quarta-feira, 24 de setembro de 2014

" QUERO VOLTAR ... "





O avião deixou a Portela, e rumou ... Rumou céus fora, já a noite se abatia sobre Lisboa.

Ela partira ... e ela, ficara.  Não entrou no aeroporto a despedir-se. Odiava despedidas ! Esta, em particular.
Largou-a ainda na rua, de mala de rodinhas deslizando na calçada. Tratou de engolir com força o nó que se lhe apossara da alma, tratou de opacizar os olhos para não perceber que afinal chovia ... meteu a primeira, no carro que não desligara, e seguiu .

Afastou-se dali, rápido.  E enquanto a segunda circular se lhe desenrolava  indiferente, mais indiferente ainda, mais distante da chuva, das luzes, das buzinas, ela se sentia.
Havia uma espécie de amputação no ar.  Uma orfandade definida.  Sentia a opressão que uma violência gratuita e arbitrária, instala no coração.

" É ... não tens a noção desta cidade ... É um amor-ódio que experimento em cada segundo ... não pára nunca !
Sempre um barulho de fundo ... A única semelhança entre as pessoas, é terem braços e pernas ...
Suja e arranjada ao mesmo tempo ... linda e feia ao mesmo tempo ... tanta gente, e tudo tão sozinho !...
Homens lindos e homens horríveis ... Caríssima ... Talvez venhas a gostar de passar temporadas, aqui comigo ... um dia ... Museus lindos, que precisam uma semana para se verem ...
Não !  Não tens a noção do que te falo !...  Multiculturalidade ... Cosmopolitismo ... Nas pessoas, não encontras uma fisionomia semelhante ... Tudo coexiste ... ninguém repara em ti ... Podes morrer, que ninguém dá por falta !... "

As primeiras mensagens, a trazerem o frio e o abandono, de lá ...
As mensagens de resposta, a levarem o cheiro da terra molhada da serra, o azul do céu, os raios do sol que é só nosso ... o verde da esperança e do ânimo ... ainda que a saudade, essa coisa tão próxima, não desentranhe nunca, e mortifique, a cada dia que nasce mais vazio ...
A incerteza, a dúvida, a angústia ! A inevitabilidade , que como todas, não é escolhida, impõe-se...
E depois, há aquela paixão que não se suspeitava. Aquela Lisboa que afinal é muito mais bela, que tem regaço de mãe, e braços de embalar ... Que tem colo, que é ninho, cúmplice e aconchegante ...
Há a gaivota no rio, e o vento que empurra a vela ... há o crepúsculo em Sintra, e há um Outono doce, dourado de plátanos a despirem-se, enquanto o cheirinho das castanhas no assador, sobe, e nos fala da casa ali ... do refúgio a esperar-nos, ali tão perto ...
E há o riso dos amigos, a força dos afectos ... as cumplicidades partilhadas com a mãe, com irmãos, com avós... com crianças ... Com família, que teve de desprender as amarras e deixar-nos  partir ...  
E há até o fado, que é frase feita, mas que é verdadeira.  Bate, e carrega em cada nota o que é ser português, e percebê-lo, por vezes tardiamente, quando nos escorraçam da nossa terra ...
E há o mar salgado ... com as lágrimas de Portugal a encherem-lhe as marés ...
A  nostalgia, é então a única coisa palpável,  que pinta o céu cinzento, lá longe !...

"Angústia... sim ...  Angustiada, vivo ... Talvez  a  confrontar-me em definitivo, com a injustiça de  ter que deixar o meu chão !..."



Anamar

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