quarta-feira, 18 de dezembro de 2024

" PERDIDA POR AÍ ... "

 



"Maria, põe aí umas florinhas a Nossa Senhora"
"Maria, manda rezar aí uma missa por intenção ..."

A Maria era a minha tia, irmã da minha mãe que viveu toda a vida no Redondo, terra onde a família em maioria nasceu, viveu e morreu.  De cá, em matéria religiosa, ambas sendo crentes mas estando longe, a minha mãe apenas fazia as adequadas solicitações.
A Nossa Senhora de Ao Pé da Cruz é a Santa Padroeira da terra, cuja imagem está juntamente com a de S.João, na Igreja do Calvário da vila.  É a imagem que conheci toda a vida e em cuja procissão, pela Páscoa  fui vestida de anjinho. 
A Igreja do Calvário fica assim numa ponta da vila, está quase sempre fechada e guarda efectivamente as imagens dos santos intervenientes nos eventos religiosos da vila, mormente o Natal e a Páscoa.
Tem,  lateralmente à porta da entrada, uma janelinha bem pequena, onde por vezes se vêem pessoas de joelhos que ali vão rezar.
Existiu desde sempre uma pagela de Nossa Senhora de ao Pé da Cruz que a minha mãe manteve perto da cabeceira da cama. Não sei onde a adquiriu, sei que já a tentei encontrar nas casas de artigos religiosos, em vão.  Era uma única pagela e acompanhou a minha mãe no caixão que a transportou.
De resto tenho apenas uma ou duas fotos de um domingo de Páscoa, nem imagino há quantos anos quando levei a minha mãe de propósito ao Redondo, para assistir à procissão. Penso que foi a última vez que ali foi ...

Hoje, a minha mãe já partiu há meia dúzia de anos, a Maria  já lhe levara a dianteira, a família rareava naquele Alentejo da minha meninice.
Hoje o dia está uniformemente cinzento, o bando de gaivotas deambula baixo por aqui, anunciando que lá para aquela costa que já foi muito minha, anuncia-se  borrasca, mais daqui a pouco.
Hoje é um dia estranho para mim, um dia em que parece, mais do que nunca, que estou de passagem.
Pareço não pertencer a nada nem a ninguém.  Os sítios já não sãos meus, as pessoas também ganharam outros trilhos na vida, e nada, mesmo nada tem esboços de pertença, mesmo as memórias que parecem querer fugir por aí...
Levantei-me perto das 11 e 20 deste dia lastimoso.  Comi uma torrada e um café e regressei à cama. As únicas palavras que me escutei foram dirigidas aos gatos. A casa é um silêncio absoluto.
Saio o estritamente necessário e rápido, pareço uma fugitiva num campo minado... Não me apetece ouvir o já ouvido, não me apetece repetir o já repetido.
A minha filha será operada dia 9, a um cancro de mama . Nunca fui uma pessoa orientada para dizer o que não sinto, fazer de conta que não tenho o pavor que me sai por todos os poros, fingir que, como dizem... "ah, isso hoje já não tem problema"... quando sabemos que numa intervenção de 6 /7 horas, e dada a especificidade da doença, tudo pode ter problema ...
Sinto-me como se estivesse segura e dependurada dum arame fino e ferrugento, e a solidão é a minha única interlocutora.
E é Natal... que raiva que eu tenho que seja Natal ! Apetece-me fechar-me em casa e não estar pra ninguém, não quero lembrar realidades que já foram, já aconteceram... não são mais minhas ... perdi-as por aí ... porquê lembrá-las ??? Nada mais faz sentido !

"Maria, põe aí umas florinhas a nossa Senhora"
"Maria manda rezar por aí uma missa por intenção "!

Só silêncio ... afinal as Marias já cá não estão ... e eu nem sei bem onde e como estou !!!...

Anamar

3 comentários:

Anónimo disse...

Estimada Margarida,
Nome bem Alentejano deste Alentejo profundo, que conheci bem , noutras épocas em trabalho, e que nada tem a ver com a actualidade.
Alentejo de gente extradionaria, que sempre apreciei na vida.
Fui agora no fim da vida “auto-exilado” por políticas erradas do partido em que tenho ainda alguma influência, e que me permitiu dar um “raspanete” no ministro da pasta.
Algumas coisas por isso foram obrigados a mudar, principalmente porque também tocou aos “descrentes” na altura.
Os idosos, tem memória e não perdoam respostas idiotas, da parte de eleitos que não sabem os disparates que fazem.
Dirás que te importa isso, mas está relacionado com as dificuldades e sofrimentos da vida.
Por isso:
Esta situação que vives Margarida é sempre emocionalmente muito complicada para uma mãe.
Costumo passar na estrada que desvia para o Redondo , vou tentar arranjar-te uma pagela.
Isto são terras de Boa gente e portanto penso conseguir.
Mas sugiro também que te
Recordes do teu Pai e da proteção que sentias que te dava nos momentos difíceis, quer ele quer a tua mãe, assim como diz a tua neta Teresinha, são estrelas no céu.
Acredita nesses sentimentos que tiveste e tens e sentirás a paz que eles te transmitem a ti e á sua neta Catarina, que tudo correrá bem.
Rezar 🙏 nos crentes é uma forma de acreditar, nos não crentes será um momento de reflexão e de estares em paz contigo própria,
Principalmente quando mais é necessário o teu apoio junto da Catarina.
És como Mãe a âncora que ela tanto precisa e a quem irá sempre recorrer como sempre fez, voluntariosa e corajosa como sempre foi, está fragilizada, tem medo, só tu lhe podes transmitir a força para lutar, que ela agora tanto necessita. Irá é isso é importante para a recuperação agarrar-se a ti e á filha, já que o Zé está ausente e dificilmente saberá lidar com a situação, a Cláudia irá certamente tentar ajudar na situação concreta.
Mas….
Tu que tanto gostas de viajar, porque não viajas agora até ao Redondo São duas horas de autoestrada, e mesmo sem fé, tentas estar um tempo de recolhimento, nessa capela com tantas ligações aos teus.
De certeza que quem tem as chaves da capela, te abrirá as portas para estares em recolhimento, abre o teu coração de Mãe e não tenhas vergonha de explicar o porquê, este teu povo de origem tem-me surpreendido pela sua generosidade e solidariedade para com os estranhos como eu sou nestas terras.
De certeza que te indicam quem tem as chaves e te deixarão estar em paz contigo própria e invoca lá também os teus antepassados, que por por mistérios que desconheço actuam positivamente quando alguém sofre e os invoca.
Quem to diz, é um pecador inveterado que se afastou dos rituais da Igreja, mas que agora quando invocou recentemente ajuda , ela apareceu nos momentos mais complicados e sem saber como, pois a racionalidade dizia-me que seria pouco provável.
Quem faz o bem recebe o bem, e tu independentemente do que possas pensar a meu respeito, não esqueço que me ajudaste quando precisei.
Portanto sei que és uma boa pessoa e tudo irá correr bem.
Rezo ao meu jeito pela Catarina como pecador que sou.
Beijinhos
JONAS

anamar disse...

Agradeço tanta solidariedade. Como diz a minha filha, "há-de ser o que for" ...
E sim, como em tudo na vida, diariamente se percebe que em tudo, sempre há-de ser o que tiver que ser ...
Obrigada, contudo. Desejo-te toda a a felicidade possível nesse chão que não se nega aos que precisam. Feliz Natal !

Anónimo disse...

Muito bem , entendi o recado, melhor que ninguém, saberás como deves lidar com a situação.
Desejo que tudo corra bem.
Feliz Natal