Será um blogue escrito com a aleatoriedade da aleatoriedade das emoções de cada momento... É de mim, para todos, mas também para ninguém... É feito de amor, com o amor que nutro pela escrita...
quarta-feira, 16 de julho de 2014
" O PREÇO DA INSULARIDADE - aquele embarcadouro ... "
Estamos na " gravana " ou estação seca, aqui em S. Tomé.
Nunca pensei que no Equador pudesse haver frio, e dias infindáveis sem que o sol rompa a abóbada cinza carregada, aqui por cima das cabeças. Um capacete denso, de nuvens persistentes e espessas consegue pintar de tons pardos e escurecidos, o multicolorido desta ilha, que para mim era o paradigma eterno da luminosidade, da cor, do brilho e da alegria.
Criei essa fantasia baseada em informação deficiente, seguramente, ou simplesmente porque ainda que melhor documentada estivesse, creio que nunca acreditaria que pudesse ser diferente.
Mas o facto é que já aqui estou há quatro dias, e ainda não vi o sol, a temperatura ambiente é desconfortável ( até porque vim desprevenida para termómetros mais baixos ), há algum vento, e banho de mar, também é mentira, já que as correntes e as marés são muito fortes e perigosas.
As cores deste maravilhoso ilhéu estão obviamente prejudicadas, não obstante a beleza esmagadora oferecida por uma Natureza excessiva, rica, luxuriante e esfuziante também ...
Assim, parece que perambulo num cenário fora de contexto, ou que contemplo um postal ilustrado a preto e branco.
O dia tomba repentinamente cedo. Pelas seis da tarde é mais que lusco-fusco, e se quando amanhece o rosto do dia se anunciasse mais magnânimo e promissor, com sol a raiar, céu azul e temperatura morna, apeteceria sair da cama, vir para o exterior, absorver os cheiros, os sons, extasiar-me, deixar-me simplesmente envolver.
Assim, durmo até mais tarde, e experimento uma sensação de desperdício de tempo.
Mas é assim !
A época seca caracteriza-se climatericamente desta forma, e não há nada a fazer ... A não ser, claro, regressar na época das chuvas, do sol forte e do calor impiedoso ... ( rsrsrs )
A lancha que liga o ilhéu a S. Tomé, vai e vem três ou quatro vezes por dia. Carrega quem trabalha do lado oposto àquele em que vive, e os turistas que chegam e que partem.
A insularidade tem o seu preço, de facto !
No pequeno cais de encosto da embarcação, juntam-se os autóctones : as mulheres em desocupação de fim de tarde, a criançada no terreiro da Igreja, paredes meias com o embarcadouro, indiferente, nas brincadeiras sem fim, os rapazes da ilha lançando conversa fora e graçolas de circunstância, actualizam notícias da Ilha do Chocolate.
Aqui, é local de encontro e de lazer. As notícias vão e vêm, as boas e más novidades também.
Eu diria que é o ponto mais importante do ilhéu. É uma janela que se abre ao mundo, ao mundo que está do lado de lá, nem que o lado de lá seja tão simplesmente a ilha-mãe, S. Tomé !
É a única ponte que têm.
Por ela seguem os doentes em busca de auxílio na capital, seguem as crianças para a escola, sonhando com outros futuros ... seguem os mortos, a caminho de S. João dos Angolares ...
É o local de despedidas e de chegadas, com todas as tristezas, incertezas e angústias, mas também todas as esperanças, ilusões e quiçá alegrias, dos que partem e dos que chegam.
Ali se despedem os que vão, em busca de trabalho, de sorte e de melhor destino, seja em Portugal, em Angola ou Cabo Verde ...
Para trás ficam os idosos, os familiares chegados, os amigos e os filhos, que dirão um adeus interminável, enquanto a "João de Santarém" se afasta mar adiante, e até que a distância a reduz a um pontinho lá longe, perdido no meio do oceano, em direcção à Ponta da Baleia.
A dor e as lágrimas, a nostalgia e a saudade ficarão afogadas na indiferença salgada das ondas, até ao dia em que de novo a embarcação se corporizará, quando as águas devolverem a casa, aqueles que haviam partido ...
Nas Rolas, contudo, tudo terá permanecido exactamente igual, como se o tempo tivesse adormecido, amodorrado na sombra do caroceiro gigantesco do terreiro poeirento, paredes meias com a aldeia, paredes meias com a Igreja, paredes meias com o mar e o cais de embarque ... sempre com o chilreio da criançada descalça, suja e rota, em correrias, nos jogos de futebol, ou nas corridas dos carrinhos improvisados !!!...
Este, o preço da insularidade !!!...
Anamar
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