"Santa Bárbara bendita, que no céu está escrita e na Terra iluminada, quantos anjos há no céu, protejam as nossas almas"... ou " Santa Bárbara afastai a trovoada para onde não haja eira nem beira, nem raminho de oliveira, nem fiapinho de lã, nem alminha cristã " ... ou ainda " abrem montes, se abrirão ... oh Virgem Pura amparai-nos, salvai-nos Senhor São Manuel, salvai-nos Senhor, salvai-nos !"...
Sendo que este Sr. São Manuel, não sei bem porque é para aqui chamado, já que pesquisei o mais que pude mas não me elucidei sobre os seus poderes divinos.
O que garanto é que quando "a coisa estava preta", ou seja, quando o céu se encrespava com uma negritude assustadora, as nuvens tormentosas e carregadas já vinham em nossa direção, tudo se irava lá por cima e os primeiros trovões ainda distantes já ribombavam no firmamento, a minha mãe começava com estas ladainhas, paralisava de medo e as orações eram a salvação que se lhe afigurava no momento em apreço.
E porque fui eu buscar a Sta. Bárbara e restantes ajudantes, neste momento ?
Pois bem, nunca vi a minha mãe fugir de casa de avental, ou como estivesse, me agarrasse pela mão, nos meus sete ou oito anos, e debandasse avenida acima, em busca do arrego de companhia para atravessar o pavor que sentia. Era Junho, S. João em Évora, época de feira da cidade, a canícula que se sentia, impiedosa e as benditas trovoadas, "secas" como se dizia, isto é, sem alívio de um pingo de chuva que aligeirasse a ameaça, sempre carregavam na cidade.
E lá fomos... ela tartamudeando as ladainhas de Sta.Bárbara.
Lembro como se fosse hoje, estou-me a "ver", estou a "ver-nos", a caminho da casa da Sra. D.Maria Capucho, a vizinha salvadora naquele aperto !
São tão engraçados estes mecanismos mentais do ser humano !...
Quase todas as noites sonho com a minha mãe. Quase todos os dias a refiro, a propósito disto ou daquilo ...
Esta noite ela andou mesmo por aqui, invocando a Sta. Bárbara a pedido meu, que não sou católica nem nada.
Estivemos, estamos e vamos continuar a estar, meteorologicamente vítimas de um evento atmosférico assustador. Chuva forte, ventos igualmente de consequências imprevisíveis e trovoadas, haviam sido o aviso do IPMA a partir da noite de ontem.
Eu vivo num sétimo andar, meio desacompanhado de outros prédios, a marquise do meu vizinho paredes meias, já voou totalmente, neste ano que passou, e eu vivo uma penitência quando as intempéries complicam. Sinto-me apavorada, coloco o olho clínico para antever de que lado sopra a borrasca, vou à frente, venho atrás, desço praticamente duma forma integral, as persianas, mas não sossego.
As alterações climáticas cada vez mais imprevisíveis acentuam-se de ano para ano ( a tudo isso assistimos por imagens televisivas devastadoras, noutros países ), e eu, não tenho mais paz no coração !
Ontem, até à hora de desligar a luz e me desligar a mim e aos gatos para dormir, tudo parecia calmíssimo, apesar do céu algo carregado. Mas pensei ... "uma vez mais aqueles tipos meteram água ! Na ! ... A superfície frontal buscou um novo rumo !"
E fui dormir.
Eram exatamente 3,33 h da madrugada ( acho sempre piada à tendência que tenho para olhar para o relógio luminoso da cabeceira da cama, e demasiadas vezes encontrar coincidências sequenciais dos mesmos algarismos - ainda hei-de decifrar este inexplicável acontecimento ... ), levantei-me, resolvi o que tinha a resolver e remeti-me de novo ao édredon, onde o Jonas que não se mexera, continuava a dormir.
Convém explicar que faço tudo isto às escuras ... O caminho é meu muito conhecido !
No quarto, a janela que é muito grande, divide-se em duas, digamos. Numa delas eu, diariamente, desço totalmente a persiana. Na outra, exatamente a que está em frente a este lugar onde estou a escrever, fica diariamente um bom pedaço com a persiana subida, pois gosto de aqui estar e ter paisagem diante de mim, sendo que não estou para ter o trabalho diário do sobe e desce da mesma.
Daí a pouco, apesar de ter os olhos fechados e não estando ainda de novo nos braços de Morfeu, comecei a sentir uns fogachos de luz que piscavam ininterruptamente, e me acendiam e apagavam o quarto. Sabem aquela sensação que se consegue detectar apesar dos olhos não estarem abertos ? Pois é ... era como se as luzes de uma árvore de Natal acendessem e apagassem sem parar.
"Que raio ?! O que é que deixei ligado ?!"- pensei.
No quarto há sempre luzinhas de presença que conheço bem, afinal o quarto é meio sala e escritório, além de dormitório. São luzes do computador, da aparelhagem musical, do modem, da televisão, enfim ... todas minhas habituais conhecidas !
Agora aquelas que me invadiam e iluminavam desbragadamente todo o espaço, é que não !
Comecei então, quase de imediato a ouvir a batida da chuva fortíssima, do vento ameaçador e o ribombar dos trovões.
Saltei da cama e vim à cozinha cujos vidros não têm protecção contra a luz exterior, e o que vi, deixou-me alucinada !
Todo o céu era uma massa espessa, carregada, como uma abóboda uniforme, faíscando, iluminando-se ininterruptamente, de todos os lados. Eu nunca havia visto nada assim. Normalmente os raios desenham fantasmagoricamente o céu, percorrem-no quase sempre em direção à Terra, ao que se segue o estrépito mais ou menos demorado do trovão. Pois nada disto era o espetáculo assustador que eu tinha perante os meus olhos. As frentes donde dimanavam os relâmpagos eram várias, em torno do meu horizonte visual, um "fogo de artifício" infernal ... era um céu a explodir de todos os lados, numa visão apocalíptica indescritível !
Foi então que a ladaínha da minha mãe me assaltou o espírito ... "Sta.Bárbara bendita ... Sr. S.Manuel, ( seja lá quem tenha sido ), salvai-nos Senhor, salvai-nos !" ...
Eu, que até sou agnóstica ... 😞😞
Anamar

1 comentário:
Agnóstica dirás, pouco crente diria eu. Mas sim as religiões são criações humanas, concordo !
Excelente descrição, como habitualmente de um fenômeno pouco habitual e também aterrador.
Aqui neste Alentejo profundo, não teve nem de perto a dimensão do que aconteceu na região de Lisboa, foi mais um temporal normal.
Jonas
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