Hoje acompanhei uma amiga de toda a vida a um cartório notarial onde ela foi fazer a escritura de um apartamento adquirido há cerca de dois meses.
Tem ela talvez mais uns três anos que eu, e há tempos atrás essa mudança na sua vida seria impensável. Ou talvez ela a não quisesse verdadeiramente questionar.
Tendo contraído poliomielite em criança, e tendo ficado com sequelas da doença, o que lhe conferia em permanência algumas restrições motoras, sofreu, em acréscimo, um acidente grave fará exactamente um ano agora em Dezembro, com uma consequente lesão na coluna, que a atirou para uma recuperação longa e difícil, e uma perspectivação diferentemente obrigatória da sua vida futura, no dia a dia.
A Fatinha que sempre viveu exclusivamente com a mãe, teve uma vida com a normalidade possível. Era e é totalmente autónoma, viveu em pleno a sua vida profissional até à aposentação, com sucesso absoluto e competência reconhecida, e depois da mãe ter falecido passou a aproveitar essa liberdade imposta, para viajar, com um grupo de colegas de profissão.
Sem dificuldades económicas, deambulou, de leste a oeste, pelo mundo inteiro. Aproveitou portanto, o melhor que pôde, a disponibilidade que a vida lhe ofereceu.
Havia um senão. A Fatinha viveu e vive ainda num prédio antigo, num segundo andar sem elevador, o que, se até aqui ia dando, melhor ou pior, para ir levando, depois da fatídica queda sofrida há um ano, as dificuldades aumentaram substancialmente, e ela passou a ter uma vida praticamente confinada ao espaço habitacional, limitada portanto na sua liberdade de movimentos.
As amigas insistiam que ela deveria encarar a sua realidade e mudar de casa o quanto antes, alertando-a para o normal avolumar das dificuldades face à implacabilidade do decurso dos tempos, o que parecia não fazer muito eco junto da Fatinha, ligada sobretudo emocionalmente ao espaço adquirido pela mãe e sempre com ela partilhado.
Até que, um qualquer clique inesperado, fez eco na sua cabeça. Acho que, da noite para o dia, decidiu que o rumo seria não pactuar com uma aparente negação da realidade, encará-la de frente e decidir a vida. Assim o fez, e desencantou o imóvel à medida dos desejos em velocidade de cruzeiro.
Em dois meses, a Fatinha encontrou um apartamento fantástico, localizado num lugar de excelência, com todos os requisitos necessários e mais ainda.
E hoje foi então realizada a escritura do mesmo.
Fui buscar esta história, porquê ?
Porque, à minha frente estava uma Fatinha decidida, resolvida, com a felicidade de objectivos cumpridos, que alimentou sonhos e está a realizá-los. Uma mulher que sempre aparentou ser dependente, até meio atrapalhada face à vida, com uma experiência pouco desenvolvida, já que sempre viveu com excessiva rede protectora enquanto a mãe foi viva, surge agora já neste timing com disposição, vontade, confiança e fé ... sem fantasmas ou medos, parece ... pelo menos com a coragem necessária a iniciar mais um ciclo, ou a recomeçar uma nova estrada !
De alma aberta a novos sonhos !
Mexeu comigo este episódio, um destes dias explico porquê ...
Anamar
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