segunda-feira, 14 de janeiro de 2019

" DUAS ROSAS AMARELAS ... "




O sol descia a passos largos rumo à linha do horizonte.  Afinal, estamos em Janeiro e dentro de uma hora será a hora do repouso do rei.
Eram quatro e meia de uma tarde lindíssima, com um céu absolutamente translúcido, de um azul intenso e uma luminosidade penetrante.
As sombras já se projectavam longas no chão, uma brisa fresca corria ... e o mar continuava batendo lá em baixo, nos rochedos e no areal aos pés da falésia.
A vegetação rasteira, de carrasquinhos, camarinhas, canaviais, cravos romanos e azedas já em floração, revestiam a encosta, atapetavam os declives e forravam as escarpas.
Estranhamente, não planavam gaivotas sobre as arribas. 

Havia silêncio. Um silêncio perturbadoramente doce de chão adormecido.  Só o mar, em avanços e recuos, oscilante entre marés, mantinha o seu vai e vem de eternidade.
Eu estava e não estava por ali.  Na minha mão, duas rosas amarelas, de luz, de encaminhamento, de saudade ...

O pórtico lá estava.  O afloramento rochoso que ali se ergue, por entre a vegetação brava e rasteira, jamais permitirá esquecimento, dúvida ou hesitação.
Aquela passagem mágica entre terra e mar, aquela conexão simbólica entre o terreno e o etéreo, entre o fim e o princípio, entre o tudo e o nada, entre o som e o silêncio ... ali continua a pé firme, e continuará a desafiar as vidas, os tempos e os amanhãs ...
Aqueles amanhãs não divisáveis das curvas dos caminhos, das estradas dos homens, aquelas vidas que se vão fazendo no desfiar de gerações que se sucedem, aqueles tempos que não começam nem acabam, simplesmente porque o Homem com eles e neles se confunde ... até ao infinito !

Não foi premeditado. Não foi agendado.  Não foi culto de nada.
Foi necessidade.  Foi busca. 
Fui reencontrar o colo dos meus pais.  Fui procurar o regaço protector da minha mãe.  Fui ouvi-los, sentindo-os apenas.  Fui sussurrar-lhes da minha orfandade, sabendo que estão por ali, naquela poeira do caminho, naquela seiva dos caules despontados, naquela aragem que os levará pelos céus fora, para as águas que não regateiam destino, que abraçam e envolvem a Terra, que nunca começam nem nunca acabam ... até ao fim dos tempos !

Nove meses desde que a minha mãe me deixou.  Nove meses, o tempo que me albergou no seu ser, até me tornar gente... Os primeiros nove meses de um vazio e de uma solidão, que nada nem ninguém, nunca preencherão ...
Sentei-me nas rochas, perdi o olhar naquela imensidão sem horizonte que a limite, ouvi os silêncios, escutei as ondas, percebi o vento que passava, abençoei aquele sol dourado que descia ...
Espetei as rosas, por entre os carrasquinhos, e deixei-as iluminadas pelos últimos raios de uma tarde que cessava ... e regressei ... desalentada, sem forças ou vontade ...

Um dia, também eu estarei por ali !...

Anamar

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