terça-feira, 4 de agosto de 2015

" AQUELE LUGAR AO SUL ..."




De alguma forma, eu sou apátrida.

Nascida dos quatro costados na charneca alentejana, a vida encarregou-se de me saltitar de "déu em déu"...
Ainda não tinha dois anos e já deixava a aldeiazinha raiana, da qual obviamente não guardo nenhuma memória, e rumava a Évora.
Em Évora espiguei.
De Évora retenho as primeiras memórias doces de consciência a forjar-se, os primeiros creres, os primeiros sonhos, os primeiros amigos ... o primeiro amor ...
Amor de doze, treze anos ... Tão "sério" quanto o permitem  ser, toda a ingenuidade, toda a singeleza, toda a autenticidade dos sentimentos forjados no peito de uma menina metida a mulher !...

Em Évora comunguei  a História, a tradição, senti as raízes cravadas na planície, aprendi a liberdade de horizontes sem limites, entendi o som do silêncio das searas ondulantes, partilhei a melopeia  das cigarras no meio de tardes escaldantes ... ou segui o voo largo da cegonha, demandando o ninho ...

Em Évora,  miscigenei-me com os sentires de Florbela, embalei-me no som dormente dos cantares do monte ... suspendi a respiração, com a sonoridade do sino da aldeia distante, às avé-marias ... ou confundi-me  simplesmente, com os chocalhos do gado na sossega do fim de dia ...

Em Évora, ouvi o som dos passos no lajeado das travessas e alcárcovas solitárias, escutei o eco das palavras nos claustros silenciosos ... bebi a seiva, que trepa o corpo de quem nasceu no Alentejo !

Em Évora, senti a intangibilidade do carácter vertical de um povo !
Palpei o tamanho da solidão, no monte perdido no nada, o inconformismo das eras, e a força de um sangue que não verga !...

Mas  arrancaram-me da minha cidade, como quem arranca a flor da esteva nascida sem ser perguntada, na  planície sem fim ...
Extiparam-me  a liberdade de potro solto no montado ...
Cortaram as asas à garça que plana na terra recém-revolvida ...
Apagaram  a estrela do boeiro, no meu céu afogueado da canícula da tarde.  E todas a miríades estelares que ponteiam as madrugadas escuras, e que só lá, naqueles campos se desvendam ...

E trouxeram-me para a cidade grande.
E na cidade grande eu tornei-me órfã de coração.
Na cidade grande, eu entristeci de alma ...

O apelo da terra povoa as minhas noites despovoadas !  O chamamento do chão  corre-me quente nas veias !  A simbiose dos genes  leva-me inapelavelmente para o sul ... como um suão que soprasse, e ao qual eu não quisesse resistir !...
Lá, onde o branco é muito mais alvo, o ocre e o cobalto, emolduram as vidas ...
Lá, onde repousam todos os que eram eu, antes de mim ... e que hão levar além, a minha linguagem da carne ...
Lá, onde as memórias estão inscritas em cada pedra da calçada, em cada esquina, em cada sombra que se alonga ...

Irei ao Alentejo muito em breve.  Não sei como, mas sei porquê !

Como uma febre sazonal  que me toma, me invade e  me domina, a minha mente não pergunta, não questiona, não resiste  ...
Leva-me ... simplesmente me leva !!!!

Anamar

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