segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

"A PEDRADA NO CHARCO..."


Em 1919 logicamente eu ainda não tinha nascido.
Nasci no Baixo Alentejo e vim com cerca de dois anos para a cidade de Florbela Espanca, Évora. onde viveu embora fosse oriunda de uma vila bem próxima, de que já aqui falei muito.
Lembro-me de em menina vir do colégio com a minha mãe, e ser percurso obrigatório, atravessarmos diariamente o jardim da cidade, e de, portanto, ver numa placa  ajardinada o busto de homenagem à poetisa. Vem daí o meu primeiro contacto com a personalidade e posteriormente com a sua história de vida e os seus poemas.
Descobri na biblioteca do meu pai o seu livro de sonetos, que depois de a conhecer um pouco mais como mulher, para mim, passou a ser uma bandeira ou estandarte, naquele Alentejo redutor e profundo, e a ser  o meu livro de cabeceira, lamentando que ainda hoje publicamente, não se tenha feito no país, justiça à mulher e à poesia, no nosso universo literário...

A minha inspiração está escassa e resolvi hoje, em jeito de uma pobre homenagem, deixar aqui um poema meu, sobreposto à "ALMA PERDIDA", soneto do seu  "Livro das Mágoas" de 1919:

Alma perdida
 
Florbela Espanca





Toda esta noite o rouxinol chorou,
Gemeu, rezou, gritou perdidamente!
Alma de rouxinol, alma da gente,
Tu és, talvez, alguém que se finou!

Tu és, talvez, um sonho que passou,
Que se fundiu na Dor, suavemente...
Talvez sejas a alma, a alma doente
Dalguém que quis amar e nunca amou!

Toda a noite choraste... e eu chorei
Talvez porque, ao ouvir-te, adivinhei
Que ninguém é mais triste do que nós!

Contaste tanta coisa à noite calma,
Que eu pensei que tu eras a minh'alma
       Que chorasse perdida em tua voz!...   
 
1913
         
 
 
(sem título)
 
Eu sinto que em mim ela encarnou 
Embora dela apenas seja a dor,
o regalo,o vazio, a mágoa, o despudor
que ela deixou por cá,a flutuar...
a charneca foi seu berço e seu embalo
as papoilas que a tingiram, o regalo 
de um coração sangrante , a sossobrar...

Era força de mulher em desespero
Era míngua de luar trazendo paz,
a voz do rouxinol e do seu canto,
nada mais foi, que a sua voz
exangue, inerte... morta, incapaz....




Mulher que em vida  não vivias,



por ti o amor só esvoaçou ...
a urze e a murta que colhias 
nem p'ra aquecer teu pobre coração enfim chegou!...
 
2010
 





Anamar 

2 comentários:

Anónimo disse...

OK, muito profundo.
Como estás?

Beij
Maria Romã

anamar disse...

Maria Romã
Obrigada, como sempre....
E o nosso cafézinho?
Estou farta de estar em casa mas também não tenho estaleca para muita gente e barulho, por isso ainda não vos fui ver à noite.
Dá beijinhos a quem ainda se lembrar de mim.
Beijo grande para ti
Anamar