quarta-feira, 8 de fevereiro de 2023

" O INFERNO É POR AQUI MESMO ..."



No silêncio deste canto, no aconchego da música que toca e na luz velada lá de fora, vagueio em pensamentos avulsos por aí, sei lá para onde ou por onde ... 
Vou, só porque vou, ao sabor da rapidez da mente, orientada pela força de sensações experimentadas que se tornam emoções inquebrantáveis no tempo que vai passando ...

E o tempo vai implacavelmente correndo, indiferente, sempre indiferente a tudo, seja a angústia, seja a mágoa, seja a dor, o desespero... seja a impotência, o cansaço, a incerteza, a já desesperança.
Mais de dois dias passaram por cima da última e devastadora catástrofe que assolou o mundo, na forma de um terramoto de dimensões monstruosas que varreu dois países já de si débeis, a Turquia e a Síria, sendo que este último sofre há muito, o ónus de uma guerra sem quartel com que o Homem presenteia o seu semelhante com a indiferença sádica sempre inexplicável e cruel dum sofrimento desta natureza.
A esperança de resgatar sobreviventes de debaixo dos escombros é praticamente nula, com o passar das horas, com o frio gélido que se faz sentir, com a dureza das condições de trabalho das equipas especializadas, que de muitos países do mundo, de imediato se fizeram presentes.  A iminência de mais derrocadas em estruturas totalmente fragilizadas expostas às inevitáveis réplicas que ainda se fazem sentir, periga inclusive a vida de quem socorre, em desespero. Estima-se já que os mortos possam atingir cerca de vinte mil
As notícias proliferam nos espaços informativos, as imagens correm mundo, insaciáveis, tenebrosas, aterrorizantes.  O pavor face ao que se vê nas televisões, tolhe-nos, paralisa-nos, enovela-nos o estômago, embrulha-nos a alma.
E extasiamos face ao que chamamos de milagres. A menina de dezoito meses que escapou incólume mas perdeu a mãe grávida e os irmãos.  O menino adormecido encontrado vinte horas depois, que pergunta estremunhado, o que aconteceu ... ouvindo em resposta que é um herói ... 
Um herói ?! O que representará na cabeça daquele menino, talvez sozinho no mundo neste momento, "ser um herói" ??...
Ou, o que para mim foi a imagem mais tristemente irónica e doída ... a recém-nascida parida debaixo dos escombros horas depois do sismo, ainda ligada à mãe pelo cordão, e que a insanidade da natureza trouxe à luz do dia ... Sem mãe, sem pai, sem família  ( todos encontrados mortos sob os destroços do prédio onde viviam na Síria ) ... sem nome, sem nada nem ninguém ... apenas a vida, o terramoto lhe deixou, naquilo a que chamamos "milagre" ou "sorte" ...
Será que algum dia, na sua estrada, ela se sentirá compensada, por este golpe de "sorte" ou milagre no seu destino ??!!
A aleatoriedade da existência ... a lotaria ... o xadrês ... Como sempre sem resposta, sem justificação, sem mérito !...
E Deus, onde ??  Porquê, os pobres dos mais pobres, os mais desprotegidos ou desfavorecidos, os mais vulneráveis, são os que, sem defesa ou capacidade, mais insensivelmente são jogados na roleta voraz e impiedosa do sumidouro da vida ?!...
E as crianças, Senhor ??...

Entretanto a guerra na Ucrânia continua, bárbara, destruidora, insidiosa numa carnificina louca e imparável, fazendo um ano dentro de dias. 
À surpresa, ao choque, à raiva e ao ódio, seguiu-se a incredulidade, a impotência, a mágoa e a tristeza.  A dor lancinante dos primeiros tempos, as lágrimas imparáveis dos primeiros dias, deram lugar à aceitação do que parece inevitável, do que nada temos capacidade de reverter ... deram lugar a um sofrimento crónico, baixinho, manso embora doloroso e a um cansaço que sempre anestesia e quase normaliza a realidade em que mergulhamos.
Olhamos já com algum afastamento os horrores, as atrocidades, o caos ... por cansaço, por defesa ... p'ra não adoecermos com a magnitude daquilo a que somos sujeitos !

É assim o ser humano ! 
Não conseguindo eternizar com o mesmo grau de impacto aquilo que inicialmente nos feriu e destruíu, vamos vivendo, procurando a acomodação ao choque, tentando fazer com que a vida prossiga com o menor efeito colateral possível, e o tempo, correndo implacavelmente indiferente como dizia, se encarregará de nos garantir a capacidade de o continuar a viver ...
Não seremos contudo os mesmos, nunca mais.  O efeito modelador do sofrimento sentido ou partilhado, agiganta-se duma forma progressiva e o cansaço face a uma vida cada vez mais penalizante, esbate-nos a coragem, a força, a resistência e empalidece-nos o sorrir !

É então que busco guarida na natureza e me remeto à paz do seu equilíbrio, é então que me deixo envolver pelo poder curativo do seu silêncio, me embriago com a força que emana do seu poder regenerador, com a certeza que advém do genuíno, do imutável ... É então que fujo ...




Anamar

1 comentário:

Anónimo disse...
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