domingo, 20 de julho de 2025

" ALINHANDO APENAS PALAVRAS ..."


Quase não sei falar.  E com as letras no papel também muitas vezes não nos entendemos.
Passo o tempo neste único espaço, a minha casa, onde os dois gatos normalmente não me ligam muito. O Jonas lá vai entendendo muitas coisas e responde ao seu jeito ... afinal são doze anos de convívio ... Agora a outra, coitada, anda meio perdida por aqui, repetindo gestos que se tornaram hábitos sempre às mesmas horas, e dorme, vinga-se a dormir... Persegue a vontade que tenho de também o fazer, mas não faço.
Será que se lembra da mata?  Às vezes penitencio-me de a ter subtraído àquele seu espaço de perigos e sustos, de frio e desconforto, oferecendo-lhe em troca, esta gaiola dourada ...
Mas enfim, cada um cumpre o seu fadário ...

Dizia que quase não sei falar, e é verdade. O silêncio e a solidão por companhia, moldam as pessoas e eu, neste momento sinto-me um pouco farta de gente !

Deixei de conduzir, praticamente. Ganhei uma estranha fobia, e o carro dorme na garagem. Se o uso, ( só para pequenos trajectos ), faço-o super tensa.  Com outros ao volante, sou uma "pendura" desaconselhada, pois admito-me insuportável ...
Antes da Covid nos assolar, tinha ( reconheço-o agora ), um saudável hábito : diariamente tomava o meu pequeno almoço no café aqui perto de casa , que os amigos chamavam a brincar de "o meu escritório".
Como era um hábito que não falhava, criavam-se mesas de grupos que já se conheciam e cumprimentavam, quase sempre aparecia este ou aquele que se sentava para a laracha ... ou se não, eu aproveitava para escrever, ir escrevendo as minhas coisas .
O facto de ir ao Pigalle abrindo o dia, "obrigava-me" a vestir bem ( sempre fui um pouco vaidosa ), variando diariamente de toilette, maquilhava-me, enfim ... arranjava-me.
Pelo menos, nesse pedaço as pessoas viam-se, sabiam-se, quase se tornavam família ...

A Covid mutilou quase tudo nas nossas vidas.  Pessoas morreram, pessoas partiram para as terras de origem ( sobretudo os mais velhos, sem obrigações profissionais por aqui ), as pessoas não se aproximavam com receios fundamentados, pois como se lembrarão, sucederam-se várias "ondas" da doença.
Os espaços físicos das cidades alteraram-lhes os rostos, isto é, com o comércio em queda, muitos estabelecimentos encerraram portas ( alguns não reabriram até hoje ), e tudo mudou. Muita coisa ficou irreconhecível !
Passei a tomar o café da manhã em casa.  Para ir dez minutos à rua, não vale a pena nem sequer ensaiar "looks" variados. A roupa de fora dorme em cima da cama.  Despendurar outra, pra quê ?
Os sucessivos confinamentos apesar de irem sendo aligeirados à medida que a profilaxia medicinal foi dando sinais de estar a quebrar a pandemia, foram alterando tudo, tudo foi, em suma, afastando uns dos outros, isolando as pessoas e criando-lhes novas rotinas ... agora, de mais afastamento, logo mais solidão, logo, menos vontade !

Eu fui ficando mais e mais, eremita, tornei a minha casa, o bunker onde me refugio, nem sei bem de quê, mas que parece ser o único chão onde me aninho.
O Homem é um animal de hábitos. Dizem-me : "Sai ! Obriga-te ! Contraria essa letargia !" Mas eu, nada !
Cumpro algumas, as inevitáveis "obrigações" sociais. Se visito alguém porque esteja doente ou só, vou logo dizendo : " Olha, não demoro, vou aí só por meia hora" ... e não sossego enquanto não regresso.
Promovo de quando em quando umas pequenas reuniões de três ou quatro colegas do antigamente, do tempo do convívio profissional, para um chá e um pastel de nata ...😃😃, é assim que costumamos dizer, apenas porque a minha saúde mental periga, e eu percebo isso.  Nada mais.
As pessoas cansam-me, entediam-me, não me apetece falar nem de doenças, nem de problemas familiares, nem de nada, na verdade, pois além das notícias veiculadas nos telejornais que sempre mais nos inquietam do que nos animam, nem televisão assisto ...
As filhas pouco vejo ( cada uma tem a sua vida e os seus interesses ), aos netos, já adultos, pouco interessa a presença ou o convívio com a avó que quase sempre esteve longe ...
Circulo na casa, de nascente para poente, de poente para nascente, endireito este ou aquele bibelot, olho os pôres de sol, ... Reclamando, mas normalmente ao longo da semana refugiava-me em caminhadas "terapêuticas", pela mata ( ultimamente nem isso, por razões limitativas de saúde ). Restrinjo ao absolutamente indispensável as compras nos supermercados ( e tenho dois à porta de casa ), pouco leio, pouco escrevo, não arrumo nada porque tudo está nos sítios quase sempre, existem coisas que poderia fazer para me entreter, mas por preguiça não faço ... Enfim ... apenas a natureza me equilibra, me aconchega ... apenas o seu silêncio me entende !
Estou a tornar-me num ser anti-social ... e percebo ser este um caminho extremamente perigoso !

Volto-me para o que foi, o que passou, para as certezas que tive na minha vida, sobre o que vivi, com quem vivi, o que conheci ... 
Porque o passado a gente conhece ... o presente é isto ... o futuro, de nada adianta projectar ou sequer sonhar.  Sinto-me com uma quebra de fôlego nessa capacidade ... Acho que os sonhos estão a opacizar-se.  É a escorrência da vida !...

Bom, fico por aqui, são quase 3 h e também me recuso a cumprir regras . Costumo dizer que sou como os bichos ... como quando tenho fome, bebo quando tenho sede e durmo se me apetece ...
E ainda não almocei ...

Até breve !

Anamar

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