segunda-feira, 5 de dezembro de 2016

" SONHOS SONHADOS "




Estamos naquele tempo em que o plátano das traseiras se traveste das cores doces de um Outono-Inverno dormente e sorumbático, que nos aconchega.
As folhas verdes já são minoria, quase um achado encontrarem-se.  Os ouros e os ocres avermelhados imperam, em folhagem que se precipita a formar tapete no chão desta praceta, hoje silenciosa.
É domingo, o céu cinza plúmbeo impiedoso aqui por cima, está de um uniforme impávido e sereno.
A chuva precipita-se copiosa, alguns pombos cortam em pressa o firmamento e as gaivotas que recuaram, dançam nas ondas da aragem.
Para lá, onde o céu beija o mar, adivinho um desalinho alteroso ...
Por isso, elas buscaram terra segura.

Aqui, impera uma total ausência de som que me perturbe.  Os gatos dormem e ressonam mesmo, neste dia de desconforto.
À minha frente, o incaracterístico casario desgovernado e ao meu lado, companheira de demasiadas horas de silêncios e solidão, Énya embala-me com o seu inconfundível timbre, em melodias que conheço de cór.

Um dia mais que se abeira do fim.  A escuridão começa a cerrar-se ... e ainda não são cinco da tarde !

Interrogo a vida e o que é vivê-la.
Interrogo esta inépcia inata que tenho para o fazer.
Interrogo esta insatisfação dolorosa de mãos demasiado vazias perante ela.  Como se por entre os dedos me tivessem  fugido o sonho, a vontade e a fé ...
Interrogo esta incapacidade de nortear estes meus rumos sem rumo ... Com menos rumo que o das gaivotas aqui por cima ... que parecem não tê-lo.
Interrogo a lógica de uma existência que simplesmente se arrasta no escoar dos dias.  Pergunto-me como será ... e apavoro-me com o que está por vir ...

E o tempo escoa e submete-me.
E vergo-me perante os seus desígnios inapeláveis.
O pântano, o atoleiro, a areia indefinida e movediça  retiram-me a fé, a coragem e a força de mover as pernas e andar ...
Atordoo-me como numa estrada desconhecida, sem fim ou destino, cansada ... perdida sem itinerário.
Como se simplesmente devesse seguir, penitente ...

Por que não sou simplesmente uma pessoa comum, se sou uma pessoa simples no viver ?!
Por que me rebelo e não me conformo com o percurso tépido que a vida me disponibiliza ?!
Por que me maltrato inventando sonhos maiores do que a realidade mo permite, num desassossego inveterado ?!

Sonhos simples, contudo ... Sonhos justos, acredito ...
Sonhos de linguagem modesta, mas feitos de pequenos / grandes farrapos de emoções.  Feitos de linguagens de amor, de gestos límpidos, transparentes e quentes.  Sonhos pintados das cores envolventes e aconchegantes das doçuras outonais.  Sonhos vazios de solidões,  plenos dos afectos que sempre pairam  nos gestos cúmplices, nas palavras não ditas e só sentidas, nos sorrisos que nos enrubescem as faces, porque enleiam as batidas dos corações ... quando estas se partilham ...

Sonhos e mais sonhos ... apenas sonhos ...  Simplesmente sonhos sonhados !

Anamar



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