terça-feira, 30 de maio de 2023

" DA VIDA E DA MEMÓRIA "

 


O dia foi de sol e calor.  Ironicamente, na véspera, terça-feira 23 fizera um tempo agreste, com chuva e trovoada.  Um tempo de recolhimento, diria eu.
Mas a quarta-feira, cinco dias depois que a Emília nos deixara para sempre, a manhã era azul, florida, radiante de luz.  O tempo parecia querer despedir-se dignamente de alguém que fora embora cedo demais. 
O tempo parecia querer prestar as honras devidas a quem, injustamente acabara de nos deixar .

Era um "ser de luz"... Seja isso o que for, sempre assim a recordarei.  Uma mulher que partilhou a sua vida profissional comigo, colegas da mesma escola para mais de trinta anos, embora em áreas programáticas diferentes.  A Emília leccionava História, eu, Física e Química.
Foi uma mulher de conciliação, de concórdia, de humanidade, com uma bonomia estampada no rosto, sempre iluminado, sorridente, feliz. Tinha a doçura de um sorriso para todos, e com todos.
Uma postura que sempre manteve, de educação, de simplicidade, de verticalidade, de isenção, de competência, fez dela uma "senhora", pessoal e profissionalmente reconhecida pelos seus pares e por toda a comunidade  escolar.  
Sendo, como dizíamos, da geração dos professores mais antigos da escola, sempre foi uma figura de referência, uma personalidade consensual.

A Emília nasceu no Brasil, em S.Paulo há setenta e seis anos acabados de completar.  Tendo-se licenciado em História pela Universidade de Coimbra, passou, como professora Coordenadora da Casa da Cultura Portuguesa na Universidade Federal do Ceará, em Fortaleza no nordeste do Brasil, um período da sua vida que sempre, pela forma como o referia, se pressentia ter sido muito feliz, saudoso, e realizado.  
Os colegas e amigos com quem privou então, também o referenciam como "tempos fantásticos, irrepetíveis, de memórias indefectíveis".
Por essas paragens a Emília deixou família e amigos ímpares, a quem uniam laços de cumplicidade,  afecto e uma ternura que transpareciam das suas palavras e recordações.
A cultura brasileira, os seus escritores, poetas e artistas sempre a acompanharam ao longo da vida; a vida social e política da sua terra, nunca foram ignoradas nem a elas foi estranha, em circunstância alguma.
Coimbra, sua referência de juventude, mas também Itália que conhecia profundamente de norte a sul e que amava de coração, Grécia, Turquia e tantos outros destinos que privilegiava nas viagens que realizava, foram marcos na sua vida. 

É fácil elogiar-se quem já partiu ... quem já não existe no nosso plano terreno.  Costuma dizer-se que toda a gente passa a ser de excelência, se já nos tiver deixado.  Infelizmente o ser humano tende a pautar-se dessa forma na avaliação dos que já não têm voz...
Em nada disso a Emília se enquadra.  Por mérito, valor, prestação de vida, partilha, sentido de justiça ... humanidade, mas também humildade, disponibilidade e amor ao seu semelhante, fizeram dela um ser GRANDE ... e por tudo isso é da mais elementar justiça e não mais, que eu aqui lhe devote o meu profundo reconhecimento, a minha gratidão e reitere o privilégio que tive, por ter sido merecedora da sua amizade em vida, e pelo legado deixado pela sua memória !...

Até sempre Emília !  Talvez por aí nos voltemos a cruzar.  Até lá, descansa em paz !!!

Anamar

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