sexta-feira, 5 de agosto de 2022

" O TAL SÓTÃO ... "




Sensação estranha.  Muito estranha mesmo.  Uma sensação de circular por um espaço abandonado, escuro, desactivado, em que a poeira, a ausência de luz, a falta de circulação abundante de ar, o remete a um espaço meio moribundo.
Parece-me ter devassado um ambiente sonolento, ter entrado num sótão, numa cave, numa arrecadação pardacenta, bafienta e húmida ...

Tudo isto porquê ... pergunto-me ?  Porque experimento, aparentemente do nada, este surpreendente estado de alma ?
Percebo que uma série de coincidências ou situações meio paralelas convergiram para me fazer sentir assim :
uma amiga de há algum /razoável tempo, sem que contudo sejamos de contacto absolutamente estreito, "desapareceu-me" dos radares, inexplicavelmente, eliminando todas as tentativas de contacto através dos dois únicos números telefónicos que possuo, o dela própria e o da filha.  Não sei morada nem outra forma de aproximação, além da que tem funcionado entre nós.
O telefone estabelece a ligação, assume um estado de linha ocupada e desliga-se subitamente.
Trata-se duma pessoa com uma saúde frágil, sobretudo a mental, o que me acresce uma maior inquietação ainda ...

Também de uma familiar, aliás a única familiar que ainda tenho no Alentejo, já bem idosa e paciente de Alzheimer, nada sei, faz imenso tempo.  Sempre fomos como irmãs, no bem-querer.  Relações complicadas criadas por um filho, pessoa muito mal formada e inqualificável, inviabilizaram praticamente a comunicação existente.
A doença que lhe retirou toda e qualquer possibilidade de autonomia, cavou, por outro lado, um fosso inultrapassável e injusto entre nós as duas.  Assim, infrutíferas são as tentativas de contacto.  
Parece que já se fechou portanto também, a porta daquele lado ...

Hoje confrontei-me, como toda a gente, pela notícia do falecimento do Jô Soares. 
Vale o que vale, não era nada meu, nunca o vi sequer ao vivo e a cores ... contudo, este êxodo de figuras públicas que por isso, são sempre um pouco "nossas",  dado que atravessaram connosco uma época à qual também pertencemos, sempre me deixa com uma sensação desconfortável de orfandade.
Fizeram parte das nossas histórias, povoaram o nosso quotidiano, emolduraram duma ou de outra forma, as nossas realidades.  Habituámo-nos ao seu convívio ... e já foram tantas !!!
Por isso, parece que foi só mais um que fechou a porta e arrepiou caminho também ele ... apenas antecipando-se ... nada mais ...

Há pouco resolvi percorrer este meu espaço, acedendo a outros blogues e a outros conteúdos que de quando em vez gostava de seguir, em tempos idos.
Nada de muito exaustivo ... cinco ou seis blogues cuja leitura e conteúdos apreciava.
Pois bem, todos eles exibiam postagens que remontam a mais de cinco anos atrás ...
Não mais voltaram a ser mexidos !
A Covid rebentou de facto com tudo, e esta sensação de abandono reflecte bem o desinvestimento e a desmotivação dos seus autores.
De alguma forma, este é o sentimento que gradualmente tenho vindo a auscultar em mim própria, o que aliás se reflecte no tão pouco escrito nos últimos tempos.
Um dia destes, pressinto que encerrarei definitivamente o espaço que me acompanha há já catorze anos.

Relatei quatro situações que não sendo coincidentes me transmitem o mesmo tipo de sentimentos.  Uma sensação de portas a serem fechadas, uma sensação de ampulhetas a esvaziarem-se nas vidas, de silêncios e dormências a instalarem-se, de estradas com fim de linha a  chegarem-se mais e mais ...
Uma sensação de já não pertencer integralmente a isto por aqui, de o prato da balança  já  pesar  mais daquele  lado  que  deste ... de  qualquer  dia  já  ser  quase  somente  uma  estranha !...
Um desconforto de já não entender bem os valores, não saber já os códigos ou os requisitos p'ra viver com satisfação.  Um não saber já descodificar as linguagens e entender os sinais que me cercam ... Uma ausência crescente de sensação de pertença por cá ...
Uma falta de oxigénio, do "meu" oxigénio que me permita inspirar até bem ao fundo ...

E daí o cansaço, o desinteresse, a imperícia para viver dia após dia, como se na verdade eu esteja a mexer-me apenas no limbo de uma fronteira hermética e cerrada ...

Anamar

1 comentário:

Anónimo disse...


Deixares de escrever ?
Espero que não o faças !
Jonas