quinta-feira, 11 de agosto de 2022

" O SOL QUE ME FALTA ..."


 

Escrevo muito pouco, muito menos e  muito pior .  E sei exactamente o porquê disso.

Percebo-o claramente, quando me leio há anos recuados.
Não que eu não tenha o que dizer, não que eu tenha deixado exactamente de "sentir", não que eu desvalorize as minhas ideias ... Que, contudo, sempre foram muito mais direccionadas para o sonho, para a utopia, para as construções imaginárias criadas dentro de mim do que para a dureza da vida real, verdade seja ( essa, bastava-me olhá-la, afinal ... porque estava sempre ali à minha volta, se para lá eu  desviasse os olhos ... )
Talvez assim fosse, por defesa, talvez como necessidade, talvez simplesmente por pureza de alma.

É que, e essa a diferença abissal entre o que era e o que é, a minha disponibilidade para a emoção tem vindo a embotar-se com o transcurso da vida.  A minha capacidade de sonhar, de pintalgar a realidade com as cores generosas de outros tempos, entrou em franco declínio, como se a minha "caixa de aguarelas" tivesse secado.
A minha necessidade permanente de paixão e deslumbramento pelo que me rodeia, está asténica, carece de vitaminas no espírito e no coração ... e o amorfismo que caracteriza hoje a minha visão da vida, o cinzentismo até com que avalio o que me cerca,  retira-me a capacidade, a vontade e até a aposta de pôr no papel o tanto com que dantes eu lotava a alma ... Como se o clímax orgástico da escrita me tivesse abandonado !
Como se a minha ingenuidade de criança, aquela capacidade fantástica com que conseguimos tão facilmente abraçar o mundo na concha do nosso peito, se tivessem extinguido.  Como se a bonomia e a fé com que olhava as coisas, os espaços, os outros, tivessem estiolado e morrido inevitavelmente, como terreno devastado pelo fogo.

Sinto uma "falta de espaço interior", um vazio ( não sei se consigo traduzir fielmente o que isto seja ), uma falta de compaixão, de tolerância, um excesso de indiferença e um desaprendizado do enamoramento, do êxtase, e da aposta necessários à vida.
Não sei se existe um desencantamento objectivo, uma desilusão perante o caminho que percorro.  Não creio ser  propriamente consequência de insucessos, tropeços ou decepções, este meu estado de espírito.  Não são cicatrizes re-inflamadas, ou maleitas crónicas, não sei se é impaciência ou até egoísmo, talvez. Não creio que sejam problemas mal ou incompletamente resolvidos, embora afinal todos carreguemos um pouco disso mesmo, fruto dos destinos.  Não sei se é um cepticismo ou uma desaposta, como se já não valesse muito a pena enfrentar esta roda dentada e voraz que dia a dia nos vai engolindo.  
Não sei se aceite que é simplesmente a inevitabilidade do envelhecimento ... Será ??!!

A garra, a inconsequência, a gaiatice ... a irreverência, o atrevimento, a coragem ... o desafio e a força de agarrar a vida pelos cornos, sabendo que essa era a nossa escolha ... o meter a cara, o saltar a baia, o pular do rochedo  ( mesmo que de olhos fechados ) ... a utopia em suma, o seguir em frente achando que vale a pena, lutando para que valha a pena ... parecem ter-se perdido no tempo, sucumbido ao acomodamento dos anos ... a um cansaço que por vezes julgo absurdo.
E são determinantes da vida.  E são o oxigènio para se continuar respirando.  E são a poção mágica para se conseguir ainda manter o emaravilhamento, a força p'ra começar o dia por cada dia que amanhece, a receita pra se perceber o real valor de se estar vivo.
É essa lufada de esperança, esse sopro vital, esse cocktail vitamínico  ... essa chama de vela bruxuleante que parecem ter-me abandonado e deixado à minha sorte ...
E sinto uma raiva, uma fúria e um desgosto por não conseguir sacudir as penas e voar de novo, como aquela ave que se refrescou numa poça de chuva ... como se o afundamento no lodo sôfrego dum pântano fosse inevitável e me sorvesse para o seu interior sem que eu resista ... ou como se a cerração das "nieblas" fosse a armadilha que a vida me deixou na curva da estrada ... 

E não escrevo ... escrevo pouco e muito pior ...

Talvez se trate simplesmente de não possuir em mim a convicção de Picasso, a força anímica e o virtuosismo dos génios e sonhadores ... e me tenha remetido simplesmente à vulgar, comum e insípida "mancha amarela" !...
 


Anamar

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