domingo, 6 de fevereiro de 2022

" A VIDA SEMPRE CONTINUA ..."




Sempre a vida continua !
Igual, indiferente, fria e distante !  Afinal somos tão pouco ...

Desde terça-feira o Mundo ficou suspenso com a notícia duma criança de cinco anos, que caíra inadvertidamente enquanto brincava perto de casa, num poço seco de 32 metros de profundidade, e onde se encontrava prisioneira, em sofrimento, resistindo a uma morte tida como expectavelmente inevitável.
Quase cinco dias, lutando titanicamente ... resistindo além das forças humanamente possíveis !...

Isto aconteceu no norte de Marrocos, na aldeia esquecida de Ighrane, província de Chefchaouen, uma aldeia ignota ... sem história, onde gente sem história acabou fazendo História pelas razões mais adversas da vida !
Afinal, Ryan, cinco anos, era apenas uma criança a quem o futuro foi ceifado.
O seu lugar mobilizou-se, a sua gente mobilizou-se, o seu país mobilizou-se ... o Mundo não pôde ficar indiferente.  E todos sofremos, minuto a minuto, ora acreditando, ora sucumbindo à desesperança e à dor.
Não era nosso filho, não era nosso amigo, sequer nosso conhecido ... era apenas um menino !  E isso bastou para que a solidariedade universal e os melhores sentimentos de que o ser humano é capaz, emergissem dos corações, comandassem os espíritos, accionassem os recursos, e em uníssono, no terreno ou fora dele, se gerasse uma cadeia de esforços, de união, de ajuda, de transcendentalidade !

Mas Ryan não sobreviveu. Esgotou as suas últimas resistências, gastou as suas últimas forças ... e partiu, ironicamente pouco antes, parece, do momento do resgate !...

Não foi minha intenção fazer nenhuma reportagem do ocorrido.  Disso se encarregaram até à exaustão os meios de comunicação social, como sempre desgastantes, excessivos, doentiamente devassadores e desrespeitosos até, da dor e da privacidade mesmo daqueles que mais íntimos, estarão dilacerados e destruídos por dentro.  Os jornais, as revistas, as televisões, enfim, todas as cadeias noticiosas disso se encarregaram, duma forma minuciosa, doentia ... maquiavélica, como urubus sobrevoando a carniça ... porque há que "vender", tenha isso o preço que tiver !!

O ocorrido mexeu-me, incomodou-me, impressionou-me ... como não ?  
E apesar da onda de mobilização geral na busca do impossível, dos esforços sobre-humanos desenvolvidos, das tentativas desesperadas ensaiadas, a sensação de impotência, de pequenez, de incapacidade face a forças e circunstâncias que o Homem ainda não controla, remetem-nos e despertam-nos inevitavelmente para a nossa medida exacta, para  a  nossa  vulnerabilidade incontornável, para  a  nossa  fragilidade  insolucionável ...

Por outro lado ( e mais inquietante ainda ), é a certeza insofismável que esta onda de choque que abalou tudo e todos, este mediatismo que nos colou aos écrans e aos títulos das notícias, de norte a sul, de leste a oeste, que nos deixou de fé esperançosa em suspenso e que conseguiu sobrepor-se a muita da escorrência noticiosa da actualidade durante quase cinco dias, logo logo passará ... 
Iremos ainda falar muito, de alma compungida, sobre o Rayan, iremos lamentar muito, a injustiça do destino sobre um ser de tão tenra idade e lembraremos a dor lancinante que os seus pais estarão a experimentar, iremos colocar aquela expressão doída e realmente sentida ( não duvido ), de incompreensão sobre o porquê de tantas coisas absurdas nas vidas, e depois ... passará uma semana, um mês ... um ano ... nem tanto ... para que o cidadão anónimo tudo esqueça, para que a vida retome o seu percurso, para que as rotinas se restabeleçam ... para que a memória apague ... para que o sorriso volte e as lágrimas sequem ...

... e  sempre  assim,  com  tudo  e  com  todos ... simplesmente  porque "a  vida  sempre  continua ... "

Anamar

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