sexta-feira, 14 de agosto de 2015

" PORQUÊ ? "



Nunca me ofereceste um búzio ...
Vi isso agora, que vasculhei outra vez a gaveta das memórias ...

Por que será que eu colecciono memórias ?!  Devo estar a envelhecer !
Os velhos é que recuam no tempo, e vivem disso.  Os velhos é que obscurecem o presente que já não amam, e buscam aconchego no passado.
Nele, deambulam para a frente e para trás, e não o largam mais ...

Tenho conchas e seixos de todas as praias ... Tenho mesmo areia e corais.
Tenho até estrelas, que já haviam desistido de viver no mar ...
Mas não tenho um búzio !  Não, dado por ti !...

Já sei ... tiveste medo que ele me contasse segredos que querias invioláveis ... que me trouxesse notícias de outros oceanos ... me deixasse ouvir de novo, as confissões que me fizeste então, quando as falésias, os limos e as algas eram nossos, quando jogávamos à bola, no meio dos rochedos ...
Ou quando perdíamos simplesmente o olhar, no voo preguiçoso das gaivotas ...

Os búzios são indiscretos.  Contam sempre tudo.
Mesmo no pino do Verão, põem-nos a escutar o bater alteroso das ondas em dias de borrasca, quando o Inverno é agreste e impiedoso.
Basta chegá-los ao ouvido e escutar.  Saber escutar ... porque está lá tudo : os queixumes do mar que açoita a orla das praias distantes, o sopro do vento que embrulha a espuma e a joga em rendas entretecidas na rebentação ...
Está lá tudo !
E se escutarmos bem, os grasnidos das gaivotas, dos albatrozes, das andorinhas do mar e das fragatas ... também  lá  estão,  como  numa  fita  de  gravação.  Sempre,  de  noite  e  de  dia !...

Quem os tem, nunca está só.
Eles trazem as saudades de longe.  Lembranças dos mares do sul.
Lá, onde o calor é tórrido, lá onde os cheiros doces e os silêncios sábios nos tactuam a pele ... e o cruzeiro do sul governa o rebanho luminoso que pastoreia no escuro, bem escuro, do firmamento ...
Lá, onde o caminho é tão longo, quanto a liberdade do sonho ...

Mas tu nunca me ofereceste um búzio ... Vi agora.

Tenho as rosas e as madressilvas, tenho as pinhas e as flores sem nome ... tenho até as margaridas silvestres, já desfolhadas.
Tenho os caminhos e as sombras, e os muros, de pedras plantadas a esmo ...
Tenho os pores de sol e as amoras dos carreiros.  Os canaviais e todas as histórias infinitas que contavas ...
E a mata e o pinhal ... E o tempo todo do mundo, que eu achava que nunca se acabaria ...

Mas que tonta !
Não há nada que mais rápido se esgote, que este tempo já sem tempo ... porque o cansaço se abateu ...

Tenho tudo !
Tudo o que me povoava, naqueles dias soltos e leves.
Foi ontem.
E já passou uma eternidade !...

Pronto, vou ter que fechar outra vez a gaveta das memórias.
Vou ter que me conformar ... Não tem mais jeito !...
Aqui, de tão longe, afinal não posso mesmo ouvir o mar !...

Tu nunca me ofereceste um búzio !!!...

Anamar

Sem comentários: