segunda-feira, 9 de maio de 2016

" QUANDO OS ANJOS DORMEM "





Anoiteci-me por aqui.
Anoiteci com o cinzento fechado da tarde, com a chuva copiosa que tomba, numa Primavera indiferente.
Uma que outra gaivota plana neste céu amorfo de emoções, com nuvens obstinadas a cerrarem o horizonte.
Demanda guarida, local de poiso.  Afinal, a noite assoma.
Há um silêncio perturbador, dentro e fora.
Lá fora, as famílias recolheram.  Hora de jantar, fim de dia ... fim de semana.
Tempo prometido.  Partilhas de "estórias" das histórias de cada um.
Aqui dentro, quatro paredes imensas, altas, frias, despidas ... como jaulas ou prisões.
Os gatos dormem há horas.
A música silenciou de tanto tocar.  Também ela melancólica, dormente ... igual à tarde.
As teclas do piano embalavam, numa dolência estranha, como se quisessem adormecer-me a mente .

Mais outro dia no fim !
Arde-me a garganta do que não falo.  Queimam-me os miolos do que não  pronuncio.
Peso.  O ar é pesado, sufocante.
A solidão estrangula ... sobretudo o peito.  Dentro dele, o coração.
Apetece-me gritar.  Apetece-me chamar.
Não corro o risco de ser ouvida.
Às vezes penso que esta casa é uma tumba.  É quando corro a chave na porta, quando cerro as cortinas,  porque lá fora ficou igual ... a noite desceu.
E todas as almas se preparam para o silêncio e para a paz.

É quando as sombras se agigantam, é quando o ruído do nada amarinha pelas paredes, trepa por mim e me enleia, como as raízes ancestrais enredam as ruínas.
É uma hora de desesperança.  É uma hora de desalento e de cansaço.
É quando os anjos dormem que ficamos mais sós ainda.
E acredito que a esta hora, quando o dia beija a noite de mansinho e as lamparinas do céu se acendem, eles esquecem os mortais por aqui perdidos ...

É tão só mais um crepúsculo da vida ...

Anamar

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