sábado, 18 de fevereiro de 2023

" A SUIÇA SOBRE TRILHOS "


Branco ...
Branco é o que nos rodeia.  Branco e um cinzento azulado concedido pela vegetação sonolenta que trepa as encostas, totalmente salpicada pela neve que cai com intensidade significativa, a partir de determinada cota.
Aliás, cá em baixo, nos vales, planícies e margens dos cursos de água, a altitudes inferiores, a coloração de todo o contexto já assoma. De resto, tudo o mais é alvura, silêncio e paz e uma quietude que transforma toda a paisagem numa atmosfera onírica e mágica, quase irreal, desenhando esboços de inesquecíveis cartões de Natal.

A Suiça, donde regressei há poucos dias, tem todo um carisma muito particular. 
Paisagisticamente é um presépio a céu aberto, é uma história contada por entre montes e vales  com picos e desfiladeiros que se sucedem, com os cumes das montanhas desafiadoras em recorte, ostentando os seus gelos perpétuos, com os seus planaltos quase sempre acolhendo estâncias turísticas de desportos de Inverno, com os seus lagos serenos e adormecidos, com os seus cursos de água que serpenteiam em busca de caminho livre na direcção ao oceano lá longe ... porque de um país interior se trata.
A sua beleza natural não se descreve.  Não há retratos por mais bem pintados que o sejam, não há textos por mais fiéis e ricos na descrição, não há fotografias ou vídeos disputando os melhores ângulos, que consigam aproximar-se só, daquilo que os nossos olhos têm a felicidade de enxergar.  Porque o que se contempla, cheira, escuta e sente sempre fica a anos-luz para lá de todas as tentativas que fizemos na aproximação.  
Ancorada numa montanha feroz que sobe frequentemente a milhares de metros de altitude, os Alpes, a Suiça como o seu queijo ancestral que todos conhecemos, é perfurada pelos inúmeros túneis que atravessam a rocha.  Essa, a forma possível encontrada para obviar a mobilidade através do país.  Os túneis e os viadutos surpreendem,  levando sempre mais e mais além, qualquer viagem desejada por muito difícil que parecesse ser.
E a cada momento a surpresa de mais um túnel, a perplexidade de mais um viaduto altaneiro abrem passagem a mais um comboio, meio de comunicação privilegiado no país.
São transportes de alta qualidade, muito bem organizados, com o rigor e a eficácia tradicional desta terra, onde se tem a noção clara de se tratar de um país que efectivamente "funciona".  
Viajei em alguns comboios, nomeadamente destinados ao turismo, como o comboio de cremalheira que nos levou montanha acima até Jungfraujoch, 3571 metros, naquilo a que chamam o "topo da Europa", o Golden Pass, ou o mais icónico e inesquecível de todos eles, o comboio turístico de alta velocidade mais lento do mundo, o Glacier Express que nos transportou de Zermatt a St. Moritz durante mais de oito horas, num percurso de 300 quilómetros atravessando noventa e um túneis e duzentos e noventa e um viadutos num sobe e desce fascinante, atravessando de oeste para este o território suiço.
Esta "lagartinha vermelha" que serpenteava entre altitudes variáveis  ( 1804m a 670, a 2033, de novo a 585 para finalizar a uma altitude de 1775 m ), passou por pequenas aldeias e lugarejos encarrapitados nas encostas cobertas de neve, lugares míticos, preguiçosos, onde a presença humana parecia inexistente.  Apenas o fumo que subia das chaminés, a lenha empilhada em lugares protegidos e as torres das igrejinhas meticulosamente cuidadas, atestavam não serem lugares abandonados ...
Braços fora das janelas segurando as câmaras, na ânsia de se reterem os melhores e mais irrepetíveis momentos vividos, pesassem embora as temperaturas fortemente negativas que se sentiam ... tentavam guardar para todo o sempre o fascínio, a surpresa e o maravilhamento que nos tomavam ...
Cá dentro, total conforto numa carruagem climatizada e envidraçada, onde usufruímos de uma refeição como se numa mesa de restaurante tradicional estivéssemos. 
Nas subidas e descidas percebia-se a activação da cremalheira para que os metros de acentuada inclinação fossem vencidos. 
As estâncias de sky desvendavam os praticantes em actividade e os meios mecânicos e os teleféricos de apoio, em movimento.
A Garganta do Reno ( o maior rio da Suiça aqui nascido e com um curso de 375 Km neste país ),  não é mais do que um vale glaciar, um canyon com milhões de anos que se formou pela erosão das águas dos degelos glaciares, que rasgaram e esventraram as montanhas, com paredes rochosas de ambos os lados que podem atingir os quatrocentos metros de altura.  Trata-se de um acidente orográfico imponente, magnífico, esmagador, desfrutado em plenitude a partir do Glacier Express, que acompanha o leito do rio ora numa margem, ora na outra.
O Reno atravessa a Suiça, faz fronteira e atravessa a Alemanha, Países Baixos e desagua no Mar do Norte, a sul de Roterdão, após percorrer 1320 Km.

Durante esta inesquecível viagem poderia pensar-se que a paisagem que se estendia aos nossos olhos fosse monótona, fastidiosa, repetitiva ... Engano !  Foi sim de um êxtase absoluto, foi um prémio para os sentidos, uma gratificação para a alma! Foi um presente generoso de uma natureza que se impõe e se obriga a ser respeitada ! 

E era noite quando a estação de St.Moritz se anunciou.  Lá fora -10ºC nos aguardavam no dia que já havia descido.










Anamar

1 comentário:

Anónimo disse...

Pois é! Em Portugal não se aprende, basta olhar para os comboios da linha de Sintra.
Suíça consegue ser dos países mais ricos do mundo, com segredos simples, como o rigor, e principalmente escutar a maioria de população com referendos sobre os temas mais diversos.
Conseguem ter uma identidade própria mesmo tendo culturalmente cantões tão diferentes como o alemão o francês e o italiano, é obra !
Jonas