sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

"O SER HUMANO É ESTRANHO..."

O ser humano é estranho...

Reflecti uma vez mais sobre isto, ao deparar-me no jornal da manhã, com uma notícia sobre a localização de uma jovem cujo desaparecimento remontava há largos meses...

Fora encontrada em Paris, onde vivia com o namorado, estava de boa saúde, levava uma vida normal...apenas não dera nunca notícias sobre si própria, apesar de certamente se saber procurada.
Os pais, pessoas humildes do norte do nosso país, entrevistados para o citado jornal, mostravam-se muito felizes, porque para eles o "pesadelo" acabara.
Foi então que a mãe da jovem soltou a seguinte frase que me esbugalhou os olhos: "Não acredito que a minha filha tenha fugido de livre vontade"...

Bom, esta afirmação fez-me matutar sobre a posição de muitos pais, face aos comportamentos e posturas dos filhos ao longo da vida.
Por que razão, ainda que claramente a leitura de um determinado comportamento menos abonatório, seja por demais óbvio e não deixe dúvidas para os demais, sempre os pais têm tendência a não encarar a realidade, tentando ilibá-la ou escamoteá-la, com justificativas?

Será porque inconscientemente auto-assumem parte da responsabilidade como sendo sua??

Será porque nunca se apercebem que aqueles filhos que efectivamente geraram e educaram e que falham como qualquer ser humano, cortaram há muito o cordão umbilical, cresceram, tornaram-se autónomos e têm direito aos seus próprios erros, como pessoas independentes??

Será que sentem indirectamente que são eles os "julgados", através das atitudes dos seus descendentes, como se tivessem sido ineficientes na formação, incapazes na transmissão de valores, imperfeitos no exemplo dado??

Será que sempre os pais querem projectar nos filhos aquilo que eles próprios não conseguiram ser, de preferência que alcancem aquilo que lhes foi inalcançável??

Depreendo que se calhar, tudo isto talvez tenha um fundamento biológico.
Razão biológica que embota o razoável, o inteligente, o correcto...

Eu própria, que tendo uma mediana formação integral (como pessoa, como profissional, como cidadã), ou seja, não sendo propriamente alguém atávico, que não tenha tido acesso à cultura (com o consequente acréscimo de responsabilidades), cometo "erros de palmatória" racionalmente inadmissíveis.

Enquanto criança e adolescente, filha que fui de uma família de classe média, vivendo do trabalho e sem demais proventos, sempre fui responsabilizada desde cedo, por todos os meus actos; sempre me foi exigido o cumprimento do que me era atribuído, apenas por vezes desproporcionalmente ao razoável.
Fui das melhores alunas do liceu que frequentava, recebi prémios por isso mesmo, não me era "permitido" claudicar ou ter pequenos insucessos ou desvios, se calhar aceitáveis face à pouca idade que então tinha.

Inevitavelmente, por cada avaliação escolar que recebia, a pergunta sacramental da minha mãe, era, antes de tudo:"E as outras notas, como foram"?...

Lembro até hoje, um teste de Ciências Naturais, talvez no meu primeiro ou segundo ano do liceu (correspondentes ao quinto ou sexto anos actuais), que recebi com a classificação de Bom e que, como habitualmente, dei para que a minha mãe assinasse.
Olhou-o com uma cara de decepção, e desagradada atirou o teste para cima da mesa com tal violência, que o mesmo despencou no chão.
Senti uma mágoa e uma injustiça tão grandes, que a sua nitidez perdura, tanto tempo decorrido já...
A imagem dessa tarde está-me nítida nos olhos, acho que no coração e na alma...
"Vejo" o local, o gesto..."oiço" as palavras...

Pois bem...anos e anos depois, mãe que sou de filhas muito capazes, escolarmente irrepreensíveis, brilhantes quase...dei por mim, ao longo das suas vidas escolares, a ter posturas idênticas às daquela mãe, semi-analfabeta, a quem talvez não pudesse nem devesse ser exigido mais.

E olhando para trás, faço a minha "mea culpa", com uma carga de vergonha, por efectivamente não ter conseguido, quantas e quantas vezes, racionalizar, distanciar-me, ser inteligente, ser responsável, ser mãe com capacidade para ver, analisar, perceber e ajudar as pessoas que pus no Mundo (imperfeitas como qualquer ser humano), a conviverem com os seus insucessos, as suas derrotas ou desvios, as suas dificuldades; não sabendo aceitá-las quantas e quantas vezes, como indivíduos autonomizados e não me culpabilizando ou envergonhando, por não serem como eu "inventei", não me punindo por não serem muito melhores que o que eu fui capaz de ser...simplesmente porque são como são, pessoas, gente, responsáveis únicas pelos caminhos que trilham...

Ufa!!...Efectivamente, o ser humano é realmente estranho!!...

Anamar

2 comentários:

Ana Oliveira disse...

Pois é...pois é...

E o pior é que «isso» já passou para outra geração...
Já dei por mim a perguntar como não quer a coisa - « E o não sei quantos que nota teve? ».
« Bom? Ah, podias ter tido Muito Bom ».
Até já disse a famosa frase « Já te li a sentença » - que tantas vezes ODIEI, ouvir...
Bjs

anamar disse...

Pois é....pois é...
Somos todos feitos da mesma "massa"..que chatice!!!
E ainda não disseste: "estás a adivinhar molho..."?....Lá chegarás" eheheh!!!!
Beijinhos também para os que dizem e para os que ouvem....