terça-feira, 7 de março de 2023

" NUNCA DIGA ..."




Do baú das memórias do Facebook, hoje, dia 4 de Março "saltou-me" uma dolorosa recordação de há dez anos atrás.  Nesse dia também cinzento e triste, partiu da minha vida uma amiga que partilhou comigo a sua, talvez por uns treze ou catorze anos.  Uma amiga muito especial, com quatro patas, olhar manso, doçura infinita ... companheira, mais que muitos, em momentos particularmente difíceis com que me cruzava então.
A Rita que me veio parar a casa de forma enviesada e inesperada, foi o animal que mais me marcou para todo o sempre.  Na realidade tratava-se de um gato, e chegou com a baralhação de sexo, provinda da residência universitária que a havia acolhido, onde, entregue exclusivamente a rapazes traquinas e irresponsáveis, era tida como um mero brinquedo para gáudio das suas brincadeiras e travessuras, quase sempre meio atoleimadas.  A Rita vivia apavorada, metida num roupeiro, seu reduto preferido de segurança, até que acabou vindo viver comigo.

E comigo ficou, fazendo companhia ao Óscar, outro bichano, esse mauzinho, que nunca nos poupava duma valente arranhadela ou dentada, quando muito bem lhe comprazia.  
Bem ao contrário, a Rita era o cúmulo da doçura, era a companhia sempre presente, era a partilha de amor sempre disponível.  Tinha a ternura de um bebé em forma de gato !
Contudo sempre tímida, medrosa, assustada, com as marcas deixadas de um início de vida problemático, ela que já havia sido encontrada no motor de um carro, em pleno Inverno.
Com um destino figuradamente pouco promissor, a Rita usufruiria finalmente duma existência em paz, quando veio viver em minha casa.
Talvez por tudo isso e pelas memórias pregressas, sempre foi um gato assustadiço, hesitante, inseguro. Só que também, duma humildade, duma dedicação, duma entrega sem limites a todos aqueles com quem vivia, demonstrando assim uma gratidão ainda maior, se possível, que a gratidão e o afecto incondicional e desinteressado que os bichos sempre dedicam a quem com eles convive.

Por tudo isto a Rita foi um marco afectivo e emocional indelével para todo o sempre na minha existência !
Partiu em 2013.  Acabaram de passar dez anos exactamente, quando pelas cinco da tarde desse 4 de Março ela se tornou mais uma estrelinha no meu firmamento ...

Estrelinhas que foram sírios nos nossos caminhos enquanto por aqui nos acompanharam ... estrelinhas que se tornaram memórias doces quando o destino delas se apropriou ...
Estrelinhas ... é assim que procuramos amenizar a dor da sua ausência.  É essa a imagem ternurenta com que respondemos às crianças quando interrogados sobre o significado da morte, da ausência, da partida dos seres que nos foram tão queridos e que nunca mais sairão das nossas histórias ...

Jurara não ter mais gatos.  Jurara atravessar a dor sofrida com uma incapacidade futura de voltar a ter outra Rita na minha vida.  Quase sempre juramos !  O vazio deixado mata-nos tanto por dentro, que parece secar qualquer futura possibilidade de nos darmos outra vez.  A ausência sentida no luto experimentado, remete-nos para uma negação que parece insuperável ...
"Acabando esta geração, não voltarei a ter mais gatos " - verbalizei há dias à veterinária, quando o Chico, aguardava a "sentença" que o esperava - uma diabetes crónica com valores de açúcar muitíssimo elevados, e obviamente uma previsão anunciada de um futuro ameaçadoramente precário, pela frente.
"Não diga isso !"  foi a resposta.

Neste momento, não sei.  Não sei se virei a ser capaz outra vez de reescrever uma nova história, não sei se serei capaz de iniciar mais um novo percurso ... de voltar a atravessar tudo aquilo que, nunca esquecido, já me ficou para trás, com todos os animais que me atravessaram a vida.
O Óscar, a Rita, o Gaspar, o Nico, a Dalila, a Nicas, a Concha ... por todos eles já chorei lágrimas de sangue, por todos eles o meu coração se espremeu de dor ... com todos eles, também eu morri um bocadinho por dentro ...


Anamar

1 comentário:

Anónimo disse...

Quem gosta de gatos , cães e outros animais e os recolhe da rua, nunca diz NÃO.
Até mesmo quando se lhes arranja um dono /a e por qualquer razão o animal em causa, cria condições para ter um outro dono.
Eles escolhem, são inteligentes, meigos e muitas vezes safados/as
Mas são muito melhores que muitos seres humanos.
Portanto deixa de ter dúvidas sff
Jonas