quinta-feira, 11 de novembro de 2021

" FIM DE LINHA "

 


Acho que não existirá nada mais destrutivo para um coração de mãe, do que ter que desistir de um filho.
Porque afinal, isso sempre será alguma coisa absolutamente contra-natura, monstruoso e inequacionável !
E para se chegar a esse extremo, para ter que se fazer uma opção dessas na vida, é porque se esgotaram seguramente todas as tentativas, todas as aproximações, todos os esforços ... mas também todas as esperanças, todos os caminhos a percorrer, todas as expectativas credíveis ainda, de um possível retrocesso numa relação mortalmente inquinada.
Quando o diálogo entre as pessoas não passa de uma conversa de surdos, quando as costas se voltam, quando já não se descortina um lampejo de fé num volte-face, e se percebe que já não existe sequer uma linguagem minimamente perceptível ( não digo obviamente convergente ) ... quando nenhuma mensagem passa para o outro lado e sempre encontra um muro intransponível ... percebe-se que o cordão umbilical, o tal que uma mãe acredita nunca ser totalmente cortado ao longo da vida ... o foi, sim, e o foi em definitivo !

Parece impossível isto poder acontecer, quando o mesmo sangue corre nas veias, quando para o bem e para o mal, uma mãe tenta fazer o melhor que sabe e é capaz ( ainda que com todas as imperfeições, todas as omissões, incoerências, faltas e incapacidades ... porque de humanos falo ).
Parece incompreensível que numa relação mãe-filhos possa no extremo, chegar-se a uma desistência, uma desaposta, um caminho sem retorno.  

As pessoas não nascem ensinadas.  Costuma dizer-se, e é verdade, que os filhos não vêm acompanhados de livro de instruções.  Ter e educar um filho ao longo da vida, não é apenas isso.  É uma tarefa hercúlea, submetida em permanência a milhares de factores condicionantes, milhares de vectores que se prendem com a realidade pessoal, personalística, familiar, social e todas as outras turbulências que quantas vezes de imprevisto, se instalam na vida das pessoas, as surpreendem e lhes determinam os percursos.
Mas as crianças crescem e, da dependência vital que mantiveram com os pais, surgem então, indivíduos autónomos, com personalidades instaladas, com capacidade de observação, análise e crítica de tudo o que os rodeia.  E é salutar e desejável que isso aconteça.  Afinal trata-se de seres em formação face a uma existência desafiadora, que os testa e põe à prova em permanência, já sem a rede parental a dar-lhes total cobertura ou protecção. 
Criaram-se afinal adultos que têm o mundo à frente.  
E a sã convivência então, entre pais e filhos, compreendendo-se e aceitando-se mutuamente, mormente entre mães e filhas ( em que a igualdade de género facilitaria teoricamente pelo menos, a compreensão do estar e do sentir da realidade ), aliada a uma maturidade exigível a uma fase da vida já muito mais responsável, geraria uma cumplicidade que então levaria a uma maior tolerância mútua, uma maior aproximação, partilha e simbiose.

Sem recriminações, sem dedos acusadores de erros ou falhas ( porque TODOS os temos e cometemos ), sem ofensas e agressões gratuitas, geradoras de mágoas quase sempre irreversíveis, sem ressentimentos e raivas ou ódios acumulados nos núcleos familiares, com tolerância, afecto e compreensão, iniciar-se-ia então uma outra fase da vida mais construtiva, estando já os progenitores numa faixa etária carente  de outro tipo de apoios, de estruturas, de amparo e aceitação ... Deveria encarar-se o futuro com adultícia, tolerância e paz.
Isto, o desejável ! 

Ao contrário, quando pais e filhos deixaram de ser "amigos", quando sentimentos destrutivos se instalam, quando animosidades muito sérias tomam irreversivelmente conta das pessoas, cegando-as, criando fossos intransponíveis entre elas ... quando o filho se sente "ameaçado" em vez de protegido e querido, e no seu íntimo só existe desconfiança, pensamentos persecutórios e uma turbulenta desestabilização que o faz agredir gratuitamente os pais ... quando o diálogo possível e desejável deixou de existir sem retorno ... e as pessoas se tornaram ressentidas, no mínimo estranhas e já não pertencentes ao "sagrado" núcleo familiar ... então, de facto, percebemos magoadamente, que se atingiu um fim de linha !!!

Anamar

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