segunda-feira, 19 de dezembro de 2022

" QUANDO AS AZEDAS VOLTAREM ... "

 


E elas já aí estão ! 
Pintalgam a mata atestando a continuidade da vida, a resiliência dos seres.  Num ano totalmente atípico como o estão a ser cada vez mais, mercê da anormalidade das condições atmosféricas, fruto claro de alterações climáticas que já não têm disfarce possível, tudo na natureza se transformou numa conversa de surdos, com árvores a darem frutos mas já a florirem de novo, com a Primavera a ocupar os espaços de um Inverno que ainda não começou sequer ... enfim, com a Natureza a baralhar-se no meio desta baralhada toda, de facto !

Deveríamos estar às lareiras, deveríamos vestir lãs quentinhas, golas altas quiçá ... e não, como continua a ver-se, gente com mangas curtas na rua, sem um resquício de sacrifício ou penitência, porque efectivamente não está frio nenhum !  

E por isso, e à conta disso, as azedas voltaram.
Os campos bem verdinhos, com todos os arbustos rebentados já, beneficiando da amenidade térmica que persiste e da quantidade incontrolável de água que tem caído, propiciaram que este Natal que se avizinha tenha mais cara de Páscoa do que de um Dezembro que o calendário exigiria ...
E é lindo verem-se cobertos dos verdes mesclados de todos os cambiantes, e salpicados do amarelo viçoso da promessa primaveril que se antecipa !
Não fora a lama, e seria absolutamente convidativo perambular pelos caminhos, agora desertos, da mata. 
Com os céus plúmbeos, ameaçando mais chuva, a penumbra descida e o silêncio que impera, são para mim preferenciais companheiros de caminhadas.  Acresce que quase ninguém se propõe ... e por isso, as veredas desertas, o silêncio levemente entrecortado por trinados meio dormentes, ainda de alguma passarada que ficou ou passa mesmo por aqui a próxima época, criam uma ambiência fantástica, de paz e recolhimento ...  não fora a lama ...

Bom, detesto esta época.  Não sou única, cada vez mais, muita gente por aqui mo transmite.  Se calhar é coisa de estados de espírito para quem nem a profusão das luzes e das cores, nem a magia que parecia envolver esta quadra, conseguem recriar ainda, o sortilégio de que estes dias se revestiam.
Se calhar é coisa de idade, de realismo, de pragmatismo ... de frieza ou mesmo de incapacidade já, de "acreditarmos no pai Natal", nestes tempos que vivemos.
Não sei !

Lembro que neste primeiro dia de férias natalícias se rumava à Beira.  De armas e bagagens, com filhas, mãe, cão e gatos aí íamos nós demandando umas férias merecidas, findo o primeiro período escolar.
A Beira oferecia-nos o friozinho esperado, os campos livres e cheirosos, a lareira acesa de manhã à noite ... e quase sempre varando a noite mesmo, as luzes que aconchegavam, com a doçura da semi-obscuridade, a sala de pedra e madeira ...  
A Beira oferecia-nos os vizinhos que o eram apenas intermitentemente quando a casa abria portas e janelas, e franqueava a entrada de quem aparecia.      
A Beira oferecia-nos o musgo na cesta da avó, o pinheiro colhido no pinhal ( "jeitozinho ... nem grande nem pequeno " ), o presépio que haveria de armar-se ... as pequeninas luzes a piscarem, e o azevinho e as pernadas da cameleira vindas do jardim ... 
Enfim, a Beira prometia e oferecia a despreocupação da garotada, o descompromisso de nada fazer, a displicência da inexistência de horários ... o gorgolejo das águas do rio quase sempre impetuosas entremeio às fragas, ao fundo das terras ...
E o cheiro, o cheirinho que persiste até hoje na minha memória, da caruma, da terra molhada, do fumo que evolando das chaminés, lembrava que os fornos já coziam ... o pão, a broa, os bolos da consoada, as iguarias que viriam para a mesa daí a poucos dias ...
E como era doce e aconchegante, quando à saída da porta, com os cachecóis e os casacos de golas levantadas e bolsos em prontidão, o bafo da respiração se transformava  num "fuminho" simpático à nossa frente ...
"Mãe, acenda o lume ! "
E o fogo subia, e o calor entranhava-se ... as luzes da Árvore de Natal cantavam ... as crianças gargalhavam só porque sim ... e todos, ainda todos então, comungavam da partilha de ser outra vez Natal !!!





Anamar 

1 comentário:

Anónimo disse...

Votos de um Feliz Natal para ti e família.

Aníbal Rodrigues