terça-feira, 1 de dezembro de 2015

" WHEN WINTER COMES ..."




Assistir ao declínio de um pai ou de uma mãe, é assistir à pré-figuração do seu próprio fim.
Não se descreve.  Sente-se.  Vive-se !
É um processo de uma violência sem tamanho, no misto de emoções, de estados de alma, de interrogações, de culpas, de dúvidas, de impotências e de medos que nos assaltam e nos atormentam, dia após dia.

Cair-nos nos braços aquela "criança" engelhada, encarquilhada, aquele ser tão indefeso quanto um dia o teremos sido... aquele ser cujos olhos opacizados,  pouco já  exprimem além de ausência, tristeza e indiferença ...

Cair-nos no colo alguém que quase nos volta a caber nele, naquela figura fetal  e desarticulada, esquálida e esfíngica, de ossos cobertos por pele ressequida ... naquelas pernas imprestáveis, naqueles braços que mal nos envolvem o pescoço, naquelas mãos que atontadamente atiram beijinhos para todos e para ninguém, para tudo e para nada ... para um  infinito, quiçá finito na memória que já não tem ...

Escutarmos aquelas palavras desconexas, aquelas frases sem significado, discursos sem linhas de lógica ... encararmos posturas que não reconhecemos, identificamos e jamais lembramos no percurso daquela alma ...

Confrontarmos aquela fragilidade, aquela completa dependência, aquela folha de papel pregueado que o destino amassou e jogou para uma cadeira, que nem consegue mover ...

... são realidades em que mergulhamos, com que convivemos e que temos que aceitar, embora com revolta, embora sem que o percebamos, embora o achemos monstruoso, aviltante e injusto !
Embora seja uma gigantesca maré que avança e avança e avança, bem por cima da nossa cabeça e do nosso coração, com toda a força destrutiva  da sua agressividade, em dor e em desespero .

Uma mãe e um pai foram sempre as figuras maiores das nossas vidas.
Foram sempre os seres ímpares em quem nos revimos, que ansiávamos alcançar, que desejávamos seguir.
Foram sempre as imagens que o espelho da vida  nos devolvia, como referências, como poço de valores, como repositório de ensinamentos e princípios.
Eram figuras agigantadas, intocáveis, quase inquestionáveis. Eram muralhas e fortalezas inexpugnáveis aos nossos olhos.
Uma espécie de "deuses" confinados à condição humana.
Eram entidades que nos pareciam imbatíveis, irretocáveis, inatingíveis ...
E por isso, "imortais", perenes, imunes, invencíveis por todas as intempéries da vida, inclusive a morte, que não ousamos sequer questionar, quando ainda somos crianças.
Talvez por defesa ...
E recusamos sempre nas nossas mentes, esse pesadelo, esse sossobrar, essa finitude do percurso, afastando para tão longe quanto podemos, esse fantasma que sempre pensamos futuro e distante ...

Até que um dia, aquele pai e aquela mãe, se reduzem de repente ao seu real "tamanho", se remetem de repente, à sua pequenez de barro moldado, à sua dimensão de vulnerabilidade irremediável...
E caem-nos, bem nos nossos braços, que nada podem fazer, além  de segurá-los, ampará-los, aquietá-los no seu calor ... talvez embalá-los numa canção de ninar  ...

E surpreendemo-nos, e sempre somos apanhados desprevenidos e incrédulos, chamados que somos então, à dolorosa condição de pais dos nossos pais, na condução dos seus dias finais, no aconchego dos nossos corações ...

E simultaneamente também, bem na nossa frente, como uma imagem desfocada reflectida num espelho - para que o não esqueçamos - estamos nós mesmos, enfrentando um Inverno que se aproxima a passo estugado, com um frio gélido e paralisante, que ameaça descer ... ali, no virar da esquina !...

Anamar

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