terça-feira, 21 de outubro de 2025

" OUTRA VEZ OUTUBRO ... "



O dia amanheceu cinzento, chuvoso, bem outonal, como aliás vinha sendo previsto pela meteorologia.
Está um dia de semblante aconchegante, sobretudo pra quem não precisa ir para a rua, que é o meu caso.
Já Pessoa dizia que "um dia de chuva é tão belo quanto um dia de sol. Ambos existem; cada um como é "
E concordo totalmente porque embora eu seja uma incondicional "prisioneira" emocional do sol, o intimismo que hoje se sente lá fora, cria aqui dentro uma sensação inegável de ninho, o que nos ampara e embala a alma.

Porque raio tendo eu a começar tudo o que escrevo, a situacionar o meu discurso, nas condições atmosférica que me cercam ?!... Isso deve significar que elas são determinantes ao meu eu interior ... e porque o serão?? Talvez um bom psicólogo o soubesse explicar.
As minhas filhas riem e dizem : "Lá estás tu... se chove, se faz sol, se se aproxima uma tempestade ... se vai estar um mar de rosas ... nunca vi ninguém assim !"
Vou até confidenciar um pormenor que não lembraria ao diabo mais velho ... algo verdadeiramente caricatural ... mas real... o que posso fazer ?! 
Tenho viajado ao longo dos tempos quando, e se posso.  Sinto-me sempre uma itinerante que leva a vida a desenhar roteiros, lugares, terras, gentes, costumes, inacabáveis... visando sempre uma próxima viagem. E claro, achando que vou morrer tendo-me sobrado o mundo inteiro por conhecer ... E como o lamento !!! 
Pois bem... a propósito do sol, que quase sempre persigo,  como referi, cheguei a marcar muitas viagens de avião, pensando nos parâmetros de geolocalização da rota, e a marcar o lugar ( que é sempre junto à janela ), por forma a sentar-me do lado em que o sol me inunde, quer na ida, quer na vinda, se o percurso for obviamente diurno ... Ah, ah, ah ... já é coisa de doidos !!! 😕😏

Bom, mas já estou a afastar-me daquilo que efectivamente era o tema deste meu escrito .

Faz amanhã exactamente um ano, que a minha vida tomou um rumo inesperado, terrível, para o qual eu não estava nem de longe nem de perto, preparada.  Um soco no estômago, um gelo que me desceu às entranhas, um terror profundo que me tolheu, no teor do telefonema que recebi pelas dez da manhã.
Do outro lado, a minha filha mais nova, com quarenta e seis anos à altura, chorava e dizia-me entrecortadamente : "Mãe, tenho um nódulo na mama e há fortes suspeitas que possa vir a ser grave"

Exames de rotina, que no caso dela haviam sido feitos há pouco mais de um ano, cuidadosa que é, até porque profissionalmente está na área da saúde, apanharam, assim, do nada, na maior imprevisibilidade possível, uma situação que paralisa, desde logo momentâneamente, a vida de qualquer um.
Eu acho que numa fracção de segundos desfilam à nossa frente, hipóteses, medos assombrosos, dúvidas, mas também sonhos que parecem desfazer-se, esperança e talvez, imagino eu, aquela pergunta que revolta, mas que inevitavelmente nos cai frente aos olhos :"Porquê eu, se nem sequer existe um historial familiar que pudesse indiciar, um dia, quem sabe, a prevalência da possibilidade do surgimento deste fantasma ?"
Parece, mais que uma partida do destino, uma facada à má fila, feita cobardemente pelas costas, silenciosa e sádica ...

O dia 22 de Outubro de 2024, num Outubro Rosa, inesquecível para mim, mudou-me definitivamente por dentro. A minha vida nunca mais foi ou poderá ser a mesma. 
"Quem é doente oncológico, sê-lo-á enquanto viver ", afirmam os especialistas, os cientistas, todos os que dedicam à exaustão, as suas vidas a tentar uma escapatória, uma saída, uma cura ...
Abordo o menos insistentemente que consigo, com a minha filha, informações, esclarecimentos, dum tema que pra mim se tornou quase tabu, pelo medo com que me assola.
Vivo pendurada de datas de exames, que peço ela me informe e bem assim os respectivos resultados, vivo de "lupa" na mão sobre qualquer sintoma que, claro, logo tomo como suspeito disto e daquilo.
"Estás cansada ? Estás demasiado magra !  Dói-te alguma coisa em especial ?"

Sei que no interior dela também existe um looping de inquietações, de medos, de ansiedades e inquietudes.  Sei que existem, mas ambas somos parcimoniosas com o tema.
Por cima da minha cabeça, existe, em equilíbrio precário, uma espada ... e que cada dia, ou cada resultado tranquilizante, é uma vitória, é uma esperança que se volta a abrir, é o ar que consigo inspirar em maior profundidade ... 
Penso que ambas sentimos uma urgência maior em valorizar os períodos de acalmia, ambas parecemos, sobretudo ela, sorver cada momento, usufruir cada situação, cada experiência, cada dia de vida, com pressa, como se fossem precários e como se de um momento para o outro, esse período de abençoada paz possa terminar ... 

Adormeço por cada dia com tudo isto ... amanheço por cada dia com tudo isto !
A angústia e a insegurança vivem comigo, habitam em mim !...

Não sou nem mais nem menos do que milhões de outras pessoas, que talvez apenas não exteriorizem aquilo que sinto.
Resolvi hoje falar disto, convosco, partilhar talvez com outros, sentires iguais ao meu ... Talvez alivie um pouco !

Que Outubro, tantas e tantas vezes tão negro, possa tornar-se na vida de cada mulher num auspicioso e verdadeiro Outubro Rosa ... Esse, é o meu mais íntimo desejo para o resto dos meus dias por aqui !...

Anamar

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