quarta-feira, 23 de setembro de 2009

"ESTA ESTRANHA FORMA DE VIDA - PARTE II"

Enormérrima ausência esta.
Ausência de disponibilidade para vir ao PC, mais ainda para tomar pulso a flashes emocionais que me atravessaram mas que ficaram sem oportunidade de serem passados à escrita.

Uma sensação de amputação real, uma falta sentida bem aqui dentro e transferida de dia para dia: "amanhã vou ter de escrever"...
E o amanhã foi ficando distante, distante e quase já nem sei se sei por no papel o que quer que seja, com fiabilidade, com objectividade, com interesse.
Problemas de saúde, obras em casa, início de ano escolar...condimentos mais que suficientes para este adiar quase "sine die" daquilo que mais gosto de fazer: escrever.

Na era da comunicação, mais ainda na era da comunicação virtual, quase em detrimento da real, pessoal, "face to face"...Na era das redes sociais de conhecimentos, tipo "encher chouriços", tipo à pressão, tipo disparar em todas as direcções, em que o isolamento do ser humano o impele a ir a todas, na tentativa de que entre "tantas" e tão variadas, quiçá haja alguma oportunidade aproveitável...Na era dos "facebooks", dos "Twitter", dos hi5, já não falando do messenger, bastante demodé, sobretudo se se tem à mão uma webcam e uns altifalantes...a essência do ser humano deixou de ser prioritária, a verdade ou a meia verdade contada a gosto nas entrelinhas, os delírios ou desejos mais ou menos inconfessáveis ou loucos, veiculados intencionalmente nos perfis, nos diálogos, ou simplesmente o que se sugere mas não se diz, parece não ter qualquer importância mais.
Dá ideia que o ser humano se basta e engole no faz de conta, no imediatismo inconsequente, no "o que é que isso importa?!..."
Francamente não consigo achar nada disto positivo, construtivo, gratificante. Acho sim (e a experiência tem-mo confirmado), que tudo não passa de uma fonte de artificialismo, decepção, surpresas, situações forjadas e forçadas, mágoas até, pela fraude a que a maioria destes caminhos ínvios nos conduzem.

Bom, mas não vim falar disso, ou melhor, não foi a ausência dessa comunicação que me deixou órfã e "desasada", até porque, como afirmei já sobejamente, escrevo prioritariamente para mim e para ninguém...
Como diria o Julius de Sta. Lucia - "I leave with myself" ou seja, no meu caso, "I write for myself"...

Entretanto começou mais um ano lectivo, e é interessante auscultar-me como o tenho feito por cada dia que tem passado.
Na perspectiva que não haverá para mim profissionalmente um novo Setembro, um novo reinício, uma nova vivência e desfrute desta "adrenalina" que sempre acompanha um recomeço, as sensações são como que "sorvidas", como se faz em relação ao último gole de uma bebida doce de que gostámos.
Há em mim uma leveza triste a invadir-me, como se a guilhotina estivesse a descer lentamente, e eu quisesse tirar a cabeça, mas já o não pudesse fazer.

Não sei se consigo explicar o que sinto: adoro rever-me na sala de aula, com alunos à frente, ainda sôfregos de saber, ainda com olhos esperançosos e confiantes, dos vinte aos cinquenta e tal anos, a dar-me (como sempre soube e pude fazer ao longo da minha vida), a fazer-lhes festas no coração sem eles saberem, quando lhes explico três ou quatro vezes as mesmas coisas, com toda a bonomia e até amor, a sentir o seu voto de confiança, de apreço, de compreensão e também de afecto para comigo, numa empatia estabelecida por um barco em que todos velejamos e de que apenas sou a timoneira...

Sinto como é injusto que me tenham querido retirar o sonho continuado, de poder fazer um resto de carreira em paz, assim, a entregar o meu melhor, sem nada em troca que não seja a realização pessoal e a felicidade interior de os ver singrar, realizarem os seus desígnios, cumprirem as suas esperanças e metas.
Sinto uma revolta e até um ódio, pelo que me fizeram, fechando-me as portas da alma e do coração, fazendo com que a escola onde sempre vivi, se tornasse um mundo fóbico, triste, irreconhecível, um mundo que me colocou nos ombros um cansaço, uma desmotivação, uma tristeza...

E eu sei que não vou ser feliz lá fora, porque isto é o que eu sei fazer, porque isto é o que eu gosto de fazer, porque deixar os "meus meninos" (dos que o são, aos pais de família quase da minha idade), é desumano, é violento, é arbitrário.

Enfim, como penso que entrei de facto, numa espiral sem volta, num caminho sem retorno, resta-me fechar os olhos e ver-me há trinta e tal anos nesta mesma escola, dentro destas mesmas salas, com a vontade e a fé de verdes anos esperançosos, com o crer e a convicção inabaláveis, de que tinha entre as mãos destinos cuja missão seria encaminhar, com o acreditar de que deveria fazer de tudo para nunca defraudar aqueles seres em formação, em início de jornada...

Restar-me-à o quê mais, agora??
Talvez uma consciência bem tranquila, na certeza de ter valido a pena, ou a loucura inconsciente, que apesar dos pesares me leva a crer, que se voltasse lá atrás, faria por certo, tudo de novo!!

Anamar

3 comentários:

Anónimo disse...

Olá Ana:
Depois de Santa Lucia...Li a estranha forma de vida e achei a tua filha C(daquilo que conheço dela) uma fotocópia de ti.Aliás ,isto é uma opinião que tenho ......desde que te li a primeira vez.Muito parecidas, na inconstânçia, na sensibilidade, não sei se no rosto.Uma escrita egocêntrica que faz girar tudo em torno do sol, em que pontilham alguns planetas reflectores.Mas sempre a principal estrela és tu(ela).
Mas fundamentalmernte a sensibilidade.A forma de sentir é muito pareçida.Normal.Um beijinho.

Fernando

anamar disse...

Olá Fernando
Tenho que concordar contigo, na semelhança que existe entre mim e a minha filha..."desgraçadamente" para ela, acho que a "matriz" ainda está mais "aprimorada...
Efectivamente uma escrita, não diria muito egocêntrica...talvez muito intimista. Eu só sei falar do que sinto, do que acredito, do que amo, do que me toca...não porque me ache o "centro" do que quer que seja, mas porque é o que gravita à minha volta que na verdade é o meu mundo, o mundo da minha sensibilidade, dos meus "males" e dos meus "bens".
Exponho sempre sem subterfúgios, abro-me sempre desassombradamente à vida, falo do que acredito.
Inconstante, sou/somos...insegura, sou/somos...sem dúvida!
Herança de genes...creio.
Beijinho
Anamar

Anónimo disse...

Olá Ana:
Deveria ter posto egocêntrico entre aspas.Não tem nada de perverso.Se puseres 20 crónicas tuas lado a lado e tentares descobrir denominadores comuns,descobres o que digo:tu dominas as histórias,não existe uma realidade objectiva.Se "te dói um dente" pintas a realidade triste, se estás contente é como se o Mundo começasse hoje.A realidade é a tua percepção dela.Mesmo os outros personagens são dominados por ti.A própria pessoa que lê sente-se necessidade de te dar a mão e seguir-te.Caso contrário perde-se.Isto é um estilo e não uma perversão.Que até é atua imagem de marca e que deves cultivar.
Um beijinho

Fernando