domingo, 2 de janeiro de 2022

" O ANO TERMINA E NASCE OUTRA VEZ ... "


 

... diz Simone na maravilhosa e tão conhecida canção de Natal ...

O malogrado ano de 2021 terminou de facto, e no imparável rumo da Vida, outro se lhe substituíu, novinho em folha, promissor, mentiroso como todos, insinuando-se com aqueles olhinhos de sonhos, sorrindo como o rosto da criança marota que quer convencer-nos ...
Hoje, nestes dias primeiros, tudo é doce, tudo é tão azul como aquela paisagem silenciosa de neve, da Lapónia lá longe ...
Até porque hoje, nós precisamos que o seja, p'ra não soçobrarmos, não desistirmos e podermos voltar a abraçar os desejos, os planos, as metas, os horizontes esfumados que deixaram há muito de ser definidos !

Este meu escrito ganhou título e lugar, nos últimos dias ainda de 2021.  Mas morreu antes mesmo de nascer, sem força anímica para se fazer gente ou tornar realidade.
Vou querer, contudo, que incorpore ainda assim o meu espólio do ano cessante. Uma espécie de porta a cerrar-se sobre um período inexplicável na minha produção literária.  Um período que não entendo, em que não me entendo, tão escurecido na minha existência.  Um período de um esvaziamento intelectual, de um cansaço anímico, de uma calcinação no coração e na mente.  Um período em que simplesmente deixei de escrever, de conseguir escrever o que quer que fosse, por nada ter que dizer sobre nada, por não nutrir já, nenhum apreço em relação a tantas coisas que sempre me alimentaram o espírito, me erguiam e me davam força p'ra caminhar.
Doente, é como me vejo.  Porque quem não sonha, não se emociona, não dá asas à esperança e à fé para continuar, e se move indiferentemente dia após dia, noite após noite como um autómato, como um robô, como um pássaro apeado, de asas cortadas ... só pode estar doente !

Mas talvez porque outro ano nasceu, e tudo o que chega, tudo o que começa sempre parece transportar-nos um outro acreditar, sempre parece dizer-nos ( como uma criança que pela primeira vez abre os olhos ao mundo ), que é outra vez tempo de viver um tempo novo ... senti em mim um revigor, uma espécie de alegria esquecida, uma espécie de promessa no coração, uma espécie de ânsia de abraçar de novo o sonho, sentindo que talvez volte a ser capaz de sorrir, volte a ser capaz de me sentir viva !

O dia é de muita paz por aqui. 
Amanheceu cinzento, toldado, com um céu plúmbeo uniforme, com um nevoeiro que abafava bem perto, a paisagem circundante, como se tivesse engolido o horizonte.
Também as "nieblas" teimosas acabaram cedendo, a definição do casario foi tomando forma à medida que um sol fraquinho e bem envergonhado se anunciava.  As gaivotas dançando aqui por cima, faziam um bailado lânguido e preguiçoso, ao sabor de uma aragem mais adivinhada que real.  Os seus conhecidos grasnidos ecoam no silêncio da tarde, porque afinal hoje é domingo e o "brouhaha" de sempre, é inexistente.
Apeteceu-me Enya.  De novo, ao fim de tanto tempo sem a ouvir, ela que me apaziguava o espírito, ela que sempre me foi uma referência dos dias de maior solidão, voltou à minha companhia.  
"Winter came" ... tudo a ver com os dias que atravessamos ...

E porque acabei de chegar das terras das neves, dos gelos, das paisagens cinzentas ou azuladas, das terras do silêncio e da escuridão, em que o sol se ergue por duas horas em cada dia ... com Enya voltei a escrever.
Fui, numa viagem que parecia pouco enquadrar-se no meu perfil de mulher do sol, do calor, dos sentimentos impetuosos e quentes, talvez na busca inconsciente duma interioridade que se calhar me fazia falta, dum reencontro  comigo mesma na natureza inóspita e genuína, dum silêncio equilibrante, duma verdade sussurrada, duma identificação de coração e de alma ...
E vi tudo, e bebi tudo e sufoquei-me com as sensações que não se descrevem, e embriaguei-me com as emoções que as coisas simples despertam, e empanturrei-me com a autenticidade de cada imagem, com a surpresa de cada clareira, com o reflexo esmagador que a lua cheia desperta no branco imaculado do gelo, na escuridão das noites onde as constelações se desenham sem esforço ...
Adivinhei a vida errante e dura dos lapões.  Conheci-lhes as histórias, embrenhei-me na floresta de abetos mais brancos que verdes, claudicantes do peso da neve neles poisada, guiei-me em trenós puxados por huskies ou renas, sentada nas peles quentes, frente a fogueiras bruxuleantes, comendo salsichas grelhadas num espeto inventado, acompanhadas de chá de bagas do bosque, bem quente, para aquecer o corpo, já que a alma parecia confortada !...
Varri a superfície do Ártico gelado, no Golfo de Bótnia, em trenós velozes, e deslizei em motos de neve na superfície de lagos igualmente gelados.  E de novo comi bolachas e chá de frutos vermelhos bem quente, para retemperar a hipotermia dos dedos gélidos e insensíveis, enquanto ouvia as histórias deste mundo mítico e onírico ... e esperava o sortilégio de olhar as auroras boreais !

E afinal as "luzes do norte" não me defraudaram !!!...






Anamar

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