terça-feira, 7 de maio de 2019

" CARTAS DE AMOR ... "






“Cartas de amor, quem as não tem ?...“   cantava  Francisco José ... 

Ainda sou capaz de trautear a melodia, embora ela pertença mais à geração da minha mãe, do que à minha. Era eu então uma criança, quando este tema, à semelhança de outros mais, que alguns recordarão, fazia estremecer os corações à boa moda do romantismo da época.
Exactamente a época das "cartas de amor"...

Escritas, trocadas, lidas, relidas, cheiradas, suspiradas e guardadas em laço de seda e fitas acetinadas, nos baús e nas gavetas, formavam o espólio dos apaixonados de então.
Devolviam-se também, quando os romances punham fim aos sonhos daqueles que as escreviam.
Eram cartas longas, cheirosas, osculadas muitas vezes pelos lábios da mulher que as endereçava, transportavam juras, promessas eternas, levavam sonhos pueris, desejos inconfessáveis ... e flores meio secas, como um bouquet de sentimentos ...

Eram clandestinas, às vezes.  Corri atrás de algumas, à posta restante dos correios, à revelia da vigilância da minha mãe ...
Era o tempo da adolescência, dos amores nem sempre aprovados, muitas vezes contrariados ... escondidos, por isso.
Mas sempre se arranjava forma de driblar os esquemas...
E tudo era por isso, de uma dimensão de fogueira descomandada.  Tudo se vivia  no ímpeto e na chama da pureza dos sentimentos, que eram sempre imensos, na altura, com uma exuberância fatal e sofrida, como nas telas ... o que os envolvia numa magia de história romanceada !

Havia "tempo" para se escreverem as cartas ... para se rascunharem primeiro e burilarem depois.  A vida não era tão assoberbada e corrida.  Os valores eram absolutamente díspares dos de hoje.  A realidade e os interesses também.  As pessoas eram menos descartáveis, as emoções igualmente.  Os códigos de conduta estereotipavam-se em modelos rígidos e pouco permissivos.  A sociedade, de certa forma, era mais espartilhante e controladora.
Hoje, a liberdade alcançada, a capacidade de escolha, o livre arbítrio e a determinação prodigalizados pela cultura, pela informação e pelo acesso a todas as fontes disponíveis, orientam por isso o Homem, para outros padrões comportamentais.

Mas os sonhos são transversais à vida, e sempre fazem sentido e norteiam os seres humanos.  São determinantes e impulsionadores do amanhã de todos nós.
E os amores e os afectos, felizmente continuam com a doce "pieguice" do ontem e com a capacidade suprema de nos surpreenderem e nos "melarem"os corações ...

E embora os anos avancem e teoricamente a disponibilidade emocional pareça regredir, já que  tendemos a endurecer-nos a nível sentimental  ( afinal, a vida, "grosso modo", encarrega-se disso mesmo, retirando-nos o espaço da emoção, da surpresa e da ingenuidade, em que a inocência se vai quase sempre, perdendo ), deveremos lutar para que se reverta essa situação. 
Manter, adubar e regar tudo aquilo que ainda consegue acelerar-nos as pulsações, enrubescer-nos o rosto, e potenciar-nos  um  sentimento de bem estar e felicidade ... é determinante à vida e ao estar-se vivo !

Cartas de amor, há muito não recebo.
Tenho nos meus guardados, bilhetes ternurentos, guardanapos de papel escritos, textos incipientes,  naïfs, rabiscados às vezes ... pedras da praia com locais e datas ... folhas secas e flores meio desfolhadas ... botões de rosa esmaecidos, mas sobreviventes aos tempos e às vicissitudes ...
Todos são afinal, verdadeiras cartas de amor indeléveis, codificadas nos afectos, nos sentimentos,  nas linguagens,  eternizadas  no  coração  e  na  mente,  até  ao  fim  dos  meus  dias !...
Pois afinal ... "cartas de amor ... quem as não tem ?... "

Anamar

1 comentário:

Anónimo disse...

Olhe Anamar,

Eu não tenho cartas de amor.
E gostava muito.

Gato