sábado, 24 de setembro de 2011

"DEDO EM RISTE"

No meio do turbilhão de notícias preocupantes e desagradáveis com que os jornais nos presenteiam diariamente, e que infelizmente traduzem a realidade do país, europeia e mundial, fui um destes dias confrontada com uma que me arrepiou particularmente e que me arrepia até hoje...

Ocorreu há poucos dias, numa estação de comboio da linha de Cascais, Paço de Arcos ou outra.
Dois irmãos, 57 e 53 anos, jogaram-se para a frente duma composição, almejando assim encontrar paz para um sofrimento que não suportavam mais, segundo carta deixada e encontrada no bolso de uma das vítimas.

Ambos haviam tido uma vida normal, ao que parece, ele com uma profissão suponho que ligada à informática, ela, doméstica, a cuidar de uma mãe idosa, em cuja casa viviam.
A mãe faleceu e o direito ao arrendamento terá sido perdido.
Sem outros recursos, de um dia para o outro, encontraram-se a dividir com os sem-abrigo da cidade, os espaços da noite de Lisboa.

Não sei por quanto tempo por lá terão andado (a notícia não veicula) ;  nunca se encaixaram contudo, no puzzle de sofrimento, infelicidade, precariedade, dos que partilham esta "nódoa social"...
A tristeza, a desistência, a solidão, o cansaço, uma amargura crescente numa incapacidade de luta para reverter a situação, foi-se acentuando com o cair das forças de dia para dia, e de um dia para o outro, a sua luz ao "fundo do túnel", foi a frente de um comboio da linha...

Talvez eles tenham alcançado a paz, mas certamente a tiraram aos corações e às mentes que leram a notícia...
Notícia, como convém, divulgada em letras discretas, no interior do jornal, contra tantas outras, cabotinas, irrelevantes, que enchem as primeiras páginas de trivialidades quantas vezes insultuosas a um espírito minimamente clarividente e isento, de um qualquer cidadão...
Seguramente uma notícia que não é mais que um dedo em riste apontado à sociedade em geral, às estruturas sociais deste país, aos políticos, aos governantes...

Privilegiar uma política com preocupações sociais, foi também bandeira do governo de Pedro Passos Coelho, quando a realidade ainda era esperança...
Só que estas duas "testemunhas" silenciosas, não passam de pontas de um emaranhado de muitas outras, infelizmente exactamente iguais... de pessoas que padecem em silêncio (quantas vezes) dos mesmos males (apenas ainda têm alguma força para lutar), e representam  também a preocupação de todos nós na instabilidade que vivemos... e se "amanhã for eu"??  "E se, por toda uma sequência de circunstâncias infelizes, também eu, ou alguém dos meus, de um dia para o outro, ficar assim, com o Mundo desabado aos seus pés, sem chão para os pousar??"....

Temos sempre tendência a pessoalizar as nossas inseguranças e angústias...
O ser humano é egoísta por inerência, mas devíamos pensar e olhar bem de frente a "culpa" e a "vergonha" que temos obrigação de compartilhar numa situação como esta, para não fazermos de conta, comodamente, que não sabemos de nada ou nada podemos fazer...
São seres humanos, são pessoas, são gente nos limites da capacidade de resistência, ali, ao nosso lado, na cidade de Lisboa...

Vão dizer-me que continuo "naïve" ...  que situações como esta, tantas e tantas vezes encapotadas e até escondidas da sociedade por "vergonha", se repetem a cada esquina, e que é improvável que as consigamos resolver.
São os nossos "cancros sociais" e os cancros não têm cura!!...

Mas pelo menos não as aceitemos, rebelemo-nos contra elas, acusemo-las, denunciemo-las, confrontemos almas e corações, porque tem que os haver bem formados, em estruturas de resposta....: confrontemos o cinismo vergonhoso de uma comunicação social sem qualidade ou escrúpulos, que torna notícias de primeira página a vida privada de pessoas absolutamente irrelevantes, que explora , para vender mais, os meandros escabrosos e vergonhosos dos pseudo-vips deste pobre país, ou a "roupa suja" nada abonatória das politiquices de vão de escada... e esconde notícias incómodas e acusatórias embora profunda e magoadamente humanas...

Eles "retiraram-se" sem estardalhaço, pacata... silenciosamente...
Com eles carregaram o peso do Mundo em desespero, em dor, em sofrimento...

Nem eles sabem como puderam atormentar tanto, por aqui, certamente muita gente que por cá ficou....

Anamar

2 comentários:

Anónimo disse...

Os meus tormentos são pequenos comparados com o desespero que leva ao acabar-se assim. Que noite longa, esta!

anamar disse...

OLÁ

OBRIGADA POR TERES COMENTADO.

A NOTÍCIA MARCOU-ME PROFUNDAMENTE E QUIS DIVIDI-LA...

A VIDA É DEMASIADO INJUSTA COM ALGUNS, E É AÍ QUE SOMOS OBRIGADOS A RELATIVIZAR OS NOSSOS PADECIMENTOS.

UM ABRAÇO

ANAMAR