da figura da avó, sequer da casa dos avós, lá se lembram que os têm !... 
Acho mesmo que a política de convivência adequada e pacífica, é aquela de "amigo não empata amigo" e como tal, o meu estatuto afectivo não passa do meramente institucionalizado pelas relações de sangue.
Assim, pouco sei da vida deles, vê-los é raro e acidental.  Às vezes telefono (eu ), na tentativa de um desbloqueio, em temas nos quais nem sequer me mexo confortavelmente.  Do outro lado, o interesse por uma avó que vive só e com uma idade já tabelada pela classificação sénior, não interessa.  Nunca se verifica uma mera palavra, um mero carinho que até poderia ser postiço, só para ... Mas não, nunca é !
O ónus é apenas meu, na óptica e na análise da mãe que entende que já que eu "não plantei", não "colho" !...
Prefiro não pensar no assunto.  Vivo triste, obviamente, mas como quanto mais se mexe na "m.... " mais mal cheira ... faço de conta que ou eu não existo, ou eles não existem ... Fazer o quê, neste contexto ?!
Um dia que eu parta, garantidamente irão ao funeral !!! Disso, tenho absoluta certeza!!! 😁😁

Depois, há a outra, a que ainda é uma criança, a começar a aprender em que mundo vive, como é que as pessoas se relacionam nesse mundo, as regras da convivência, os códigos familiares e afectivos que as regem.
Toda a vida se ouviu dizer que "de pequenino é que se torce o pepino", e consequentemente é a partir da tenra idade que se interiorizam os bons costumes, os gestos educativos, se aclara quais os deveres mas também os direitos que deverão nortear as nossas vidas para todo o sempre. 
Nada disto colide com o afecto, com a ternura, com o carinho que tanto se precisam nos tempos actuais e que nunca serão demais ou prejudiciais a um crescimento saudável. 
A Teresa já não tem os inocentes três, quatro anos em que quase tudo se permite, em que tudo é engraçado, que nada é maculado por más intenções ou segundos e interesseiros sentidos ...
Não, a Teresa tem oito anos é uma miúda super inteligente, vivaça, com um poder de argumentação fora de série.  Mas também já sabe ser manipuladora das pessoas, tirando partido do amor que lhe devotamos.
Sendo uma filha tardia numa família disfuncional ( pois sendo separados os pais, a miúda tem um figurino de vida algo complexo, acrescendo que o pai, trabalhando no estrangeiro, apenas está em Portugal por períodos intermitentes ), e sendo uma filha desejada pela mãe ao extremo, sabe exactamente quando e onde pode tirar partido pessoal desse figurino. 
A Teresa é um doce de menina. Quando está comigo adoramo-nos mutuamente. Ela reconhece os limites sem dificuldade, sabe até onde pode esticar a corda, é cordata e colaborante.  Nunca precisei colocá-la de castigo, sequer contrariá-la, porque ela percebe que se há regras a cumprir, há regras a cumprir ...
Com isso a nossa convivência é fácil e gratificante.

Com a mãe, ela explora normalmente a realização das suas vontades.  Se está a ver filmes e alguém telefona, a Teresa não se dispõe a atender. Não quer falar e ponto ! 
A mãe não obriga, ou melhor, ainda não conseguiu fazer-lhe perceber que na vida, os gestos de carinho devem ser recíprocos, os afectos deverão ser bilateralmente retribuídos, não existe apenas a Teresa no centro do universo e depois os outros, que normalmente deverão estar disponíveis, interessados e ansiosos por agradá-la.  Não é assim na vida.
Além de roçar o que já poderemos chamar de "má educação", a Teresa tem que perceber que magoa, que as pessoas que a cercam podem magoar-se com esse descaso. E isso, eu acho que ela já tem idade e entendimento para o perceber.  Se damos, gostamos também de ser retribuídos.  Assim deverão ser as relações humanas ... não há apenas direitos, também há deveres entre as pessoas !
E ela entende ... eu sei que ela entende !  Terá que sentir na pele eventualmente, mas a vida aprende-se caindo e levantando !!

E pronto, este post traduz fundamentalmente um mero desabafo face ao desencanto que muitos dias vou sentindo no caminho a percorrer !
À medida que o tempo passa questiono muitas e muitas vezes da oportunidade de ainda ter que caminhá-lo sem GPS, pontos cardeais, ou mesmo uma bússola para me orientar neste deserto sem roteiro, onde me sinto mais e mais perdida  !!!

Anamar