segunda-feira, 20 de março de 2023

" CURTAS ... "



Tanto me lembro da minha mãe ... a propósito de tudo e de nada ! Uma frase, um pensamento, um ditado, sim, porque a minha mãe era uma mulher de adágios.  Colocava-os nas ideias e nas frases, com toda a propriedade e como uma menina travessa, meio comprometida, como quem fez uma pirraça, ria e dizia a propósito :   " Vocês um dia vão lembrar-se muito de mim ! " 
E não é que me lembro mesmo ?!... Mais ... lembro o seu ar encabulado e dou por mim também a ser uma mulher de provérbios ...
Somos alentejanas, província de características muito próprias e particulares.  Com vivências únicas, acredito, com estares bem distintos, com sentires talvez diferentes ;  até na linguagem, além do sotaque e da  entoação cantada, se consegue pressentir essa singularidade.

Fisicamente reencontro no olhar que o espelho me devolve, a expressão dos olhos dela e tal como ela, nas últimas etapas da vida, as lágrimas se me soltam sem censura ou auto-controle.  Fácil, fácil, me emociono com qualquer coisa, sobretudo se forem coisas que não se explicam, só se vêem, sentem, percebem ... chegam e tomam-nos de assalto, do nada, num piscar de olhos.
É uma borboleta amarela que volteia à minha frente pela mata, como se me abrisse o caminho e me convidasse a segui-la ... é o olhar terno e desprotegido de um animal entregue ao seu destino, é o silêncio encantado duma vereda onde o sol faz negaças p'ra entrar ... é  o  chilreio, o  pipilar,  o  trinado e o  assobio  das  aves  que  demandam  poiso  nas  copas altaneiras, ou o grasnido das gaivotas que aqui  por  cima  bailam  na  aragem  que  corre ...
É o sol que se põe de novo, é o rasto do avião que risca o céu e conta histórias de lugares distantes ... é o  som  da  brisa  que  vai  e  que  vem,  ou o  som  do  ribeiro  que só vai,  já não vem ...
Enfim ... o coração parece ter-me subido aos olhos ou ao pé da boca, como soi dizer-se.  
Um inexplicável nó, pouco previsível e justificado aperta-me a garganta, a voz embarga-se e a emoção toma-me de jeito ... e pronto, lá vão as lágrimas que rolam rosto abaixo... tal como a ela ...
Estou frágil, sinto-me com as resistências tombadas, ameaço tombar junto com elas ...
E afasto-me de todos, isolo-me o quanto posso, fujo do convívio ... não tenho a mínima margem de capacidade, paciência ou sequer vontade para abrir a alma, para franquear o espírito, para escancarar o coração.  
Não vale a pena.  Cada ser humano tem só por si, cada vez mais nos tempos que correm, a difícil empreitada de gerir os seus próprios destinos, a tarefa hercúlea de desembaraçar o seu próprio novelo, tem o que chegue para se ocupar, afligir e enlouquecer com todas as pirraças e todas as jogadas do seu próprio tabuleiro de xadrês ... para que possa, nem por instantes desviar o seu próprio foco para as maleitas do vizinho.  As pessoas vivem perdidas nos seus redutos, já ninguém ouve ninguém ou é capaz de percepcionar a invernia que vai ali ao seu lado.
Não há partilha, não há entendimentos cúmplices, as linguagens são meras conversas de surdos ... E depois, não há tempo, obviamente não há tempo ... e também já nem adianta !
Fica um vazio tão doídamente grande quando a vida, o afastamento, o tempo ... as vicissitudes que nos atropelam, levam pessoas próximas a desconhecerem-se, a perderem-se pelas esquinas, a virarem páginas, a silenciarem tudo o que era, o que foi, a zerarem histórias, emoções, momentos, risos, afectos ... sentindo a total e absoluta incapacidade de reverter as vivências.
É como se, em vida, assistíssemos e vivêssemos infinitas e irreversíveis partidas.
Parece que a nossa vida é agora uma mera sobreposição de despedidas ... nada mais !  Nada já se recupera, porque nós mesmos já partimos do nosso caminho, faz tempo !

Dou por mim com uma saudade sem fim de realidades que foram.  Os tempos intermináveis da Covid foram insensíveis coveiros nas nossas existências.  Foi um pouco assim como o "day after" de
uma catástrofe acontecida, um terramoto, uma cheia, uma guerra ... em que a realidade que nos acolhia, num virar de página se descaracterizou completamente.  Os sítios já não são os mesmos, as pessoas já não estão lá, as rotinas dos momentos vividos esvaziaram de significado... Como se o mundo tivesse, num abrir e fechar de olhos, sofrido um varrimento inelutável e sem volta !
Foi como se tivéssemos desaprendido de viver, de falar, de estar.  Agora, aquilo que queremos parece ser apenas paz, silêncio, um canto para pousar a cabeça.  Tudo o mais é cansativo, não nos gratifica ou acrescenta ...

E pronto, este é o meu estado de espírito neste momento... uma espécie de marasmo, uma rotina entediante, uma coloração de cores mortas sem os tons quentes e provocadores dos momentos felizes ...
Um desinteressante e fastidioso desfolhar de horas, dias e meses ... cinzentão, chato e cansativo !...

Anamar

1 comentário:

Anónimo disse...

Que grande neura, afinal que se está a passar ?
O Mundo ainda não acabou.
A vida e as viagens esperam-te.
Que melhores o teu estado de espírito.
Jonas