Limpei hoje a jarra de flores com o ramo que os meus netos me ofereceram há praticamente um mês.
Mudara-lhe a água umas duas vezes, no sentido de manter a saúde daquele bouquet de margaridas amarelas e brancas, com vivaz a compor.
Adoro margaridas, pela singeleza e despretensão, mais ainda se forem amarelas e brancas. Foi o caso. Pretendiam festejar o meu aniversário, este ano particularmente referenciável, não só pelo número, mas pelo cúmulo de circunstâncias ocorridas na minha vida nos últimos tempos, que tornaram a data mais sensível e sentida.
Olhei para as flores, agora já meio murchas, olhei para o dia lá fora, ameaçador, climatericamente. Nuvens encasteladas e bem escuras anunciavam o previsível ... mau tempo.
Lá estou eu a falar como sempre, no tempo que faz, na imagem que esta minha janela me dá, no espaço amplo, quase sem horizonte que o limite. Ainda gostava de interpretar esta minha necessidade de parecer querer escudar-me no bom ou mau tempo, no sol ou na chuva, na intempérie ou tempo de feição, como se quisesse justificar o meu desalento ou a minha bonomia, com a natureza que me envolve, com as suas marés altas ou baixas...
Entretanto estou a ler um livro que me está a fascinar, coisa que há tempos não me acontecia, pelo menos na área da leitura. "A breve vida das flores" de Valérie Perrin, é uma história muito bem urdida, uma narrativa originalmente fora do comum que me está a deixar agarrada a cada capítulo.
A história gira "grosso modo" em torno duma personagem invulgar, num ambiente também inédito, um cemitério e a guarda do mesmo, uma mulher com uma vida profundamente sofrida.
Violette, a protagonista que vive dentro de um espaço que poderíamos considerar mórbido, faz do mesmo um ambiente que cativa e prende quem lê a história, porque dada a sua dedicação e amor ao que faz, transforma um espaço de morte, num espaço de vida, com identidade própria, vivida e criada à custa das histórias dos "seus" mortos e do jardim em que o seu desvelo consegue tornar o que verdadeiramente seria uma ambiência lúgubre e doída.
Desde as flores que alindam as campas, à pequena horta que ela criou e cuida, nas traseiras da sua casa, há toda uma ternura e uma afeição perscrutada e familiar.
Violette, relaciona-se melhor, atrever-me-ia a dizer, com o mundo dos que partiram do que com o mundo real em que vive ...
Talvez a finitude daquele bouquet de flores que tanto significado teve para mim, talvez a finitude particularmente rápida dos dias, sobretudo quando nos assomam escuros e tempestuosos, talvez afinal a finitude do ser humano, façam na minha mente um mix de mágoa cinzenta e informe que me contagia e desmantela devagarzinho por dentro.
Ultimamente sou muito, mas mesmo muito assaltada por um espírito insalubre de morte anunciada. Parece que a sinto, parece que a adivinho, parece que ela me condiciona e me paralisa, e com isso desce em mim um imobilismo, um desinteresse e uma desaposta em quase tudo, como o que sentimos olhando o relógio e constatando que a programação que havíamos feito já não tem tempo útil, hoje, para se cumprir ...
Talvez amanhã, talvez um destes dias, quem sabe ...
Deve ser o isolamento ! Ou simplesmente talvez eu esteja realmente doente ... outra vez !
Anamar

1 comentário:
Estimada Margarida, és uma mulher de carácter forte, sensata, independente criaste uma descendência de méritos, que se tem destacado nas suas áreas.
Tens os genes desse povo resiliente e admirável que é o Alentejano. És sensível, amiga do seu amigo. Como todas as pessoas tens momentos altos e baixos. Lembra a seguir ao Inverno vem sempre a Primavera. Portanto FORÇA. Bj. Jonas
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