E as águas começaram a subir ...
Vivo só, às vezes gosto, outras não gosto. Não tenho uma forma de ser fácil, penso que ao longo dos anos e dos diversos formatos que a minha vida foi assumindo, me tornei demasiado eremita, talvez arrogante, talvez autoritária.
Em tempos idos, quando a família das quatro pessoas coabitavam, o meu ex-marido apelidava-me a brincar, de "dama de ferro", epíteto que vinha dos tempos da Margaret Thatcher, significando com isso a rigidez e talvez a intolerância perante pequenos desvios, formas de fazer as coisas, enfim ... características de quem vive em comunidade. Talvez prepotência ... seria ??!!
Hoje, e porque fisicamente já estou só há cerca de vinte anos, porque a idade avançou e porque não devo satisfações objectivas a ninguém, aprimorei as manias, as posturas, os desígnios do dia a dia, com requintes de malvadez ... 😁😁
Dito de outra forma, cada vez me sinto menos "disponível" para muitas coisas. Não abdico fácil, não me sujeito a decisões "extra-muros" quase nunca ... enfim, estou a tornar-me "pouco recomendável" 😀😀, um lobo demasiado solitário aqui no meu reduto, pouco maleável e disposta.
Devo dizer, que na verdade não gosto muito da "imagem" interior que o espelho me vai devolvendo, diariamente. Não é louvável e até acho que provavelmente esta auto-ostracização não me fará nenhum bem, mesmo à saúde física.
Cada vez convivo menos, cada vez me refugio mais em casa, como se ela fosse o ninho onde me sinto realmente abrigada, como se fosse um bunker de refúgio e de defesa ... da vida.
Cada vez me escasseia mais a paciência para ouvir os outros, não atendo telefones frequentemente, adio ou recuso convites maçantes, ainda que culturalmente aplaudidos por gente normal ... sim, porque começo a duvidar da minha sanidade mental ...
Olhando atrás, as voltas e cambalhotas que pautaram a minha existência, tornaram-me, creio, execrável. O tipo de pessoa que ninguém tem obrigação de aturar ou pelo menos de entender.
Sou feliz ? Não. Sou profundamente infeliz, perdida e confusa num vórtice existencial que não sei onde começa nem onde termina. Vivo labirinticamente, extenuada sem sair do mesmo sítio, enferma dum cansaço interior e de um desinteresse por tudo e todos.
Vivo com dois gatos, tão silenciosos quanto eu. Gosto de sentir pelas noites de desconforto, o contacto físico do que se aninha na minha cama, nas curvas do meu corpo. É um calor de aconchego, uma espécie de carinho através dos cobertores.
Oiço Enya e vejo o cinzento lá fora, enquanto o vento desabrido sibila pelos interstícios mal vedados das janelas.
Enya vive, ao que parece, no país dela, a Irlanda, que não conheço, só, num castelo, acompanhada por gatos. Imagino uma colónia de gatos, o verde contornante, o mar bravio, o vento a soprar nas ramagens... e paz, muita paz !...
Sei lá se será assim... isto sou eu a imaginar ... mas invejo-a...
Ultimamente retornei às fotos, de lugares que conheci, de viagens que fiz ... Invariavelmente a natureza está presente. Não aprecio fotos com pessoas. Acho que "poluem" os cenários ...
Os lugares transportam-me lá, e carregam consigo as memórias, os sons, os cheiros, os silêncios, as palavras ditas ou recordadas, as cores e tudo, tudo aquilo que preencheu momentos felizes, lá longe, noutro pedacinho de mundo ...
Lembro a subida das águas em dois momentos marcantes. A Amazónia, exactamente há dez anos, naquele nascer de sol em que os lilases foram dando lugar aos róseos como se um candeeiro fosse acendendo o céu, até que o fogaréu alaranjado irrompesse no silêncio do chocalhar das águas mansas ...
Lembro a chegada das águas, no passado ano de 2024 espraiando-se pelo deserto do Kalahari, vindas dos planaltos de Angola e transportando consigo a vida que todas as espécies aguardam, ano após ano, pululando naquele fantástico delta do Okavango ...
Visto do céu, o Okavango rendilha em braços, enche charcos, inunda a planura onde os animais retomam a felicidade da frescura, naquele tórrido inferno do calor africano ...
E é como se revivesse tudo aquilo. E é como se lá voltasse, se lá estivesse, eu, e mais ninguém ...
Estarei doente ??
Não, não é uma interrogação ! Estou doente, sim. Sinto-me profundamente doente, acuada no desinteresse de nada me interessar ...
Cansada, desenquadrada, como numa matemática de exercícios sem solução ...
Desculpem este "tudo ou nada", mais nada que tudo ... sobra-me o papel, e às vezes, necessidade de escrever ...
Anamar
1 comentário:
Eis a Margarida que conheci, no seu melhor.
Voltaste às fotografias, pergunto alguma vez as abandonaste ?
Quantos milhares existem ?
E aos poemas, do qual tiveste um prémio e até um livro editado.
Aos gatos?
Que eu saiba, só uma gata não se adaptou a ti e foi adoptada.
Com este tempo infernal de tempestade em tempestade e com os incidentes recentes, felizmente com bom final, é perfeitamente normal, que pessoas normais como tu és, não apreciem andar na rua.
Quando voltar o sol e o bom tempo, voltarás a viajar.
Jonas
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