domingo, 21 de novembro de 2021

" UNS E OUTROS ... "

 


Por vezes flagramo-nos encompridando a mente sobre o que foi, como foi a nossa vida pregressa.  Por vezes surpreendemo-nos deambulando sem rumo definido sobre tudo o que já vivemos, como o vivemos, porque o foi dessa forma.
Quase sempre, esse "passeio" não programado, se faz acompanhar de um saudosismo e de uma nostalgia que inevitavelmente nos fazem recuar no espaço e no tempo, ao que fomos e ao que éramos então.

É domingo, dia já fechado, no silêncio da minha casa os gatos dormem-me aos pés.  Mais uma semana a começar, o vórtice do tempo a acelerar para o Natal, para o fim do ano, para o virar outra vez da ampulheta dos dias ...
Continuamos com uma cansativa realidade de tempos estranhos, pesados, assustadores, entrando inapelavelmente numa quinta vaga da pandemia deflagrada há quase dois anos.
Uma sensação de insegurança e de instabilidade instaladas, lembram-nos diariamente que continuamos a viver uma roleta russa por cada dia das nossas vidas. 
E o que se vive e o que se sente, além dum cansaço instalado, além dum desgaste psicológico irreversível a acentuar-se, é, de certa forma também já, uma espécie de quase indiferença e saturação face às notícias e aos acontecimentos circulantes.  Dou por mim, na maioria dos dias totalmente desinteressada da actualidade que me cerca, não abrindo sequer o televisor sobretudo nos serviços informativos.
Parece que sinto uma conformação absurda, uma acomodação triste e indiferente sobre o que me rodeia, uma impotência e uma inércia de quem já jogou a toalha ao chão.

Há pouco, arranjando-me para sair, peguei numa bijuteria adormecida numa gaveta e coloquei-a, distraidamente, mecanicamente, meio absorta ... meio cá, meio lá.  Um gesto automatizado, distante, sem intencionalidade consistente. E pensei : como me arranjava ao pormenor há alguns anos atrás !  Como nunca saía de casa sem me maquilhar, sem escolher diariamente a roupa a vestir, o calçado e os restantes adornos adequados ... Os saltos ... o salto alto era parte intrínseca da toilette, a bota, de salto fino ou não, de bico se a moda o ditasse ...
Daí os pares de calçado existirem por aqui, p'ra todos os gostos em cor e forma, as malas em consonância também ... e os cachecóis, agora que o frio começa a despontar, e os fios, brincos e mesmo chapéus ... porque tudo valia a pena, porque havia destinos a ir, sítios a frequentar, lugares e pessoas a encontrar ...

Hoje, os ténis reinam no vestuário usado, não só porque integram o equipamento das caminhadas, como porque são mais cómodos e seguros nas calçadas irregulares.  Já dei uns quantos trambolhões na rua, perdi o jeito de me equilibrar no sapatinho delicado, ganhei medo no caminhar ... desabituei-me quase de olhar o espelho, porque afinal perdi mais juventude, sonhos e ilusões nestes últimos tempos do que nas últimas décadas da minha vida !
Casa - compras - casa e pouco mais, são a história do meu quotidiano.  Pouca paciência, não recebo nem faço visitas.  Genericamente, as conversas cansam-me.  As pessoas também.  E dou por mim, agreste, deixando mesmo transparecer alguma impaciência além da conta ...
Sinto uma espécie de não valer a pena, estranho e complexo que me toma e angustia.
A silhueta que hoje detenho desagrada-me e entristece-me.  Ganhei peso, perdi formas e a frescura da pele foi-se também, com o transcurso dos tempos.  Sem retrocesso, sem volta, duramente implacável ... como uma irreversível e injusta condenação ...

Acho que nunca me pareci com a minha mãe.  Em quase nada, como costuma dizer-se, saí a ela.  Quase sempre, com pena e perda minhas.  Mas numa coisa somos iguaizinhas, estamos a tornar-nos iguaizinhas: no desgosto e na inaceitação da degradação inevitável do envelhecimento, na mágoa que tinha, como ela dizia, de envelhecer ...
A inconformação da perda das capacidades, as limitações objectivas nas faculdades físicas e mentais, sentidas e avolumadas diariamente, foram-na entristecendo e moldando negativamente nos derradeiros anos da sua existência. 
Eu sigo o mesmo trilho ... azedo, escuro, sem horizonte ou sequer um colorido arco-íris que adoce os meus dias ...

Eu sei que é inútil, é uma luta sem glória, é uma pura perda de tempo, eu rebelar-me contra tudo isto;  é mesmo uma idiotice, uma infantilidade, por certo um sinal de insanidade ... mas é assim que me sinto, este é o registo do meu permanente estado de espírito.
Por isso não entendo a leveza, a bonomia, quiçá mesmo a euforia com que uma amiga ufanamente me dizia há pouco :"sou cota ... ora bem ... e então ?  Sou bem feliz assim !..."
Como as pessoas são diferentes !!!...

Anamar

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