domingo, 11 de dezembro de 2011

"A SENHORA QUE SE SEGUE"


A "senhora que se segue" é a "quarta a contar de cima" ... a minha segunda filha.

A minha segunda filha é uma pessoa muito especial, e acrescem-me responsabilidades ao falar dela, porque além de não ser uma personalidade fácil de retratar, é uma réplica de mim própria, e portanto fica mais difícil alcançar o tal distanciamento necessário e desejável, para o fazer.

Desde cedo, criança ainda, logo deu sinais de independência, de alguma rebeldia provocadora e voluntarismo.
Lembro sempre duas histórias por ela protagonizadas, reveladoras disso mesmo :

Certo dia a irmã estava no banho e ela assistia. Não sei precisar a idade, mas lembro que ela se debruçava na banheira, como nos assomamos a uma janela ;  isto dá-vos ideia da altura da personagem.
Como a irmã brincava com a água e com isso salpicava o chão, eu já havia ralhado várias vezes.
Então, bem baixinho, ela debruçou-se para a irmã e sussurrou-lhe :  "Ana ... atira água para o chão, para a mamã te bater" !!! ...

Sempre reivindicava a compra de pastilhas elásticas, que de vez em quando eu comprava a pedido da irmã, quatro anos e meio mais velha.
Não lhas dava, obviamente, e explicava-lhe que as teria quando tivesse mais idade.
A irmã entretanto, oferecia-lhe aqueles papéizinhos com banda desenhada que vinham no interior das pastilhas, por terem bonecos e ela poder brincar.
Um dia, "afivelou" um ar bem solene e veio ter comigo inquirindo-me : "Mamã, quando eu for crescida (e simulava com a mão uma estatura elevada), compras-me pastilhas, não compras"?
Achando que finalmente ela estava a entender a questão, sorri e disse-lhe : "Claro, filha ... quando fores mais velha, eu compro " !...
Resposta imediata : "Então depois eu dou os papéis à Ana" !!!...

Bom, isto é um pouco a Catarina pelos seus quatro anos talvez !

O tempo foi passando e esta minha filha ia revelando um interior rico, generoso, disponível, multifacetado.
Tornou-se uma jovem solícita para quem a rodeava, extrovertida, com um poder para cativar tudo e todos, que hoje em dia sempre é referido por muitos que com ela privam.

Ela sabia e sabe escutar crianças, velhos, doentes ... ela sabe dizer a palavra certa a quem precisa de a ouvir, seja o arrumador de carros da praceta, o drogado, o sem-abrigo, os amigos, os vizinhos, os conhecidos ... e os que o são menos ... todos sempre tiveram e têm, um lugar no coração da Catarina, todos sempre tiveram direito a muito do seu tempo.
Ela pára para ouvir as histórias de vida, de muitos, e nessa altura, o "seu próprio relógio" pára também ... porque esses são mais importantes que ela própria.
A sua vertente humanista, a sua boa-fé, sempre está presente, e quantas vezes é aproveitada e explorada por tantos inescrupulosos !

A Catarina é simultâneamente uma crédula, uma sonhadora e por isso uma utópica ...
É um "D. Quixote" na sua vida pessoal e profissional.
Defende as suas convicções se as entende correctas, contra tudo e contra todos, o que lhe tem acarretado alguns dissabores, má aceitação por vezes, alguma marginalização, até ...

Enfrenta o "socialmente correcto" e comporta-se ao arrepio do instituído, se for o caso ...
Não pactua com o que acha menos certo, não cede nunca, se entende que está no trilho devido.

Muitos a utilizam como estandarte ou bandeira de causas, já no liceu, na Faculdade, na vida profissional.
Não se coïbe por acomodação, benefício pessoal, ou conveniência, de dar a cara ... Não faz "fretes" ou rasteja perante ninguém para obter dividendos ...
É assim, autêntica, igual a si própria ...

Nem sempre a vida lhe facilita o percurso.
O "bater de frente", como sabemos, angaria inimigos ...
mas ainda assim, a Catarina "colecciona" (como costumo dizer), um batalhão de amigos e amigas, das mais variadas origens, que cruzaram o seu caminho.
A sua vida profissional neste momento, não lhe dá brechas em termos de tempo, para manter a vida pessoal e social que gostaria, e por isso, não se sente muito feliz.
Adora o que faz, mas precisa de "gente", vive junto de "gente", respira "gente" ...
Seguiu talvez por isso, a carreira de enfermagem.

Neste momento sente-se muito "máquina", engrenada para o trabalho, robôtizada dia após dia ... e o tempo lúdico, o tempo para conviver é sempre precário, excessivamente curto para o que necessita, para o que sonha ainda fazer no futuro.

Os animais fazem parte da sua vida.  Também com eles sempre fez trabalho "de campo".
Atenta aos "desvalidos" da sorte, pelas suas mãos e pelo seu coração, passaram muitos, entre a rua e outros destinos !
Neste momento, cohabita com um cão bem velhinho e doente, que recolheu da rua há largos anos, numa situação de precariedade total e chocante, e três gatos, dois deles vindos de um contentor de lixo, ainda bébés, claro ...

Que mais dizer sobre a Catarina???

É uma rebelde sonhadora da vida ... "Parte a cara"... mas vai lá! ...  "Dá-se mal, mas insiste, se quer muito! ...  Tem sonhos de menina, que não se compadecem da idade que já tem.

Continua a aguardar na esquina, a chegada do "Pai Natal", eu acho ...  a chegada de um qualquer "cavaleiro andante" que lhe traga um "Mundo" à medida do que concebeu e em que acredita ...

Só espero que a estrada que ainda tem pela frente, não tenha excesso de espinhos, nem demasiadas encruzilhadas, porque, tenho a certeza ... sempre se irá magoar a percorrê-la !!!...

Anamar

2 comentários:

Anónimo disse...

Anamar,
Gostei do seu "Post", se a sua filha é como a retrata, tem de imediato uma enorme vantagem sobre todas as outras pessoas, não espera pelo "Pai Natal" sabe sim , em cada momento quem tem pela sua frente.

anamar disse...

Olá "Anónimo"

Obrigada por ter comentado

Sem dúvida que estando seguramente preparada para a vida, sempre a Catarina tem tendência a "dourá-la" com uma pitada de utopia ... o que, como sabemos (os mais calejados)... talvez seja uma forma "sofrida" de a viver...

Anamar