quinta-feira, 30 de outubro de 2025

" INEVITÁVEIS REFLEXÕES "

        


A vida é realmente muito complicada ! O ser humano é um emaranhado de vectores endógenos e exógenos, numa construção labiríntica quase sempre duma complexidade inalcançável, ininteligível e dificilmente reescrita ou corrigível.

Quando se forma uma família, cria-se, ao longo dos tempos, uma célula particular com regras próprias, definidoras daquilo que entendemos como o mais adequado, perfeito, equilibrado, que tomamos como o mais correcto e sensato.
Fazemo-lo no pressuposto de que estamos a percorrer o melhor caminho, o melhor que conseguimos e que tomamos como o certo e menos penalizante possível, de acordo com as ferramentas de que dispomos, dentro do contexto em que nos inserimos.
Cada família tem uma realidade própria e joga com muitas pedras no mesmo tabuleiro de xadrês.
À partida, os construtores da mesma, agirão com valores, princípios, convicções, por forma a que se forme algo harmonioso de que sempre nos possamos orgulhar e que valha a pena passar adiante, perpetuar no tempo.
Embora diferentes uns dos outros, embora com as suas idiossincrasias próprias, ninguém quererá intencionalmente prejudicar ninguém, denegrir ninguém, lesar ninguém, menos ainda ferir quem tenha sensibilidades diferentes, porque o respeito e a tolerância são vectores intocáveis.  
Nas famílias há disparidades normais e saudáveis, há diferenças óbvias, formas de estar e pensar diversas, mas quando há que "reunir as tropas" em prole de um qualquer elemento dessa família, a mesma funciona como um bloco que se auto-protege, se estima e valoriza, e seguramente  a inveja, o ciúme  e menos  ainda o ódio, lá  encontrarão  terreno p'ra grassar ...
Porque o bem de um, sê-lo-ia de todos e o sofrimento de um também pesará em todos os corações !

De acordo com a terminologia actual, essa será seguramente uma família "funcional", porque depois, nos tempos actuais não será seguramente esse, o padrão que ganha em maioria ..
Bem ao contrário parece haver sim uma sanha destruidora daquele equilíbrio, e estatisticamente quase me atrevo a dizer que são as famílias "disfuncionais" as que predominam numa sociedade doente, louca  e ferida de morte.
São irmãos que se hostilizam, detestam e quase odeiam, são filhos que questionam a educação e formação que receberam dos pais e as questionam em permanência, chegando ao ponto de além de extinguirem o diálogo entre si, cortarem mesmo a relação entre as pessoas... são casais desavindos com crianças no meio da linha de fogo, há ódios viscerais de estimação que parecem ter o requinte de se aprimorarem exponencialmente, cavando fossos que se tornam intransponíveis por mais que se tente chamar as pessoas à razão e ao diálogo ...

E no meio desta realidade faz-se o quê ?  É a sociedade que está podre? É o comodismo e o desinvestimento dos que deveriam ser os interessados que não abre portas, caminhos, luzes ?...

E a vida tão curta !!! E os momentos a fazerem-se e a desperdiçarem-se !!! 
E a impotência, a raiva, a mágoa e a dor, neste diálogo de surdos a baixar, a destruir e a corroer-nos por dentro ... até quando ??? Com a morte ali tão perto, a espreitar-nos no dobrar desta esquina ...

Restará alguma coisa ?? 
Conclusões que só se tirarão depois ... quando já não vale a pena, quando hipotecámos os sentimentos, corremos o ferrolho do coração e amordaçámos na garganta o que nunca fomos capazes de dizer ...
... e afinal, chegámos sem nada, digladiámo-nos para termos tudo ... e vamos embora de novo sem nada !!!...

Anamar 

terça-feira, 21 de outubro de 2025

" OUTRA VEZ OUTUBRO ... "



O dia amanheceu cinzento, chuvoso, bem outonal, como aliás vinha sendo previsto pela meteorologia.
Está um dia de semblante aconchegante, sobretudo pra quem não precisa ir para a rua, que é o meu caso.
Já Pessoa dizia que "um dia de chuva é tão belo quanto um dia de sol. Ambos existem; cada um como é "
E concordo totalmente porque embora eu seja uma incondicional "prisioneira" emocional do sol, o intimismo que hoje se sente lá fora, cria aqui dentro uma sensação inegável de ninho, o que nos ampara e embala a alma.

Porque raio tendo eu a começar tudo o que escrevo, a situacionar o meu discurso, nas condições atmosférica que me cercam ?!... Isso deve significar que elas são determinantes ao meu eu interior ... e porque o serão?? Talvez um bom psicólogo o soubesse explicar.
As minhas filhas riem e dizem : "Lá estás tu... se chove, se faz sol, se se aproxima uma tempestade ... se vai estar um mar de rosas ... nunca vi ninguém assim !"
Vou até confidenciar um pormenor que não lembraria ao diabo mais velho ... algo verdadeiramente caricatural ... mas real... o que posso fazer ?! 
Tenho viajado ao longo dos tempos quando, e se posso.  Sinto-me sempre uma itinerante que leva a vida a desenhar roteiros, lugares, terras, gentes, costumes, inacabáveis... visando sempre uma próxima viagem. E claro, achando que vou morrer tendo-me sobrado o mundo inteiro por conhecer ... E como o lamento !!! 
Pois bem... a propósito do sol, que quase sempre persigo,  como referi, cheguei a marcar muitas viagens de avião, pensando nos parâmetros de geolocalização da rota, e a marcar o lugar ( que é sempre junto à janela ), por forma a sentar-me do lado em que o sol me inunde, quer na ida, quer na vinda, se o percurso for obviamente diurno ... Ah, ah, ah ... já é coisa de doidos !!! 😕😏

Bom, mas já estou a afastar-me daquilo que efectivamente era o tema deste meu escrito .

Faz amanhã exactamente um ano, que a minha vida tomou um rumo inesperado, terrível, para o qual eu não estava nem de longe nem de perto, preparada.  Um soco no estômago, um gelo que me desceu às entranhas, um terror profundo que me tolheu, no teor do telefonema que recebi pelas dez da manhã.
Do outro lado, a minha filha mais nova, com quarenta e seis anos à altura, chorava e dizia-me entrecortadamente : "Mãe, tenho um nódulo na mama e há fortes suspeitas que possa vir a ser grave"

Exames de rotina, que no caso dela haviam sido feitos há pouco mais de um ano, cuidadosa que é, até porque profissionalmente está na área da saúde, apanharam, assim, do nada, na maior imprevisibilidade possível, uma situação que paralisa, desde logo momentâneamente, a vida de qualquer um.
Eu acho que numa fracção de segundos desfilam à nossa frente, hipóteses, medos assombrosos, dúvidas, mas também sonhos que parecem desfazer-se, esperança e talvez, imagino eu, aquela pergunta que revolta, mas que inevitavelmente nos cai frente aos olhos :"Porquê eu, se nem sequer existe um historial familiar que pudesse indiciar, um dia, quem sabe, a prevalência da possibilidade do surgimento deste fantasma ?"
Parece, mais que uma partida do destino, uma facada à má fila, feita cobardemente pelas costas, silenciosa e sádica ...

O dia 22 de Outubro de 2024, num Outubro Rosa, inesquecível para mim, mudou-me definitivamente por dentro. A minha vida nunca mais foi ou poderá ser a mesma. 
"Quem é doente oncológico, sê-lo-á enquanto viver ", afirmam os especialistas, os cientistas, todos os que dedicam à exaustão, as suas vidas a tentar uma escapatória, uma saída, uma cura ...
Abordo o menos insistentemente que consigo, com a minha filha, informações, esclarecimentos, dum tema que pra mim se tornou quase tabu, pelo medo com que me assola.
Vivo pendurada de datas de exames, que peço ela me informe e bem assim os respectivos resultados, vivo de "lupa" na mão sobre qualquer sintoma que, claro, logo tomo como suspeito disto e daquilo.
"Estás cansada ? Estás demasiado magra !  Dói-te alguma coisa em especial ?"

Sei que no interior dela também existe um looping de inquietações, de medos, de ansiedades e inquietudes.  Sei que existem, mas ambas somos parcimoniosas com o tema.
Por cima da minha cabeça, existe, em equilíbrio precário, uma espada ... e que cada dia, ou cada resultado tranquilizante, é uma vitória, é uma esperança que se volta a abrir, é o ar que consigo inspirar em maior profundidade ... 
Penso que ambas sentimos uma urgência maior em valorizar os períodos de acalmia, ambas parecemos, sobretudo ela, sorver cada momento, usufruir cada situação, cada experiência, cada dia de vida, com pressa, como se fossem precários e como se de um momento para o outro, esse período de abençoada paz possa terminar ... 

Adormeço por cada dia com tudo isto ... amanheço por cada dia com tudo isto !
A angústia e a insegurança vivem comigo, habitam em mim !...

Não sou nem mais nem menos do que milhões de outras pessoas, que talvez apenas não exteriorizem aquilo que sinto.
Resolvi hoje falar disto, convosco, partilhar talvez com outros, sentires iguais ao meu ... Talvez alivie um pouco !

Que Outubro, tantas e tantas vezes tão negro, possa tornar-se na vida de cada mulher num auspicioso e verdadeiro Outubro Rosa ... Esse, é o meu mais íntimo desejo para o resto dos meus dias por aqui !...

Anamar

quarta-feira, 15 de outubro de 2025

" SINAL DOS TEMPOS ... "

 


Não sei muito bem por onde pegue neste amontoado de ideias, sensações, convicções ... e dúvidas, quilos de dúvidas que me assaltam o espírito.
Prevejo portanto que este meu post venha a ser um molho de brócolos, ao sabor do caos que me atormenta.

Hoje em dia a Psicologia, a Psicanálise, as linhas de ajuda, os livros que mexem e remexem nos nossos interiores, encabeçam a turbulência que nos arrasta num vórtice louco que chega a deixar-nos tontos.
A sociedade em que vivemos está doente, lembra-me aliás um mar tormentoso onde esbracejamos em desespero de encontrar fios condutores, uma bóia, uma âncora, um norte, uma bússola ... um farol !
As gerações sucedem-se, mas entre a minha e a imediatamente a seguir ( não preciso sequer de cavar nenhum fosso temporal mais extenso ), tudo mudou.  Os valores já não são os mesmos, sequer a validação de muitos deles já tem justificação, a correria é insana e o tempo para "viver", viver mesmo, com leveza, qualidade e sem fantasmas, parece inexistente.
Grande número de famílias é totalmente disfuncional, as pessoas ligaram-se vá-se lá saber porquê, no meio há crianças quase em roda livre, em esquemas parentais perfeitamente alucinantes.
Há patologias objectivamente instaladas, mercê das angústias, das preocupações, das dificuldades que se vivem diariamente, há medos objectivamente experienciados face à insegurança do dia a dia de cada um, mas depois há também, ( convicçção minha ) toda uma profusão exacerbada de sintomatologias que parecem criadas para "vender".

Poderei estar a proferir uma enormidade.  Seguramente estarei. Mas sou absolutamente céptica a uma demonização criada em torno de situações que ao longo de toda a minha vida foram aceites como naturais, e que hoje são tomadas como indiciadoras de comportamentos preocupantemente desviantes.
Explico melhor :  na minha infância sempre houve crianças mais mexidas, mais endiabradas, mais inquietas.  Questões personalísticas, formas de ser, às vezes linhas genéticas a manifestarem-se.
Até aqui, nada de novo, sempre as houve, azar dos pais que tinham que aguentar aqueles diabretezinhos!
O tempo resolveria ... e resolvia, quase sempre.
Hoje em dia, essa desconcentração, esse reboliço, esse quadro de "bichos carpinteiros " à solta, já é sintomatologia de uma patologia desviante a nível de desenvolvimento mental e cognitivo que eventualmente poderia ter sido diagnosticada já quando a criança tivesse 2 ou 3 anos ... já é hiperactividade e défice de atenção, uma patologia associada a um neurodesenvolvimento de avaliação subestimada.
E aí temos nós, pais angustiados, pais que voam de imediato para psicólogos, porque estão perdidos na orientação a tomar ...

De igual forma, as diferentes fases que as crianças atravessam, a teimosia, a negação e outras, são encaradas pelos progenitores carregando sobre si uma culpabilização sem precedentes .  
Não agiram bem, gritaram com os "anjinhos" quando ao fim de um dia esgotante de trabalho, não se policiaram devidamente nas atitudes a tomar, disseram o que não deveriam ter dito, agiram como é errado agir naquelas circunstâncias, discutiram entre si na presença dos filhos, devendo mesmo vir a pedir-lhes desculpas por o terem feito, traumatizaram para todo o sempre aqueles a quem têm que "bombeirar" vinte e quatro sobre vinte e quatro horas por dia ... etc, etc.
Se não, ter-se-á que recorrer ao psicólogo pra definir orientações, perdidos que estão os progenitores ...

Tenho pena das actuais gerações.  Acho que lhes estão a pedir uma prestação de "deuses" e não de pais !
Trabalham de manhã à noite para garantir muitas vezes a subsistência, levam e trazem os filhos para as escolas e posteriormente para as actividades extra-curriculares ( porque são absolutamente "imprescindíveis" ), fazem compras, programam as vidas, monitorizam os trabalhos a serem feitos em casa, têm e devem estar absolutamente "bem", em qualquer situação ... 
Terão tempo para respirar ... pergunto???

Considero que as consequências e a disrupção que estes distúrbios podem causar diariamente na vida das pessoas, deverão ser relativizadas para que sejam evitados sobre-diagnósticos e uma medicalização excessiva para questões que de patológico nada têm ...

Anamar