domingo, 28 de julho de 2024

" ÁFRICA ... "

 


Enfim ... África é "aquela coisa " ... Não se descreve, não se explica, só se sente ...
É um misto de sensações e de emoções que nos extravasam e nos deixam impregnados até à alma, de algo invisível que nos desperta os melhores acordes da essência de nós mesmos.

Conheci África nos idos anos 70.  Vi-a mas não a senti, menos ainda a usufruí ... sequer desejei "tê-la".
Pela primeira vez deixara os meus pais, era uma recém-adulta, se é que os vinte anos se podem considerar já, como um período de adultícia.
Rumara a África onde não tinha ninguém, só eu e o homem com quem casara quinze dias antes.
Era uma menina acabada de sair do lar paterno, a minha vida havia experimentado uma reviravolta total.  Tudo mudara, tudo era desconhecido, enorme, avassalador, eu estava verdadeiramente num trapézio sem rede ... e África esperava.me.
Vivi dois anos em Luanda e aprendi, com algum sofrimento, a conhecer aquela terra ardente, de chão vermelho, de acácias e embondeiros, onde os limites e os horizontes estavam sempre mais além, onde o apelo da terra era um chamamento de cheiros, de cores e de sons estonteantes e irrepetíveis em qualquer lugar do mundo e onde a única palavra definidora era liberdade !...

Reencontrei África muitos anos depois, mas igual a si própria, envolveu-me de novo naquele abraço de carinho, de afecto, de calor humano, tão grande quanto aquele que abrasa a savana, tão generoso quanto o céu negro pontilhado de fogueiras acesas em cada estrela que o ilumina, tão misterioso e indizível quanto uma mágica que não se consegue alcançar nunca, porque os mistérios também não se explicam !

África é o cólo primordial, é o útero materno indefectível, é o irrecusável chamamento ás origens ... é o silêncio doce dum berço sem tempo, rumo à eternidade !...

Anamar

quarta-feira, 10 de julho de 2024

" PEDAÇOS "

 


A minha vida amodorrou como já aqui referi vezes sem conta.  É como se tivesse deitado para a sesta, debaixo de um chaparro lá pelo meu Alentejo.
Vivo assim uma coisa pouco "temperada", insossa, desenxabida, cinzentona ... E para mim, não há pior que isso, essa falta de cor, esses dias vividos por viver, numa espécie de mero cumprimento de horário, sem entusiasmo, vontade, alegria, sem perspectiva, sem horizonte ... sem sonho ... sem metas !

Sou uma pessoa de "copo meio vazio", muito desesperançada, sem grande capacidade de luta ou reacção, como o náufrago que acha que já não compensam mais braçadas, ainda que a praia se divise, à distância de mais um esforço.
Soçobro, ou julgo que sim, perante maiores exigências de vida. Não me aprecio particularmente, e tenho-me em pouca estima ou valorização.
Às vezes, quando olho vidas ao meu lado, penso: eu não conseguia, eu já tinha desistido !
Pareço buscar portanto, o mais fácil. Não tenho arcaboiço p'ra grandes coisas, na verdade, mas insatisfaço-me afinal com prestações fracas e pouco exigentes.  Sempre fui perfeccionista, e isso quase sempre arrasou e arrasa a minha vida, porque nunca serei suficientemente "boa" para cumprir os desígnios que teria como ideais, e o meio termo não me faz feliz !
Sou mulher de oito ou oitenta. Sou sôfrega, sempre fui, no viver.  Equilíbrio não é comigo, nunca foi. 
Revigoro-me com emoções fortes, não gosto do trivial, com dificuldade vibro com fasquias "normais" ... coisa de gente, comum, que não me preenche. 
Por tudo isto, e em análise mais pormenorizada e aprofundada, flagro-me como sendo uma out-sider da vida, desajustada às realidades duras e objectivas das pessoas ditas enquadradas.
Portanto, existe uma digladiação constante e objectiva, entre mim e mim, que, costumo dizer, começa de manhã ao pôr os pés fora da cama, e se arrasta até à misericórdia do sossego nocturno.  Um cansaço e um desgaste insano e sem tamanho !

As minhas filhas têm de mim, creio, uma imagem e uma opinião pouco generosa e benevolente.  Acusam-me frequentemente de ter procurado sempre uma perspectiva mais facilitista na vida, acomodada, pouco lutadora e ousada, procurando os caminhos mais acessíveis e menos massacradores.
Penso que acreditam que me posicionei no mais fácil, no mais cómodo, no menos trabalhoso e exigente.
Olham-me como a "dondoca" mimada que de pouco investimento, tirou grandes lucros, a menina sempre poupada às grandes exigências da vida, a qual nunca lhe exigiu esforços titânicos e merecíveis.
No deve e haver, permitem-se mesmo tecer considerandos, analisar e até opinar, quase sempre doutoralmente, sobre realidades do meu percurso pregresso, que obviamente, temporalmente não têm dados para poder avaliar.
Aquela coisa bonita de se ouvir às vezes em conversas ou até entrevistas mediáticas a figuras públicas, em que os filhos manifestam gratidão, ou mesmo enlevo, orgulho e admiração pelos pais que tiveram ... nunca correrá o risco de comigo acontecer ...
Cá está, admito que os meus pais de tudo fizeram pra me aligeirar o piso, filha única que fui, no seio de progenitores cultuando o desiderato típico das suas gerações, proporcionar aos filhos o que eles próprios não puderam usufruir ... uma protecção excessiva e perniciosa que me acompanhou por todo o meu percurso enquanto foram vivos, uma inépcia que me incapacitou de enfrentar com denodo, coragem e sabedoria, a vida real !
Mas que culpa tive eu disso ? Bem ao contrário, o resultado prático foi exactamente o inverso ... não fui preparada para encarar os reais desafios da vida que me esperaria cá fora, quando tivesse que enfrentar o abandono do casulo.  Não ganhei armas nem de defesa nem de ataque para a luta real do dia a dia que me aguardava, em suma fiquei pouco apetrechada para ultrapassar os obstáculos inevitáveis, menos ainda no meio de pessoas traquejadas para isso.
Qualquer uma das minhas filhas tem um "know how", um "savoir faire" em matéria de viver e sobreviver que fica a anos-luz de mim !  Apesar de por vezes lamentar a dureza, fico muito feliz, orgulhosa e tranquila por isso !
Afinal, penso que se calhar não as lesei, não as ajudando tanto quanto me reivindicam ou desejariam ...

Bom, este meu post de hoje foi uma deambulação pelo meu eu interior, deixando que a voz das profundezas do meu coração emergisse , como se me ouvisse, pensando alto ...

Anamar

terça-feira, 9 de julho de 2024

" O QUE FICA ... "

 


Costuma dizer-se que ninguém morre enquanto for lembrado na memória de outro alguém.  Verdadeiramente partiremos quando a sombra em que nos tornamos se vai esbatendo até que ninguém já fale ou pelo menos lembre, aquela pessoa.
E "aquela pessoa" será seguramente lembrada, pela pegada que deixou atrás de si ...

Este fim de semana tive comigo a tempo inteiro, a minha neta mais nova, dos quatro que constituem a minha sucessão. Tem apenas sete anos, mas arguta, atenta e com uma capacidade cognitiva, acredito, que fora de série. 
Hoje em dia, mercê do tipo de vida que se vive, dos desafios, das exigências da mesma, das solicitações, do convívio com que nos confrontamos, dos recursos a todos os níveis de que dispomos, as crianças são na generalidade vivaças, chamadas em permanência  à intervenção familiar e social, solicitadas a uma posição constante de afirmação e posicionamento face aos desafios diários que se lhes apresentam.  Por isso a Teresa será por certo par para os amiguinhos e colegas seus contemporâneos, da vida do dia a dia ...
Eu é que sempre me maravilho com isso ...

Quando a minha mãe partiu, a Teresa tinha apenas dez meses.  A minha mãe vivia então na mesma casa, onde a minha filha era cuidadora informal da avó, e onde veio a falecer rodeada do cuidado e do carinho inesgotável que lhe era dispensado em permanência, com cuidados redobrados ou não fosse a minha filha uma enfermeira totalmente e sempre dedicada a esse papel, acrescidos pelo facto de se tratar da avó.
Assim, desde que nasceu, à Teresa foi propiciado um convívio com a "Bi", de aproximação extrema, ainda que a saúde mental da minha mãe infelizmente viesse progressivamente a degradar-se. 
Chegada da clínica, quando nasceu, logo a mãe a deitou ao lado da bisavó, na cama articulada que ocupava, nunca subtraíu a filha ao amor e ternura que ela lhe devotava, preocupava-se em fingir que a Teresa era cuidada pela Bi, tentando assim ter uma atitude pedagógica em prol da avó, que dessa forma se sentia responsável pela bebé, fazendo-a sentir útil, valorizando o seu papel, o que no meio da demência que se veio acentuando, era um lampejo de felicidade para a minha mãe.

Como disse, quando a minha mãe nos deixou, a Teresa era apenas um bebé de dez meses, mas em permanência e para todo o sempre, a memória daquela avó persistiu na recordação da Teresa.
São as fotos, os vídeos, os lugares, as coisas da Bi... o que a Bi dizia, o que fazia, como fora, o que falava sobre a Teresa ... tudo é perguntado cem vezes ...
"Avó, posso beber café na chávena da Bi? "  "Esta é a árvore da Bi " ( referência ao jacarandá que permanece no jardim e que era o encanto da minha mãe ), "A Bi também tinha uma máquina igual a esta !" ( comentário a uma Singer existente numa casa onde entrou ) ...
A Bi está "na estrelinha", segundo as informações fidedignas 😌😌... a Bi até fala com ela de quando em vez, e aí pelos três anos, ter-lhe-á atirado uma boneca cá para baixo ... Nos jogos de futebol, a Bi, aficionada que só, "está triste, ou alegre, ou mesmo muito contente", face aos resultados alcançados, pelo seu Sporting, pela Selecção de Portugal ...
Enfim ... a Bi tornou-se completamente imortal !...

Reflicto sobre tudo isto.  Prendo-me a pensar como é o percurso humano nesta passagem por aqui...
É certo que a minha mãe sempre foi muito presente na vida das netas e depois na dos bisnetos. Generosa, bem disposta, prestável, disponível, com uma fonte inesgotável de amor para todos, sempre a família foi o único objectivo da sua vida.  Por ela vivia, por ela sofria.  Os seus sucessos eram a felicidade da sua existência, os seus desaires, fonte de preocupação doída.
Ao seu modo foi feliz ... uma felicidade que analiso, às vezes, como doentia e obsessiva.  Comigo, um pouco castradora mesmo ...
Os meus avós não lembro de nunca ter amado assim, ou sequer de eles terem permanecido na minha vida, com esta presença e esta força.  Do meu avô ainda lembro algumas imagens de ternura e carinho que se me perpetuaram, apesar dos sessenta anos que decorreram.  À minha avó não me liga ou ligou sequer um resquício de afecto até hoje.  Ao contrário, penso que não conseguiu deixar-me rigorosamente nada ...
Invejo a relação a que assisto entre avós e netos, na vida de pessoas amigas que estão por aqui, de como as suas presenças são indispensáveis e insubstituíveis, de como a ligação se cultiva, se alicerça, progride e se consubstancializa, de como a partilha se materializa e levará por certo "ad eternum", a presença dos avós na vida dos que ficam depois daqueles, um dia, terem também subido "à estrelinha" !...

O que resta de nós, o que nos sucede, o que nos fica em rasto é afinal apenas o que fomos, como fomos, como deixámos a pegada enquanto por aqui estivermos, de acordo com a capacidade que a nossa impressão digital tiver de se impor com alguma definição e nitidez ... absolutamente nada mais !...

Anamar

quinta-feira, 4 de julho de 2024

" TALVEZ SEJA URGENTE ... "


Dia 2 de Junho passado, foi, ao que consta, o último dia em que postei algo por aqui.  Mais de um mês entretanto decorreu.

Tenho tido um problema de saúde que pareceu mais grave do que afinal será, contudo trata-se de uma questão algo incapacitante na medida em que é limitativa da locomoção, além das dores que transmite.
Contudo o meu maior receio, que seria a existência de uma hérnia discal, dissipou-se, e as dores têm-se atenuado com as tomas sistemáticas e ininterruptas de analgésicos e anti-inflamatórios. 
No fundo trata-se apenas de um problema de comprometimento a nível da coluna, afinal apenas típico da idade, fruto dos maus tratos que ao longo da vida infligimos a nós mesmos e que nem sempre acautelamos ou valorizamos.
Toda essa situação me tem retirado ainda mais a disponibilidade física e emocional durante as últimas semanas, e se o meu estado de espírito nos últimos tempos não tem facilitado ou propiciado a minha vinda a este espaço, nestas circunstâncias, obviamente menos ainda.
O malfadado PDI, com que brincamos tantas vezes, mas que com o avanço do tempo, mais e mais se acentua na nossa realidade de vida !

Entretanto deixei também de fazer as caminhadas mais ou menos programadas na minha rotina semanal, o que não ajuda nem física nem psicologicamente a vivência de um percurso saudável .
A natureza, o ar livre, a mobilidade que activa todas as funções orgânicas e que durante a pandemia da Covid 19 consegui manter e respeitar integralmente, desapareceram, e se eu já atravessava um período propenso ao isolamento, à ausência de convívio, ao confinamento doentio entre as paredes desta casa, à falta de paciência  para ouvir mas também para falar ... agora tudo se agravou.
Exaspero-me facilmente com as conversas, diminuí drasticamente a tolerância aos diálogos e busco no sono o conforto de uma tão almejada quanto doentia paz.
Cada dia me levanto mais tarde, o que reduz os dias a um acordar seguido quase de um deitar, vingo-me e busco arrego numa alimentação desregrada, pois a compensação e o conforto vêm duma procura insana e desenfreada, sobretudo de doces ...
Sejam bolachas, sejam gelados, sejam sobremesas nas refeições, tudo o que for doce me aconchega e conforta ... 
Depois vêm os problemas de auto-análise, de auto-censura, de raiva pela inércia, pela  incapacidade absurda de ausência de reacção, como se me estivesse nas tintas pela falta de controle, de resistência e de lucidez face a um cavalgar de descalabro nos meus posicionamentos.
O peso mostra-se descontrolado, o desgosto face à devolução da imagem por parte dos espelhos, o desamor por mim própria, remetem-me a uma espécie de política de terra queimada em que até pareço castigar-me voluntária e masoquistamente, em que pareço querer punir-me selvaticamente de uma culpa fantasmagórica qualquer ...

E vivo triste, num crescendo de uma desistência face à vida, como se nada já me valesse a pena.  Apenas esperar que se cumpra o que me estiver destinado, num descrédito e num desapreço face a este pântano fétido onde me sinto mergulhada.
Nada me motiva, os sonhos inexistem, a esperança que nos ergue todos os dias sossobrou também, vivo como em hibernação, como se nada valesse a pena começar, porque já não tenho tempo útil de qualidade para o usufruir.
Espero, portanto ...
Os meus dias são assim, descoloridos, sem encanto ou fé ! Amanheço e anoiteço ... não faço quase nada além de deixar rodar os ponteiros do relógio.  Vivo estritamente de emoções passadas, de memórias e de mágoas também ...
Ah ... e de medos, como se um ameaçador monstro perverso me aguarde e me mostre que garantidamente, sempre será pior ... 

E assim arrasto os meus dias em silêncio, neste abandono doentio e assustador, com uma incapacidade sentida de conseguir driblar este percurso anunciado ...

Sei que estou doente.  Este calvário é muito meu conhecido, infelizmente, só que agora abate-se no caminhar do Inverno da vida, onde a escuridão já se instala, onde a via sacra ainda é mais dura de percorrer e as forças também já faltam ...

Terei que lançar um grito de socorro ... talvez seja urgente !...

Anamar