domingo, 27 de dezembro de 2015

" O MEU SONHO DE GAIVOTA "





Olhei-a.
Ela parecia apenas dormir por entre a aragem.  As asas  esticadas, o corpo esguio magistralmente delineado, projectava-lhe a cabeça adiante.  Os olhos miudinhos e sagazes, auscultavam um possível caminho.
Haveria caminho para uma gaivota sobre a cidade ?...

Voltei a olhá-la e ela dançava por entre as chaminés, por cima dos telhados, absorta, distante ... mas sobranceira.
Indiferente ... eu diria, indiferente !
Tenho a certeza que no descolorido do casario, aquela gaivota vislumbrava azul.  Porque sem azul, uma gaivota está amputada no coração !

Lá de cima, no seu voo rasante e ronceiro, seguramente ela cheirava a maresia, adivinhava as falésias, escutava o vaivém da maré, e via o azul ... o azul infinito do marzão sem fundo e sem limite.
Via o azul de um céu de cristal, que só o é, lá, onde o oceano feito amante presente, beija e beija e beija, a terra que lhe estende os braços ...
Havia de sentir a areia fofa, onde o mar rendilha as franjas, havia de perceber a brisa salgada que embrulha as rochas, as algas e todos os seres viventes.
E teria saudades ...

Era uma gaivota solitária, uma gaivota que carregava silêncio.
Uma espécie de andorinha fora da Primavera.
Uma espécie de sopro que não abandonou os lábios.
Uma espécie de sorriso traído pelas lágrimas ...
Era uma gaivota sem liberdade nas asas, sem alegria na alma.  Porque ela tinha alma, que eu sei !

Vagueava, como se vagueia sem norte ou rumo.  Baloiçava, como cambaleia quem já não tem destino ou sorte.  Ia sempre adiante, entre curvas e volteios, entre paredes e cinzento ... como quem busca sem buscar nada.  Como quem tenta esperançar-se, desesperançado.

Segui-a, enquanto a vista deu, enquanto a distância deixou ... enquanto os muros, os becos e os telhados o permitiram.
Queria ter ido com ela ...
Porque também eu sou um fruto fora de época, uma flor dependurada de caule ressequido.
Também eu tenho saudades de lá.
Das águas de infinito onde o sol se deita, onde a lua se espreguiça com lascívia de prata, num leito de veludo ponteado a estrelas.
Queria ter a determinação e a indiferença do seu voo ziguezagueante por cima das copas inventadas, aqui, nesta terra de tristeza !...

O meu olhar perdeu-se na distância impiedosa.
E eu fiquei mais melancólica, no cinzento desta tarde de Inverno indefinido, como sonho não acabado de sonhar, como beijo não acabado de saborear, como amor não consumado no viver !...

Anamar

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