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terça-feira, 3 de maio de 2022

" A CAMINHO DO FIM ... CHILOTES, CIDADE DAS ROSAS E TUDO O MAIS ... "

VULCÃO CALBUCO
                                                                      VULCÃO OSORNO
OSORNO VISTO DE PUERTO VARAS
                                                             NO CUME DO OSORNO

Puerto Varas, cidade chileno-alemã fundada por colonos alemães, conhecida por "cidade das rosas" por esta flor lhe alindar as ruas e pracinhas, tornaria ainda mais espectacular esta minha passagem pela Região chilena de "Los Lagos".
Como já referi, a exuberância de todo o contorno natural desta zona do país, surpreende-nos a cada momento com o avistamento de vulcões, lagos fascinantes ( com uma intensa coloração esmeralda devida à suspensão do cobre nas suas águas ), rios exuberantes em ímpeto e cataratas ... ilhas, cordilheiras e bosques ...
De facto, 40% das exportações do Chile são o cobre, constituindo esta, a sua maior fonte de receita. É o maior produtor mundial deste metal ... mais de 5 milhões de toneladas/ano.
É explorado há pelo menos dois mil anos e os indígenas já o usavam há séculos.

A cidade de Puerto Varas fica nas margens do Lago Llanquihue, o segundo maior lago chileno e o terceiro maior da América do Sul.   Do lago pode observar-se o vulcão Osorno e o cume dos vulcões Puntiagudo, Tronador e Calbuco.  Este último teve a sua última erupção em 2015, depois de 54 anos adormecido.
Ao cume do Osorno, 1670 m, eu subiria mais tarde em cadeiras de montanha, desfrutando duma panorâmica de tirar o fôlego !
Igualmente inesquecível viria a ser o passeio de barco pelo Lago de Todos os Santos ou Lago Esmeralda, quase 200 m acima do nível do mar, situado a 76 Km da cidade e integrado no Parque Nacional Vicente Perez Rosales, o primeiro Parque Natural do Chile, criado em 1926.
Este Lago teria sido nomeado em 1 de Novembro de 1670, pelos jesuítas.  Ali nasce o espectacular rio Petrohué, que desemboca no mar, 36 Km adiante.  As suas cataratas, "Os saltos do Petrohué", deixaram-me fascinada.  Respira-se uma interioridade, uma cumplicidade silenciosa com tudo o que nos rodeia, um intimismo partilhado com a natureza no seu estado mais puro e genuíno !   
 
A viagem ao Chile não ficaria completa, posso dizer, sem uma visita à carismática Ilha de Chiloé, o maior território insular deste país, atravessado de norte a sul pela Cordilheira da Costa, e situado obviamente no Oceano Pacífico.
A Ilha Grande de Chiloé é a maior do arquipélago de Chiloé, composto por mais de três dezenas de ilhas, a maioria desabitadas, situado, como disse, ao largo da costa do Chile, na Região de Los Lagos e é a quinta maior em tamanho, da América do Sul.
A Ilha de Chiloé ou "terra das gaivotas", segundo os índios mapuche, foi classificada Património da Humanidade pela UNESCO.  É morfologicamente estreita e comprida ( 180 km  / 50 km ), é meio selvagem apesar de habitada, dispõe duma paisagem rude e tempo agreste, incerto e nebuloso.  Foi descoberta pelos espanhóis em 1540 e colonizada em 1567.
Os habitantes são chamados de "chilotes" e as duas principais cidades do território, Ancud e Castro (a capital ), revelam características assaz curiosas.  As suas casas palafitas em madeira, construídas sobre estacas apresentam paredes coloridas, pintadas com o remanescente das tintas com que os pescadores ( a maior parte da população ), pintam os seus barcos.  São habitações que resistem aos terramotos e às subidas das marés. Os seus telhados são de "tejuelas", telhas de madeira que encaixadas umas nas outras, isolam a construção.
Esta tipologia tão peculiar tornou Chiloé um ícone reconhecido mundialmente como património a preservar !
Existem ainda cerca de 70 igrejas seculares, espalhadas no arquipélago, feitas também em madeira, com a particularidade da sua construção não ter utilizado pregos, sendo as peças de madeira também apenas encaixadas umas nas outras.
Contudo Chiloé foi dos últimos territórios cristianizados, apesar da presença missionária no arquipélago. 
Os chilotes são um povo reservado mas hospitaleiro, arreigado a um misto de pragmatismo, religião e lenda.  Guardaram as crenças dos índios "chonos" e " huilliches", entretanto dizimados, e abraçam um misto entre o catolicismo e as lendas locais.
Pode dizer-se apropriadamente que o mar, a floresta, o tempo incerto e nebuloso constituem a essência deste lugar. Os campos cultivados e as colinas foram roubados à selva e à floresta nativa e cerrada. 
Vive-se fundamentalmente da pesca e da agricultura local, e a extrema humidade, a sombra e os pântanos fazem a natureza da ilha. Nada bule em Chiloé, a não ser as gaivotas !...

Desta visita, lamento apenas uma única questão :  os índios mapuche foram dos primeiros habitantes da ilha, que observando a abundância de gaivotas que grasnam todo o tempo, lhe conferiram o nome que detém, como disse.  Contudo, existe uma outra ave que passa pelo arquipélago para nidificar anualmente, na Primavera e Verão, que eu adoraria ter observado :  Os "Pinguins de Magalhães" vindos da Patagónia e os "Pinguins de Humboldt" vindos do Peru e do Chile aqui nidificam, nascem em Dezembro e as famílias partem em Março, ano após ano ... 
Como tal, já não os apanhei por lá ...

Bem, por hoje é tudo.
Amanhã abordarei o términus desta viagem inesquecível e mágica, falando-vos de Santiago e de duas outras cidades, Valparaíso e Viña del Mar, situadas a cerca de cem quilómetros da capital, igualmente imperdíveis no mosaico cultural surpreendente, que é este país "comprido e fininho" como diz o Kiko ...

                                                         PALAFITAS EM CHILOÉ
                                                            ROSAS EM PUERTO VARAS



Anamar

segunda-feira, 2 de maio de 2022

" AS MÍTICAS TORRES DEL PAINE "- SUL DO CHILE

 

                                                            "CUERNOS  DEL  PAINE"


O meu último texto deixou-me às portas do Parque Nacional Torres del Paine, como disse, Reserva da Biosfera pela UNESCO desde 1978, localizado entre a Cordilheira dos Andes e a estepe da Patagónia, ex-libris do Chile pela sua beleza e grandiosidade.

Mas antes de adentrarmos todo esse fascínio, visitei um lugar assaz interessante também : a Cueva del Milodón, uma imponente gruta com 30 metros de altura, 80 de largura e 200 de profundidade.  
Grande caverna habitada na pré-História por um tipo extinto de preguiça gigante, semelhante a um urso formigueiro, que por momentos podia assumir uma postura erecta e que habitou principalmente a zona sul da América do Sul. Foi o local onde em 1895 foram localizados e identificados ossos, excrementos e pedaços de pele muito dura, em excelente conservação, dessa espécie patagónica, o Milodón. 
Também foram encontrados vestígios de assentamentos humanos, que utilizavam estas "cuevas" como refúgio.
Tratou-se de um herbívoro com cerca de 3 metros de altura e mais de uma tonelada de peso, que viria a extinguir-se por volta de 3000 anos antes de Cristo.
O seu habitat natural estabeleceu-se sobretudo nas encostas com bosques, das montanhas patagónicas.
A moldura vegetal circundante da caverna, bosques de coihues, lengas, calafates e tantas outras espécies, nesta altura do ano em que o Outono se avizinha, engalana-se de amarelos, laranjas, ocres ... castanhos, doces e quentes que ainda tornam mais belo tudo quanto os olhos alcançam !...

Bom, e progredindo então nesta região dos lagos, surgem no horizonte os colossais afloramentos de granito e rocha, de fama mundial, brincando no meio das nuvens dançarinas que sempre os desvendam e escondem, de acordo com a vontade do vento : os Cuernos del Paine vistos numa perspectiva, e as Torres del Paine noutra volta do caminho, se as nuvens o permitirem.  E permitiram !
Tendo aos pés a Lagoa Amarga dum azul faiscante, tendo sobre as cabeças um céu límpido e luminoso onde os condores patrulham toda a extensão que os seus olhos vislumbram, e escutando em absoluto o soprar indómito do vento ... no meio duma luminosidade fantástica, as Torres surgiram definidas, desenhadas ... perfeitas ... inesquecíveis !

O Parque Nacional Torres del Paine conserva frágeis ecossistemas onde habitam muitas espécies de mamíferos que aí encontram condições de habitabilidade privilegiadas.  A abundância de água propiciada pelos lagos Sarmiento, Nordenskjöld ( cujo nome advém do sueco que o descobriu no início do século XX ),  as lagoas Amarga já referida, a Azul, os lagos Pehoe e Grey com o seu glaciar de 4 Km de largura e mais de 30 m de altura ... são maravilhas que espreitam a cada volta de estrada !

Regressei então a Punta Arenas, em pleno estreito Magalhânico.
O estreito de Magalhães, uma passagem natural que atravessa do Atlântico ao Pacífico, era conhecido como Cola do Dragão pelos primeiros navegadores portugueses do Século XV, até que em 1520, o lusitano Fernão de Magalhães se atreveu a navegá-lo de facto, tendo-lhe mudado o nome para Estreito de Todos os Santos por tê-lo feito no dia 1 de Novembro.
Fá-lo-ia a serviço da Coroa de Castela ( rei Carlos I ), por recusa do monarca português D. Manuel I, a quem oferecera os seus préstimos.  
A viagem de circum-navegação ao Globo, de 1519 a 1522, na qual Magalhães encontraria a morte, assassinado nas Filipinas em 1521, seria consumada por Sebastián del Cano que assumiu o seu comando , tendo retornado a Espanha ao leme da nau Victoria, a única que terminaria, ilesa, a expedição ! 
Esta viagem integrava o contexto das viagens de descobrimento, expansão marítima que demandava as Índias, na busca das especiarias.
O estreito acabou finalmente tendo o nome do aventuroso navegador.  Mesmo situando-se perto do  extremo sul do continente americano, o Estreito de Magalhães ainda assim, é preferido na navegação, em detrimento do contorno da Terra do Fogo ( assim chamada pelo marinheiro, por conta das fogueiras dos indígenas, avistadas a partir dos barcos da expedição ) e do gelado Cabo Horn, conhecido pelas tempestades que o assolam.
Não esqueçamos a inexistência, ao tempo, do Canal do Panamá que actualmente  é o meio de comunicação marítima, preferido em rotas comerciais !

Em Punta Arenas visitei o Museu Nau Victoria, museu ao ar livre, junto às águas do Estreito, que alberga, além de outras réplicas, uma do navio comandado pelo navegador português ... ele, que foi o primeiro a circum-navegar o nosso planeta.

Continuei a percorrer a Região dos Lagos, detentora duma natureza fascinante com florestas, montanhas com neve, lagos cor esmeralda, ilhas e vulcões, cuja descrição jamais sequer se aproximará do contemplado, e de que falarei um pouquinho no próximo texto.
Agora, apenas as fotos e vídeos nos restam ... e depois, tudo aquilo que não há lente, objectiva, nenhuma tecnologia que capte, registe e fixe ... que é aquilo que nos fica na retina, na mente e no coração ! Ou seja ... aquilo que se viveu !!!

                                                                "TORRES  DEL  PAINE"


LAGOA  AMARGA
                                                                        MILODÓN


Anamar

quinta-feira, 28 de abril de 2022

" RUMANDO AO SUL " - PATAGÓNIA, CHILE parte dois


                                                                   
Glaciar  Balmaceda


Desde o Atacama, o sul do Chile me esperava.
Aterrando em Punta Arenas, o ponto mais austral que visitei, segui para Puerto Natales, na Patagónia Chilena, na região Magalhânica.  Novas emoções me esperavam.

A morfologia contornante mudaria abissalmente.  A água tão escassa e desejada no deserto, não falta por aqui, e a vegetação agora colorida com as cores outonais da estação que se iniciou, adocica e emoldura de cambiantes quentes, as encostas e o sopé junto aos rios e lagos que nos espreitam na paisagem.
Os bosques de coihues e lengas, os calafates de bagas vermelhas, base do famoso e saborosíssimo "calafate sour" e as estepes douradas e planas onde os rebanhos de ovelhas, lhamas e alpacas ( animais nativos domesticados ), mas também as vicunhas e os guanacos, sem casa ou dono ... constituem a moldura fantástica que nos rodeia.
O gelo dos picos nevados dos vulcões e o degelo dos glaciares que descem preguiçosos, mantêm bem vivos os Parques Nacionais, duma beleza indescritível !

Partindo a bordo de um ferry desde o porto de Puerto Natales, numa incursão através do fiorde "Última Esperança", progredimos pelo Parque Nacional Bernardo O'Higgins, emoldurado sempre de qualquer ângulo, pela cordilheira andina, para que pudéssemos visualizar o Monte Balmaceda com os glaciares Balmaceda e Serrano.
Bernardo O'Higgins  foi um proprietário de terras, um general e presidente do país, tendo sido um reconhecido líder na luta pela independência do Chile, nos fins do século XVIII, início do século XIX.
A História entretanto dá-nos conta de que os primeiros europeus a chegarem a esta zona datam de 1557, numa expedição com o objectivo de encontrar a entrada para o Estreito de Magalhães que obviaria à passagem do Pacífico para o Atlântico sem necessidade de se contornar o tormentoso Cabo Horn, ponta final do Continente Sul Americano.
O capitão expedicionário Juan Ladrilleros tendo ficado perdido nos inúmeros fiordes patagónicos, e cansado dessa tentativa, adentrou por este braço de mar como se realmente de uma "última esperança" se tratasse... 
Efectivamente não estava errado ... a passagem para o Estreito de Magalhães ficaria por aqui perto ...

Balmaceda surgiu e ficou-nos à distância de um braço, parecia, em descida pachorrenta para as águas do fiorde.
Acompanhados sempre por paisagens deslumbrantes, com os picos gelados em escarpas agrestes, com quedas de água montanha abaixo, com a visualização de aves e outras espécies marinhas no seu habitat natural e um céu fantástico que ora mostra ora esconde ... o vento gélido impiedoso não nos deixaria...
Mas nem o sentíamos, tão mágico era o contexto em que o barco deslizava ...
O glaciar Serrano escondia-se entretanto numa zona mais afastada, e a ele acederíamos por um trilho através da encosta.  Repentinamente, ele surgiria numa curva do caminho, tendo a seus pés um lago azulado de águas translúcidas do degelo, onde pequenos icebergs flutuavam como se de flocos de algodão se tratasse ...


Puerto Natales, esta cidade de interior donde havíamos partido, é uma cidadezinha pequena, residencial, aberta, arranjada, harmoniosa ... cidade de mar e vento, de gentes pacatas, percebe-se. 
As casas típicas, revestidas a madeira, com espaços verdes ao seu redor, desenvolvem-se em quadrícula, e muitos animais de companhia, gatos e cães proliferam nas habitações.
Seria fundada como cidade apenas em 1911, na onda de colonização europeia destas terras, ocorrida sobretudo a partir da segunda metade do século XIX, depois da descoberta de ouro em algumas zonas da Patagónia, e início da tomada de terras aos índígenas, sobretudo para pastagens e exploração de gado ovino.
É a porta de entrada para o Parque Torres del Paine, Reserva da Biosfera pela UNESCO desde 1978 e ex-libris da Patagónia Chilena. Uma maravilha da natureza !...

Sobre este destino fascinante, falarei de seguida, nesta odisseia pelo hemisfério sul ...


                                                                    Glaciar  Serrano


Anamar

quarta-feira, 27 de abril de 2022

" EL CONDOR PASA ... " - CHILE, parte primeira



Segui para o Chile em viagem de lazer, a 5 do presente mês de Abril.  
Viagem marcada desde o início do ano, pesava-me agora na alma, como se ao fazê-la estivesse a cometer algo indigno, inadmissível nos dias que vivemos. Disse-o a algumas pessoas que jamais teria escolhido viajar, no contexto social que atravessamos, não conseguindo ignorar todo o sofrimento inenarrável experimentado por tantos seres humanos indefesos, vilipendiados, ultrajados, em sofrimento e dor absolutos, aqui ao lado, na Europa de leste.
Até à véspera de partir, a guerra tirou-me horas de sono, angustiou-me as noites e assustou-me os dias.  A impotência e o choque face a imagens que jamais suspeitaríamos poder visualizar, a incapacidade em conter a barbárie avassaladora e insensível, a brutalidade do Homem face aos seus semelhantes, indiferente à idade, ao género, à desproporção maniqueísta de forças, a violência gratuita usada indiscriminadamente no genocídio em massa levado pela Rússia sobre a Ucrânia, tirou-me vontade, disposição ... saúde ...

E parti.  
Parti, albergando em mim uma remota esperança : a de que o conflito pudesse ganhar tréguas, e que, ao regressar, o pesadelo já pudesse ter tido um fim !  Era o que mais ansiava e o que mais poderia ter-me deixado feliz !
Tal não viria a acontecer. E depois do pior, parece haver sempre algo que o supera, em grau e em género,  mostrando  que  o  ser  humano  não  tem  de  facto  limites  para  o  pior  de  si  mesmo !...

Assim o Chile, e nele o meu encontro com uma Natureza diversa e estrondosamente bela, afastou-me um pouco, do cabo das tormentas que atravessam, fustigam e devastam neste momento, o meu continente.

É um país de diferenças, com uma biodiversidade fantástica.
Aquele país "magrinho e comprido" como o caracterizou o meu neto, tem múltiplos rostos, se percorrido em comprimento, ao lado da cordilheira que o originou.  Os Andes, lá onde o condor  patrulha os céus, parece ostentar os seus picos nevados em permanência, apenas a uma "mão travessa" abaixo do avião que os sobrevoa.  
Fruto do conflito de três placas tectónicas, essa orografia esmagadora, define a fronteira natural com o país vizinho, a Argentina, enquanto que a Cordilheira da Costa, o separa do Pacífico, mais a oeste.  
Santiago, a capital, situada mais ou menos a meio da geometria geográfica, deixa para norte, até ao Perú a mítica extensão de solidão e sal que é o deserto do Atacama, paisagem lunar, onde qualquer resquício de vida parece não ter condições de existência. 
É um mundo dentro de outro mundo, o que os picos vulcânicos nos oferecem.  É uma magia muito particular, a experimentada a 5600m de altitude, na demanda da cratera do vulcão Tatio, um dos dois mil e muitos vulcões existentes em todo o Chile, dos quais mais de duzentos se encontram activos ... 
Os geyseres e as fumarolas atestam claramente que nas entranhas daquele solo, o planeta Terra continua bem vivo !
Deixando para trás S.Pedro de Atacama a 2400m de altitude e vendo nascer o sol por detrás de um dos picos vulcânicos, com temperaturas negativas, apesar duma luminosidade clara e transparente no dia amanhecido, foi  algo inesquecível !
É uma natureza bruta, selvagem, agreste, dominadora... 
Ali, o Homem confronta-se com a pequenez do seu "eu", com a insignificância real e objectiva da finitude da vida e experimenta um respeito avassalador e silencioso perante a morte...
Gera-se um recolhimento que se obriga.  Gera-se uma introspecção e um intimismo partilhados.  Ali, há uma verdade palpável que perpassa ...

El Tatio, significa na língua mapuche ( povo ameríndeo que habita milenarmente certas regiões do Chile e Argentina e que representa a "fala da Terra" ), "forno" ou adequadamente também, "velho que chora" ...
Por tudo isto, os "geyseres del Tatio"  (colunas de vapor que saem à superfície por fissuras na crosta, a temperaturas perto da ebulição e alturas de cerca de 10m, no terceiro maior campo geotérmico do mundo ), perdurarão "ad eternum" dentro de mim ...
Também as lagoas altiplânicas salgadas, no topo das elevações, emolduradas pelos cumes dos vulcões, me maravilharam pela cor esmeralda das suas águas adormecidas.  Junto delas, os guanacos, camelídeos selvagens destas paragens, pastoreiam sem sobressaltos ...
Vencido o Trópico de Capricórnio á latitude 23º 26' 16'' no deserto mais seco e mais antigo do planeta ... árido, desolado e lindo (os cientistas acreditam que o núcleo do Atacama permaneceu em estado hiperárido permanente por cerca de 15 milhões de anos, não havendo registo de chuva significativa nos últimos 500 anos ), a sua altitude e um céu brutalmente claro e límpido, tornaram-no um lugar por excelência para observações astronómicas.
Quarenta por cento de todos os centros de observação dos céus, no mundo, ficam localizados neste lugar. O telescópio mais famoso do Atacama ( Atacama Large Millimeter Array - ALMA ), foi o primeiro do mundo a fotografar um "buraco negro".  Também em Cerro Toco se localiza o telescópio situado à maior altitude do planeta ... 5190 m !
É um fascínio no silêncio da noite, buscar nos céus, onde as estrelas brilham como em nenhum outro lugar, o cruzeiro do sul, que integra a bandeira de Magalhães ...

Do Atacama com o seu salar, deserto de sal com cerca de 3000 quilómetros quadrados de extensão, onde no meio do brilho imaculado das formações salinas de sal petrificado, três espécies de flamingos estabelecem colónias de passagem, no que constitui a Reserva Nacional de flamingos, rumei ao sul para abordar uma efeméride histórica, incontornável ... fui encontrar o Estreito de Magalhães, na Patagónia Chilena.  Mas disso falarei no próximo texto ...

Anamar

domingo, 12 de dezembro de 2021

" EM BUSCA DAS LUZES DO NORTE "


 

Hoje esteve um dia absolutamente fabuloso !  
Engalanado com um céu limpo totalmente azul deslumbrante e um sol claro e aconchegante, não tinha vento e as temperaturas amenas eram um convite a que deixássemos de lado os casacos mais quentes.  Foi um verdadeiro dia de Outono-Inverno esplendoroso .

Fui caminhar na mata, no meio do verde, dos amarelos, laranjas e castanhos acobreados, no silêncio de trilhos quase vazios, ou não fosse fim de semana beirando o Natal, em que o pessoal lamentavelmente se enfurna nos centros comerciais para os gastos consumistas da época. 
Voltei a ver melros por lá, escutei o gorjeio da passarada residente em Portugal, e até confirmei uma suspeita que tinha : existem de facto, "periquitos de colar" talvez nidificando nas copas das árvores que, com folha perene garantem protecção aos ninhos.
Já me parecera vê-los, voando alto, porque ouvi-los, há muito o assinalara.  Nada de anormal, uma vez que a mata é vizinha do Palácio de Queluz, onde existem colónias desta espécie, no alto do arvoredo.
Os periquitos, tanto quanto julgo, são originários de climas mais quentes.  Costumam ver-se em latitudes tropicais ou mesmo equatoriais, e o facto de se auto-adoptarem no nosso país, deve significar que por aqui, o clima se tornou menos agreste e mais ameno em termos de habitabilidade para determinadas espécies biológicas. Afinal, mais um sinal das alterações climáticas, como o são também, os novos ciclos de vida de espécies tradicionalmente migratórias e que já o não são, como por exemplo, as cegonhas.

Bom, estou à beira de me ir embora de novo, para mais uma fugazinha à rotina que nos submete.
Como sabem, e já escrevi muito sobre isso, eu sou um bocado "caixeiro-viajante" de coração e de alma.
O meu pai foi-o de profissão, e eu creio que lhe herdei estes genes inquietos que me neurastenizam se alongar por muito tempo o sedentarismo, na vida e nos lugares ...
Amante que sou do sol, do mar, dos climas quentes e das vivências tórridas, desta feita furo o esquema e vou encetar uma nova experiência, em matéria de viagem.  Vou para lá do círculo polar ártico, vou para a terra do frio, das neves e dos gelos perpétuos ... vou para pertinho do pólo norte, que sempre é um local mítico na mente humana, vou viver a noite instalada, até que a estação mude e volte a ser dia de novo.  Vou procurar um silêncio muito particular que só ali, acredito ser experimentado.  Vou sentir o pulsar duma natureza muito genuína, mergulhar no verde salpicado dos abetos, penetrar a floresta de coníferas, de pinheiros nórdicos, ciprestes, larícias, bétulas, líquenes, cogumelos e tudo quanto constitui a floresta boreal nesta altura do ano, em que a luz escasseia e o Inverno se aproxima.
Vou conviver com as renas, os huskies, flutuar nas águas geladas do Ártico, no que acredito ser uma experiência única, passear na floresta nevada em trenó puxado por estes seres maravilhosos, ou calcorrear os caminhos totalmente brancos, "pilotando" uma mota de neve, ou caminhando oniricamente com raquetes de neve nos pés.
E encontrar os Lapões, já que na sua terra estou.  Perceber alguma coisa sobre as suas vidas, que imagino terão muito de solitárias ...

E claro, no breu da madrugada, à volta duma fogueira, ouvindo histórias, comendo salsichas grelhadas e bebendo algo bem quente e reconfortante, espero ( e seria o corolário da minha viagem ), encontrar as "Luzes do Norte"! 
As fascinantes, mágicas e irrepetíveis auroras boreais, que nas tonalidades mais inimagináveis pincelam, tremeluzindo, ( quais fantasminhas irrequietos ), a linha do horizonte, acendem desta forma, misteriosamente,  o céu escuro, tornando ímpar e inesquecível, esta experiência singular ... mais além!... 
Por latitudes quase proibidas, do planeta Terra !!!...

Anamar

domingo, 25 de outubro de 2020

" AÇORES EM ANO DE PANDEMIA " - ILHA GRACIOSA

 




Conhecida como a Ilha Branca, esta foi a última ilha que visitei no Arquipélago dos Açores, no que foi uma viagem absolutamente fascinante.
E como já o referi, continua a ser impossível eleger uma dentre todas, como a de escolha ou eleição !
Todas diferentes, todas fantásticas nas suas diversidades e especificidades, em belezas naturais, requintes arquitectónicos e culturais, arte sacra, curiosidades das gentes e da terra, História, gastronomia e tantos outros pormenores e curiosidades que fomos escutando ao longo dos dias, tornaram essa tarefa inalcançável !

A Graciosa é a ilha mais a norte das cinco do Grupo Central.  Desde 2007  que pertence à Reserva Mundial da Biosfera, classificada pela UNESCO, à semelhança do Corvo, das Flores e das Fajãs de S.Jorge.
É uma ilha pequena, com uma dimensão de 12,5 Km por 7 Km.  É menos montanhosa que as demais, tem declives suaves e a sua maior elevação, a Caldeira, tem pouco mais de 400 m de altitude.
Em consequência desta orografia, tem um clima moderado oceânico, é menos chuvosa, tem menos nevoeiros, e por isso o seu solo é mais seco.
Possui campos férteis, onde o milho, as hortícolas e a fruta proliferam ( a meloa da Graciosa é divina ! ) Mas são a produção de gado bovino e leite, bem como a viticultura, as suas principais fontes de receita e subsistência.
As videiras crescem entre meio dos muros de lava, quadriculados nos campos verdes ... os "currais" ! 
O milho quando colhido, fica exposto à secagem nas chamadas "burras de milho", uma espécie de escaparate de madeira que se vê nos campos, um pouco por toda a ilha.

                                                                       CURRAIS
                                                              BURRA  DE  MILHO

A Graciosa é chamada de Ilha Branca ... designação esta que se inspirou nas suas características geomorfológicas e nos elementos toponímicos da ilha ... locais como Pedras Brancas ( que nomeia inclusive uma casta de vinho graciosence absolutamente famoso ), Serra Branca ou Barro Branco, são apenas alguns exemplos. 
De facto, a sua baixa pluviosidade  que confere à ilha , no fim do Verão, uma tonalidade esbranquiçada, associada à cor do casario das povoações, levou  Raul Brandão a dar-lhe o epíteto referido. 
Tem um só concelho - Sta.Cruz da Graciosa - e quatro freguesias, Vila de Sta.Cruz, Vila da Praia, Guadalupe e Luz.
Calcorrear a ilha é um desafio que se faz em menos de 1 hora.  É um passeio de constante surpresa, onde a novidade nos extasia a cada volta de estrada.  Tivemos a felicidade de ter como guia local, uma professora que, nascida no Canadá e filha de pais micaelenses, escolheu a Graciosa para aí se radicar.
A Lisete fê-lo por paixão e para toda a vida ... diz.
Profundamente conhecedora, nada deixa de referir, nada deixa passar em branco, para tudo capta a nossa atenção, cativando pela simplicidade, disponibilidade e entusiasmo.
É uma embaixadora graciosence de incomparável gabarito, e uma excelente contadora de histórias da sua ilha, onde diz " ainda se poder dormir com a porta de casa aberta " !...

Com tanto para contar, a anos-luz de vos conseguir traduzir a real beleza das coisas, o encanto dos pormenores, a aproximação sequer da realidade das cores, da luz, dos silêncios ... que sempre só ficarão nas mentes e no coração de quem os experimentou, vou tentar sintetizar o que vi e como vi ...

A capital,  Sta.Cruz,  tem como "sala de visitas" uma praça ampla, clara, extremamente limpa e agradável, contornada por edifícios típicos de traça açoriana  com janelas e portas emolduradas com o negro do basalto vulcânico.  Possui um coreto, pavimento empedrado, dois lagos  ( outrora paúis para retenção da pouca água existente na ilha ) que já serviram para dar de beber aos animais e para a rega, araucárias imponentes e altivas.  Daí, irradiam as ruelas com casas igualmente típicas e antigas.

                                                  PRAÇA  CENTRAL  DE  STA.CRUZ

                                                                      CORETO
                                                        ARAUCÁRIAS  ANCESTRAIS

Subindo ao monte que se ergue junto a Sta.Cruz, surge a ermida de Nossa Senhora da Ajuda, erigida no final do século XV, início do século XVI em pedido de protecção divina pelos terramotos que assolaram a ilha.  Tem uma aparência robusta que lhe confere um certo ar de fortaleza, e como tal é um dos exemplos importantes da arquitectura religiosa fortificada.
No seu interior, destacam-se os painéis de azulejos do século XVIII e uma imagem datada da mesma época...
Anexada à ermida fica a casa dos romeiros, que serve até hoje como local de acolhimento dos peregrinos.
Do alto do Monte da Ajuda, ( 280 m de altitude ) que alberga mais duas ermidas ( São Salvador - séc XVIII e São João - provavelmente séc XVI ), pode descansar-se o olhar sobre o mar, o campo -  particularmente todo o norte da ilha e a extensa planície de Guadalupe -  e a vila, que abrigada pelo monte, dos ventos fortes e costeiros, se desenvolveu no seu sopé.
Na cratera do vulcão extinto que originou o Monte da Ajuda, os graciosences construíram curiosamente, uma praça de touros, ainda aos dias de hoje, palco de muitas touradas, nomeadamente por altura das festas da Graciosa.

                                                             ERMIDA  DA  AJUDA
                                         CAPELA  DE NOSSA  SENHORA DA  AJUDA


                                                             PRAÇA  DE  TOUROS

Descendo e continuando para o norte, a zona balnear do Barro Vermelho desvenda-nos uma praia singular, numa pequena enseada de calhaus rolados, com  a coloração vermelha que lhe deu o nome.  
No rochedo vulcânico, formaram-se piscinas naturais de águas agitadas mas límpidas, ideais para o mergulho.
O Farol da Ponta da Barca, de cujo miradouro situado sobre um precipício se pode observar toda a orla costeira e o mar, divisa em primeiro plano o Ilhéu da Baleia ... uma imensa baleia rochosa emergida do silêncio do oceano ...
Ao fundo avista-se S.Jorge a duas horas de barco, e ao fundo do fundo ficam o Pico e o Faial !!!...

                                          ZONA  BALNEAR  DO  BARRO  VERMELHO
                                       PISCINAS  NATURAIS  DO  BARRO  VERMELHO
                                                     
                                                    FAROL  DA  PONTA  DA  BARCA
                                                                LHÉU  DA  BALEIA


Continuámos pela Serra Branca e foi a vez do ex-libris da Graciosa ... a visita à Caldeira, o ponto mais elevado da ilha, como já referi.  Trata-se de uma cratera gigantesca, com 4 Km de perímetro, resultante duma erupção vulcânica ocorrida há 12 mil anos. 
A cobertura florestal exterior, é um bosque de criptomérias, acácias e incensos que como uma floresta encantada de vegetação exuberante, contorna e acompanha a Caldeira.  No seu interior existe uma imponente cavidade vulcânica, a Furna do Enxofre, um fenómeno geológico de grande interesse e beleza, que possui um lago de água fria no fundo da gruta e uma fumarola com lama, responsável pelo cheiro intenso a enxofre que emana do interior da Terra, e que a designa.

A incursão às entranhas da Terra, 3 km abaixo, a imagem fantasmagórica, misteriosa e mítica que se desfruta na brutalidade da rocha ... a sombra e o silêncio debaixo desta abóboda basáltica, onde os morcegos e os painhos-de-monteiro ( exclusivos da Graciosa ) nidificam ... são um verdadeiro desafio à humildade humana !
A Furna do Enxofre é monumento natural e integrou em 2000, a lista candidata a Património da Humanidade.
As suas visitas são condicionadas às condições no seu interior.  De facto, no início da descida, à superfície da Caldeira, existe um Centro Interpretativo, onde são recolhidos dados científicos sobre a dosagem das emanações sulfúricas, uma vez que a gruta está em permanência, totalmente monitorizada.
Todas as informações recolhidas são estudadas e tratadas na Universidade dos Açores.

                                                 CALDEIRA  E  FURNA  DO  ENXOFRE





Abordando a freguesia da Praia, zona piscatória por excelência, com o Ilhéu da Praia, Reserva da biosfera no horizonte, pudemos admirar os moinhos de vento de cúpula vermelha, únicos e emblemáticos da ilha.
Parecem ter sido trazidos por colonos flamengos ou holandeses.  Existem cerca de duas dezenas e são testemunho vivo da produção dos cereais na ilha, nomeadamente o trigo e a cevada.  De facto não foi impunemente que a mesma foi chamada de "o celeiro dos Açores "...
Hoje, todos estão desactivados, alguns recuperados e convertidos em habitações, ou mesmo em turismo local.
Por detrás fica a fábrica das famosas "queijadas da Graciosa".  Obviamente, à semelhança da Queijaria Teimoso ´- Quitadouro, onde a prova e aquisição de todos os mais inimagináveis queijos se impôs ( queijo com maracujá é a sua mais recente aposta ... ) ... agora, a prova e de novo a compra desta iguaria da doçaria local não poderia relegar-se para segundo plano.  Havia que trazer para o Continente, um miminho para os que ficaram ...

                                                            MOINHO  DE  VENTO
                                                         QUEIJADAS  DA  GRACIOSA
                                      
Na freguesia da Luz, a sudeste da ilha, onde almoçámos, ficam as Termas de Carapacho, junto às piscinas naturais com o mesmo nome.  As águas termais, usufruindo da proximidade da Caldeira, apresentam temperaturas da ordem dos 35º / 40º C, e são benéficas no tratamento das patologias reumatismais.
Entre rochas basálticas negras, as piscinas recortadas caprichosamente, em contraste com o azul profundo do mar, albergam os graciosenses em período de lazer, quando o tempo é favorável.

                                             PISCINAS  NATURAIS  DO  CARAPACHO

Uma curiosidade que também escutámos, entre as muitas histórias com que Lisete nos brindou nesta nossa estada na Graciosa, refere-se a um cidadão romano, que procurando um lugar prazeiroso onde pudesse usufruir uma vida calma, isolado da confusão do mundo lá fora, se apaixonou pela ilha e a elegeu como sua terra de adopção, fixando-se na Aldeia Velha, freguesia de Guadalupe, onde adquiriu alguns terrenos.
Franco Ceraolo figura de referência na  indústria do cinema, onde trabalhou com Scorcese, Fellini e Bertolucci, trocou, em 2000,  a sua vida profissional pela calmaria desta aldeia açoriana, onde cria uma espécie animal autóctone reconhecida há cerca de cinco anos, no sentido de evitar a sua extinção : o burro-anão da Graciosa, que sendo originário do norte de África, supõe-se  ter ficado na ilha como moeda de troca nos assaltos dos piratas e corsários, que vindo para pilhar, deixavam para trás, algo da sua passagem.
São animais baixos, com pouco mais de 1 m de altura, apresentam uma pelagem parda e ruça, e a maioria tem uma risca crucial característica ao longo do dorso, semelhante aos burros da Toscana.
Fundou a Associação de Criadores e Amigos do Burro-Anão da Ilha Graciosa, com o apoio do Centro de Biotecnologia da Universidade da Terceira, tentando proteger a espécie.
Este animal, que neste momento contabiliza menos de uma centena na ilha, existia num número superior a mil, há cerca de um século.
Fazem parte da História da Graciosa, por integrarem a vida da população, auxiliando na agricultura e no transporte dos géneros.  Sendo mansos e caminhando vagarosamente, usavam-se em passeios pela ilha - as "burricadas".
Tentando motivar as gerações mais novas para esta causa, Franco Ceraolo espera poder recuperar todas estas tradições.  Para já, interage com os quinze exemplares que carinhosamente cria nos seus terrenos, a quem deu nomes pelos quais respondem, e a quem, segundo ele, fala em italiano !!!... 😁😁😁

                                                 FRANCO  CERAOLO -  Imagem da Net

Terminámos as nossas deambulações pela ilha, visitando a Igreja Matriz de Sta. Cruz, em estilo barroco, edificada no século XV em devoção à Santa Cruz, reconstruída no século XVI e de novo no século XVII, mercê das destruições sofridas pelos fenómenos sísmicos que assolaram a ilha.
Apresenta detalhes manuelinos e azulejos figurativos do século XVIII.  Os seus altares são ricamente revestidos a talha dourada, e no altar-mor existe um retábulo fascinante, o Políptico da Matriz de Sta. Cruz da Graciosa, constituído por um conjunto de seis pinturas a óleo sobre madeira, pintadas no séc. XVI, presumivelmente por um artista português que se designa por Mestre de Arruda dos Vinhos.
Os seus temas iconográficos pertencem ao ciclo da vida de Cristo e da Santa Cruz.
Essas pinturas apenas foram reveladas em 1941, aquando de uma intervenção de restauro da igreja.
É imponente, austera e lindíssima !


                                                               IGREJA  MATRIZ


Junto à Praça principal da vila, fica o Museu Etnográfico, muito interessante e detalhado, exibindo  peças ligadas à cultura da vinha, com tradição na ilha como referi, à actividade baleeira a que os graciosences se dedicaram até 1982, ano em que nesta ilha cessou a caça a este cetáceo ... e ainda a tudo o que diz respeito ao "modus vivendi" das populações ao longo dos tempos, numa evocação rigorosa e vívida da História das suas gentes !







E pronto, tentando sintetizar tudo o que vimos, ouvimos e aprendemos sobre a segunda menor ilha do arquipélago, termino com este post a história mágica, fabulosa e inesquecível de sete dias mergulhada na tranquilidade, na magia e na beleza ímpar dos Açores por descobrir, ainda esquecidos na imensidão azul do Atlântico ... lá, onde Portugal verdadeiramente termina !!!

Anamar

domingo, 18 de outubro de 2020

" AÇORES EM ANO DE PANDEMIA " - ILHA DAS FLORES

 

                                                                            CUBRES

Para mim, as Flores é a coqueluche das ilhas açoreanas.  Se tivesse que eleger uma de todas as que conheço e são quase todas, como a mais completa, a mais fascinante, a mais próxima de um paraíso na Terra, as Flores ocuparia seguramente o pódium !

É a segunda ilha integrante do Grupo Ocidental do arquipélago, e fica, como já referi, a sul do Corvo.
É também em longitude a mais próxima da América ( geologicamente pertence mesmo à Placa Norte-Americana ).
Dela faz parte o ponto mais ocidental de Portugal e da Europa, o Ilhéu do Monchique, uma pequena formação rochosa perdida no Atlântico frente à Ilha, podendo observar-se do seu extremo ocidental, na zona da Fajã Grande.

Morfologicamente as Flores caracteriza-se por ser uma ilha de uma diversidade fantástica, exibindo uma natureza exuberante em estado puro.
Desde as ravinas abruptas talhadas na rocha basáltica que a constitui, desde as gigantescas falésias esculpidas pelas mãos do tempo, as formações geológicas surpreendentes, as lagoas mansas amodorradas no alto da montanha ... o som mágico das cascatas, que saltando das encostas mergulham em direcção ao mar ... passando pela magnificente beleza de uma vegetação luxuriante que cobre toda a ilha ... ainda, e finalmente presentes por todo o lado, as flores, sempre as flores, elas próprias que acabaram dando o nome à Ilha ... de tudo, este pedaço de paraíso é rico !...

Ocupa uma área de cerca de 142 quilómetros quadrados, na sua maior parte constituída por terreno montanhoso.
O ponto mais elevado é o Morro Alto com mais de novecentos metros de altitude.
Santa Cruz das Flores e Lages das Flores são administrativamente os dois concelhos da Ilha.  O seu achamento remonta ao século XV.   Sendo inicialmente a sua toponímia de São Tomás, acabou por assumir pouco depois a sua actual designação, devido à abundância de flores de cor amarela, os "cubres" que recobriam toda a costa, e não sendo uma espécie endémica, supõe-se terem as suas sementes sido trazidas por aves migratórias, desde a Flórida, na América do Norte.
Os cubres existem profusamente dispersas por toda a Ilha, junto dos caminhos e dos muros de pedra, e juntamente com as hortênsias azuis fazem sebes e paliçadas.

No topo do Morro Alto observa-se uma imponente formação geológica por escorrência particular da lava vucânica - o Pico da Sé.
O clima  a essa altitude, atlântico húmido, é um modelador ecológico, originando zona de nevoeiros com ventos fortes e elevada pluviometria, factores determinantes da vegetação distinta aí existente.  
Do miradouro lá localizado, pode observar-se exactamente toda a vegetação endémica, constituída predominantemente por floresta de Laurissilva ( característica da Macaronésia ), sendo por isso considerada zona de paisagem protegida.
Aliás, a Ilha das Flores faz parte desde 2009, à semelhança do Corvo como referi, e da Graciosa de que falarei, da Rede Mundial de Reservas da Biosfera da UNESCO.

Se São Miguel é a ilha da Lagoa das Sete Cidades, as Flores é a ilha das sete lagoas ...
É no périplo feito por todas elas, que se percebe claramente como as mudanças bruscas do tempo são rápidas e desafiadoras.
Em segundos pode ver-se, deixar de se ver, voltar a ver-se ... e assim por diante !
As lagoas da Lomba, a Negra ( devido à cor das águas onde em certas zonas chega a ter uma profundidade de mais de 100 metros ), a Branca, a Comprida, a Rasa, a Funda e a Seca ( que parece enganadoramente não ter água ), têm características próprias e distintas, e é um deslumbre olhá-las ainda que de longe, e um fascínio e um privilégio usufruir de tanta beleza !

Continuando o percurso, esperava-nos a Rocha dos Bordões, ex-libris da Ilha, uma curiosa formação geomorfológica resultante da solidificação do basalto da lava vulcânica em altas estrias verticais.
Surpreendente e esmagadora, impõe-se pela imponência quando assoma no meio da paisagem !
Na vertente ocidental da Ilha, de menor altitude que no lado oriental, ficam a Fajãzinha e a Fajã Grande, entre outras, numa ampla orla costeira constituída exactamente por fajãs.  Avistam-se aí inúmeras linhas de água, cascatas que se desprendem do alto das escarpas, formando poços no sopé.
A Cascata do Poço do Bacalhau é particularmente bela !
É também defronte da Fajã Grande que se oberva, como já referi, o Ilhéu do Monchique, um marco histórico  de  localização ... o  ponto  mais  ocidental  das  Flores,  de  Portugal  e  da  Europa !!!
Também o Farol da Ponta do Albernaz ( geometricamente, o vértice superior esquerdo da Ilha, considerando que ela se desenha de norte para sul como um rectângulo com maior comprimento que largura ), mereceu a nossa admiração.  
É um lugar silencioso e de solidão como o são todos os faróis, situado no alto de uma ravina no meio do céu e do mar que marulha aos seus pés, e onde apenas o sopro do vento desgovernado, o balido das vacas nos pastos quadriculados por muros de pedra, ou o grasnido de alguma ave marinha, se escutam ...
No município de Sta.Cruz, o Monte das Cruzes que se prende à permanência dos franciscanos na Ilha, e o Pico dos Sete Pés, que com a luz a favor nos mostra uma figura humana deitada no topo da montanha, encerram histórias de encantar !
E não alongo mais este meu escrito, pois sempre o mesmo ficará totalmente aquém de tudo aquilo que eu gostaria de poder contar.  
Até uma próxima visita, fiquemos com este maravilhoso cheirinho a flores e este desafio que aqui deixo para que venham conhecer este cantinho  fascinante, puro e autêntico que é mais um pedacinho de um paraíso que por vezes julgamos já não existir à superfície da Terra !!!



                                                                 PISCINAS  NATURAIS
                                                                   PICO  DAS  CRUZES
                                                                    LAGOA  COMPRIDA
                                                                      LAGOA  NEGRA
                                                                      FAJà GRANDE
                                                                 ROCHA  DOS  BORDÕES
                                                               ILHÉU  DO  MONCHIQUE
                                                                        CANA  ROCA
                                                                POÇO  DO  BACALHAU
                                                                POÇO  DO  BACALHAU
                                                               MORRO  DOS  SETE  PÉS
                                                    FAROL  DA  PONTA  DO  ALBERNAZ


Anamar