segunda-feira, 11 de abril de 2016

" A MINHA MÃE "




Ternura é a palavra que a define.  Ou talvez seja generosidade ...

Fica difícil falar mais sobre a minha mãe, sem que me repita ... tanto já escrevi sobre ela ...
Tenacidade e combatividade enquadram-lhe o perfil de guerreira, de lutadora que não desiste, de mulher inteira, com M grande ... lugar comum, tão banal no seu caso ...
Porque ela é muito maior ... ainda assim !

Noventa e cinco anos de uma vida simples, sem exigências ou pretensões.  Uma vida de desapego, vivida em função de, e para os outros.
Uma existência de missão que cumpriu a sério, numa família da qual sempre foi o esteio.

Os últimos tempos têm sido demasiado duros.
Tempo de mais, a minha mãe teve os "circuitos" cortados com a vida.  Vivia porque respirava, falava e pouco mais.  Sobretudo, sofria.
A demência tomou conta do seu cérebro, reduzindo-a a um farrapo humano, a um vegetal.
Um esgar de gente, um ser grotesco que me aterrava ver, me destruía, me indignava, me enraivecia e revoltava, por impotência ...
Aquela mulher não merecia terminar assim !...
Várias vezes ansiei que a sua estrada alcançasse rapidamente o último porto de abrigo, e que finalmente a paz a pudesse envolver, como pedia ...

Contudo, e porque o destino tem desígnios que desconhecemos, como uma fénix, uma ganhadora, uma atleta de alta competição, apaga agora as 95 velinhas, renascida, uma vez mais !
A  minha mãe virou mais uma página, dobrou mais uma esquina, com a bonomia dos fortes, com a paciência da aceitação, com o gosto e a graça pelos dias ... de novo ...
Muito embora os seus dias sejam passados entre uma cadeira de rodas, um sofá e uma cama ...
Muito embora os seus horizontes se tenham confinado às lembranças que, com alguma nitidez, agora voltaram  a  acompanhar as suas horas.
Lembranças da sua casa que sempre foi o seu mundo, lembranças de todos quantos amou e há muito já partiram, lembranças da sua tão remota juventude, lembranças da sua vida pregressa, da infância das netas ... da minha própria meninice ... ou se calhar, saudades  maiores dela própria ... quando ainda  era a "Margarida", como costuma dizer ...
Ainda assim, neste momento ela escolhe viver, acordar por cada dia ... ela escolhe outra vez o convívio dos que a amam ... e satisfaz-se com o possível ... enquanto for possível ...

A minha mãe tem a tranquilidade dos que estão em paz, dos que cumpriram uma tarefa com sabedoria.
Tem a felicidade da transcendência ... daqueles que colocam além de si , a felicidade dos outros ...
Tem uma bondade infinita num olhar que ainda irradia luz ...
As suas mãos descarnadas não esqueceram o afago e o carinho, e o coração cansado ainda é colo e ninho ...
Tem a alegria simples de uma criança com um brinquedo nas mãos, e o sorriso travesso de quem acabou de colher braçadas frescas de estrelas da madrugada, e que trepou ao fim do arco-íris ... numa tropelia de menina-pintora do destino !!!...

Enfim ... a minha mãe é tão só ... a MINHA  MÃE !!!




Anamar

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