quinta-feira, 1 de dezembro de 2022

" TINHA QUE SER "


Parei de escrever no início do mês.  Assim o atesta a data do meu último post. 

Verdade seja que estive fora duas semanas, o que a juntar a preparativos de ida e depois da reinstalação na chegada, faz p'ra lá de um tempão.  Por isso, a juntar à já de si escassa inspiração e ausência de factos que pudessem agitar as águas por aqui, não tenho tido aquele "assento" como costumo dizer, para escrever fosse o que fosse.

Mas chegou o dia no formato e com o "desenho" desejável para a reassunção daquela paz, daquela introspeção, daquela interioridade que convidam ao silêncio dum quarto na semi-obscuridade de um único candeeiro aceso, onde apenas tamborila a chuva miúda na janela frente a mim, e onde a música relaxante de um CD de clássica, me confortam e aninham.
Beethoven, Schubert, Schumann, Mozart ... desfilam doce e lentamente, enquanto as palavras descem ao teclado e a tela do monitor se compõe.
Uma verdadeira tarde sonolenta, com o horizonte fechado além dos prédios mais próximos, um cinzento cerrado e um silêncio que eu diria absoluto, parecem dizer que tudo dorme lá fora ...

Estamos numa época do ano em que a "hibernação", a ausência aparente de vida, o intimismo que se respira dentro e fora de nós, nos remete para um aquietar das emoções, dos impulsos, dos sentimentos.  É mais um período de passividade do que de actividade.  É mais um período de reflexão, de análise, em que somos mais espectadores de nós mesmos do que actores e construtores de novos caminhos.
O Natal espreita já, melancólico, tristonho como eu sinto todos os Natais, silencioso e despojado como cada vez mais os vivencio.  A turbulência, a agitação, o brouhaha das festas cada vez menos me motiva.  Apetecia-me afastar-me dos lugares, das pessoas que me são indiferentes, de quem faz apenas número e cumpre calendário, apetecia-me ficar apenas com os que me aquecem a alma, com o silêncio das memórias, com o calor com que elas preenchem o gélido dos vazios deixados nos dias e nos tempos ...

Por estes dias tomei uma decisão há muito adiada e que se arrastava ano após ano, por tibieza de vontade, por saudosismo e por falta de coragem mesmo.  
Custo muito a desligar-me das coisas, não pelo seu valor material ( a esse não dou qualquer importância ), mas porque cada coisa é uma história, cada coisa é uma pessoa, uma palavra, um momento ...
Cada coisa tem o cheiro próprio do instante, tem a luz do que foi vivido, tem o som do que foi dito ... tem a gargalhada, o suspiro ... a lágrima que escorreu ...

Escancarados os roupeiros, despendurado o recheio de cada cabide, olhada com a indiferença e o distanciamento possíveis cada peça, procurando despi-la da emoção que lhe estava agarrada, da representação que configurava, foi a vez de dizer um basta e de separar definitivamente o que ficou no coração e na alma e o que cada trapo representou.
Isto estava comigo há catorze, há 15 anos ... isto foi usado nesta e naquela circunstância ... isto está associado a ... e por aí fora ...
Chega !  Não vale a pena esta espécie de flagelo à memória, este mau-trato a mim própria !  Definitivamente, o tempo foi, passou, foi o que foi e não é mais.  E este "grude" fétido, empesteado e doentio, tem que ser banido, raspado da minha pele e da minha memória.  Chegou a hora de exorcizar os meus "fantasmas", de acabar com esta intocabilidade, este "respeito" absurdo, como se estivesse a cometer o crime de violar uma espécie do santuário que todo aquele guarda-roupa religiosamente conservado, representou ... Tudo isto é louco demais, anormal demais ... doente demais !...
Mas acabou !
A página virou, a esquina dobrou, o livro fechou-se ... para sempre !!!  

Às vezes é preciso tomar decisões radicais nas nossas vidas e expurgar de nós mesmos muita coisa que nos dói  mas de que, pela significância assumida, não nos foi fácil, atempadamente, fazer o corte.  
Felizmente um dia a razão fala mais alto e a lucidez acaba por imperar. Afinal nada é eterno ... nada persiste para sempre !!!

Anamar

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