segunda-feira, 17 de outubro de 2016

" EU TORNEI-ME GAIVOTA ... "


O bando dá em passar por aqui, nestes fins de dia.
Quando as luzes do céu já se fecharam, quando o cinzento que se estende até onde a vista alcança prenuncia borrasca pela noite que se avizinha, elas passam pressurosas numa urgência lida, de busca de poiso para a pernoita.
Seguem na mesma direcção ... todas ... muitas, ordenadamente, como quem voa sem dúvidas no itinerário ou sequer no destino a alcançar.
Vão determinadas.  Conhecem o objectivo ... e têm urgência.
Afinal a noite aproxima-se, o mar está longe ... e a tempestade anuncia-se ...

São elas, as gaivotas, sobre quem tanto sempre escrevo.

Olho-as, "sigo-as", projecto-me através delas na liberdade de todo um firmamento por minha conta.
De todo um  mundo sem barreiras ou limites que o definam.
As gaivotas despertam-me desejos do que só adivinho e que está para lá do que alcança a mente humana.
Falam-me das asas que não tenho, transportam-me as saudades que me pesam no coração, levam-me recados sem endereço ou morada ...
São estafetas dos sonhos que me moram na alma.  Falam-me dos horizontes sem horizonte da vontade indomável que me habita ...
E dizem-me do mar, morada eterna de meu repouso e sono.
Dele, contam-me os seus segredos salgados e embalam-me na melopeia das ondas que adivinho num desmantelo ... lá longe !
E mostram-me o vento que lhes despenteia as penas, e sempre me desafiam a partir ... embora eu só as veja por detrás da vidraça que  me torna refém de mim mesma ...
Tenho a certeza que passam aqui p'ra me justificarem a imaginação e o devaneio. Para me acicatarem a vontade... p'ra me confrontarem sem remédio, com as minhas raízes e escoras ao chão que habito ...

E contemplo-as longamente ... melancolicamente ... persigo-as com o olhar, até onde a vista mo permite e me espicaça ...
É uma nostalgia errante a que me aperta aqui por dentro, por vê-las partir ...
É uma orfandade doída, a que me deixam no peito quando me percebo, injustamente, mais só ainda ...

E acabo indo ...
E parto no bando, lado a lado, aprendendo a contornar os golpes de ar, aprendendo a preguiçar na orla das nuvens, aprendendo a brincar nos volteios da ventania, desbravando as estradas do céu, saboreando os salpicos das marés, equilibrando-me  no pico das escarpas altaneiras ... e sendo dona dos areais  infinitos, agora que as praias ficaram vazias ...

De repente eu aprendi um caminho, eu rescrevi a minha história ... eu ganhei asas ... eu tornei-me gaivota !!!

Anamar

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