quinta-feira, 18 de abril de 2019

" MIN GA LA BA " - Memórias de viagem




"MIN GA LA BA "  é a saudação de bons dias que nos é distribuída por todos os cantos de Myanmar.

Myanmar de seu anterior nome Birmânia, tem origem em Burma, que deriva de Burmese Bamar, a principal etnia do país.  Myanmar seria uma aliteração disso, sendo Burma a versão coloquial.
É mais um dos países situados no sudeste da Ásia , que acabei de visitar.

Fascina-me a cultura oriental, fascinam-me as belezas naturais e a tipicidade dos costumes, e fascina-me a forma simples e despojada como vivem.
A filosofia ou corrente espiritual que em predominância os norteia, o Budismo na sua vertente Teravada, tem valores e princípios que me interessam.  Nada têm a ver com a sociedade de consumo, material e vazia que motiva os ocidentais.
É uma sociedade humanista que cultiva o desapego e a felicidade na simplicidade.  Boas sementes darão bons frutos, e na vida, a lei do retorno encaminha este povo para melhores karmas, rumo ao Nirvana !

Sob temperaturas que rondam os 40º C e uma humidade excessiva, o cansaço instala-se ao fim de algum tempo.  Os dias começam bem cedo, e há que rentabilizá-los.

Myanmar é o país dos Templos dourados, dos Pagodes, das Stupas e dos Monastérios.
As cidades de Yangon, Bagan e Mandalay, foram os principais centros que visitei, sendo o Lago Inle o encerramento perfeito para o meu périplo.
Havaianas nos pés, roupa fresca e chapéu na cabeça, foi a indumentária adequada.
Lá, os homens usam "longhis", saias até aos pés, atadas na cintura, mais cómodas por mais frescas, em temperaturas demasiado elevadas, como referi.  Normalmente têm cores escuras.  As mulheres também as usam, embora prefiram cores mais garridas.
Pintam os rostos com uma pasta vegetal da Thanaka, uma árvore endémica. Ralam a madeira, e da serragem confeccionam a referida pasta, protectora da pele contra os raios solares.  Simultaneamente funciona como embelezamento, sendo-lhe desenhados motivos decorativos.

A Birmânia foi colónia inglesa até 1948.  Fora anexada pelos ingleses, em 1885, depois de três guerras.
Nesse período, a sua capital era Yangon ou Rangoon.  O líder do movimento independentista foi então o general Aung San, cuja filha viria a receber o Prémio Nobel da Paz em 1991, pela militância contra a ditadura militar imposta desde 1962.  Tem hoje 73 anos, estudou na Universidade em Deli, Oxford e Londres e o regime militar manteve-a em prisão domiciliária em Myanmar, impedindo-a de receber pessoalmente o Nobel, e ainda de acompanhar o marido, inglês, que viria a falecer de cancro, em Inglaterra.
Tendo-lhe sido negado o visto de entrada no país onde vive e onde continua a ter protagonismo político, se saísse, não mais poderia voltar.
Hoje é deputada e braço direito do presidente, embora neste momento não seja figura politicamente consensual.
A história de Aung San Suu Kyi, foi narrada no filme "The lady".

Como em qualquer um dos países asiáticos que já visitei, o trânsito é anárquico.  O transporte é feito preferencialmente por moto.  Nelas, transportam-se famílias inteiras.  Nelas, transportam-se objectos de dimensões inimagináveis, em equilíbrios de uma precariedade que lembram passes de verdadeiro malabarismo. As crianças vão à frente do condutor, segurando-se aos retrovisores, e as mulheres sentam-se de lado, atrás.
Excepcionalmente, em Yangon as motos não têm autorização para circularem.  Essa determinação adveio da ocorrência de um atentado político falhado, contra um general da ditadura.  O agressor fazia-se transportar de moto.  O atentado gorou-se, mas as motos foram então interditadas. Nas restantes cidades existem aos milhares.
Até à década de 70 a condução era feita à inglesa, ou seja, pela esquerda.  Hoje é feita pela direita, só que com o volante também à direita, pois grande parte dos carros são oriundos do Japão, feitos para mão inglesa.

A moeda nacional é o Kiat, sendo que 1 Euro vale aproximadamente 1700 Kiats.  O dinheiro circulante é apenas em papel.  Não existem moedas.
Qualquer compra é negociada e discutida acaloradamente.  Há que pechinchar !!!

Bagan é primordialmente a cidade dos Templos e das Stupas.  Já existiram mais de quatro mil.  Hoje, mercê do desgaste temporal e de terramotos ocorridos com frequência, erguem-se ainda assim, mais de dois mil.  As famílias constroem stupas em homenagem a Buda.  Dessa forma perpetuam o seu nome, e acautelam o karma futuro.
Os templos são esmagadores.  Com dimensões que nos deixam perplexos, são ricamente revestidos com folha de ouro, com placas de ouro maciço como o de Shwedagon com 99 metros, em Yangon, com madeira rendilhada, com pedaços de espelho em bordaduras recortadas, num trabalho com uma  maestria incapaz de ser descrita.
Neles se entra sempre descalço, e nos mais austeros, os ombros e as pernas devem ser cobertos.

A pouco mais de cinquenta quilómetros de Bagan, existe o Monte Popa, um mosteiro edificado no cimo de um imenso rochedo vulcânico extinto há 15 milhões de anos, que é dos principais centros de peregrinação e adoração de Myanmar.
Foi mandado construir por um guru religioso no século XII, em homenagem aos Nats, 37 espíritos / deuses, venerados, verdadeiramente adorados e temidos, que são fantasmas malevolentes e atormentados, como demónios ou duendes, que evoluíram de homens e mulheres com mortes violentas e dolorosas.
São capazes de influenciar a vida terrena, e como tal, devem ser tratados com reverência e generosidade, para trazerem sorte e prosperidade, o que significa que quem neles não crê, pode sofrer consequências terríveis.
São-lhes por isso deixadas oferendas de flores, frutos, dinheiro e litros de bebidas alcoólicas para que se apaziguem.
O Mosteiro de Popa,  Taung Kalat, ergue-se a 777 degraus do solo, numa escadaria por onde circulam famílias inteiras de fiéis, de todas as condições e capacidades físicas.  Crianças, adultos e velhos, quase carregados em peso, convivem escada acima com cerca de 2000 macacos Rhesus que proliferam ao redor do mosteiro.
Há um verdadeiro comércio parafernálio instalado, com vendedores de roupa e lembranças, com faxineiros que varrem ininterruptamente a escada totalmente conspurcada por lixo e dejectos dos símios, e que aproveitam para pedir doações.  Há todo um colorido dos trajes, dos néons e da decoração dos altares dos Nats, e há muito dinheiro em receptáculos de vidro ou mesmo colado às figuras dos espíritos.
Vive-se  um ambiente todo ele surreal !!!






Nos mosteiros,  os monges ingressam por opção ou por determinação de vida.  De facto, os mosteiros também são apoio familiar ( albergando muitos órfãos )  e social, já que a eles recorrem famílias de parcos recursos, normalmente agricultores,  gente do campo, buscando forma de educar e prover à formação integral dos seus filhos.
Pelas manhãs, os monges deixam os mosteiros transportando pequenos potes, e dirigem-se aos diferentes locais onde diariamente lhes disponibilizam os alimentos que deverão consumir numa única refeição, tomada até ao meio dia.  Depois dessa hora não ingerirão mais alimentos.
Vêm normalmente em grupos ou em filas, com os menores, à frente.   É a chamada "Ronda das almas".
A população garante a subsistência, aos monges de milhares de mosteiros de Myanmar.
Lá,  eles  estudam,  meditam,  rezam  e  também  brincam ... porque  muitos  são  apenas  crianças !

Nos templos são depositadas ofertas com velas, frutas, arroz e outros alimentos, como preito de homenagem a Buda.
Há famílias inteiras que peregrinam, e parecem "acampar" nos pagodes, numa "convivência"  com Buda ( tida como normal nas suas vidas ).
Em Shwedagon Pagoda há um altar com um Buda por cada dia da semana.  De acordo com o dia do nascimento de cada um, e utilizando pequenas canecas disponíveis, deverá banhar-se com água purificada, o nosso Buda correspondente, tantas vezes quantos os anos que temos, mais um, para que a bênção da vida se prolongue e acrescente.
Há templos em que as mulheres só se podem aproximar da estátua de Buda, até uma determinada linha que marca o espaço sagrado.  E há estátuas totalmente deformadas, pela deposição sucessiva das folhas de ouro que as revestem, em oferenda dos crentes.
As estátuas de Buda assumem as mais diversas posições ou "mudras".  As de concepção chinesa, representam quase sempre Budas sentados e extremamente obesos, enquanto que os Budas originários da Índia e do Nepal, realçam uma beleza mais feminina, com roupas colantes ao corpo, ressaltando a morfologia inerente ao género.
Por vezes, os rostos são pintados e as unhas dos pés e das mãos também.  É o que caracteriza por exemplo o "Buda Reclinado", com 70 metros de comprimento e 16 de altura, revestido a ouro, coroado com diamantes e pedras preciosas, existente no Templo Chaukhtatgyi  em Yangon.  Tem cores marcantes, manto dourado, rosto branco, baton vermelho, sombra azul nos olhos de vidro e unhas rosa.




Grande parte das estradas é feita normalmente pelas mulheres.  Umas, partem pedras até as tornarem em cascalho, outras, carregam-nas em cestas, outras ainda, espalham-nas na terra para que no final uma máquina as espalme, antes de ser colocada uma camada de alcatrão por cima.
Tudo isto, embiocadas em chapéus e panos protectores, sob um sol castigador.
A agricultura também é artesanal.  O arroz, que integra todas as refeições, é ceifado com foices, a terra arada com a ajuda de vacas ou búfalos, e podem ver-se carros de bois, carroças, manadas e rebanhos de cabras.

Nyaung Shwe fica no estado Shan, a leste de Myanmar e é a porta de entrada para o Lago Inle, um lago de água doce com 116 quilómetros quadrados, 100 Km de comprimento por 5 de largo.
Fica no meio de montanhas a quase 900 metros de altitude, e é alimentado pelas águas que delas escorrem.
Nesta zona vivem cerca de 70000 pessoas, as mulheres usam turbantes garridos, e nas suas margens encontram-se muitas das pequenas indústrias artesanais que visitei, bem como templos e mosteiros.
Phaung Daw U é um deles, com cerca de cem anos, Kyaun Khon Kyaung, o Mosteiro dos gatos saltadores, um outro, em madeira de teca, construído em 1855, segundo a arquitectura do Lago - construções palafitas assentes em estacas de bambu e com exclusivo acesso, por barco.
Neste templo um monge superior adestrou os muitos gatos que habitam o mosteiro, em malabarismos e acrobacias saltadoras.  Existem vídeos no youtube muito engraçados, ilustrando essas peripécias felinas.
Actualmente o monge superior responsável, baniu essas práticas, considerando-as antagónicas dos  valores e preceitos budistas.
Mas os gatos continuam a habitar o mosteiro ...









O Lago Inle é um jardim de jacintos de água.  À sua superfície, as pequenas flores atapetam tudo o que a vista alcança.
Os barcos dos pescadores, os barcos de transporte das populações e os de todos que sulcam o Lago, são em madeira, rasando as águas, com motor de popa.
Os pescadores e recolectores de algas do Lago, remam com os pés, equilibrando-se nos barcos, apenas com uma das pernas. Têm redes com uma forma característica, lembrando um cone invertido.
É um ballet dançado sobre as águas !!!
As algas servem para que, no próprio Lago, com a ajuda de estacas de bambu, construam plataformas fixas, sobre as quais, com fertilizantes, possam desenvolver-se as espécies necessárias à sua alimentação.  Nessas "hortas flutuantes" que têm que ser refeitas de 2 em 2 anos, cresce tomate, pepino, pimentões entre outros produtos.
As espécies vegetais desenvolvem as raízes para a água, sendo por ela alimentadas.  É a chamada "cultura hidropónica".
O Lago Inle tem uma população lacustre habitando em aldeias palafitas.  Cada casa tem uma escada até ao pequeno barco, único transporte no Lago.
A água, armazenada em depósitos em cada habitação, vem do centro do Lago, a uma profundidade de 5 metros, é tratada e utilizada para o uso das famílias.



Nas margens do Lago, visitei, como disse, pequenas indústrias artesanais em que os trabalhadores são preferencialmente mulheres.
Vi uma indústria de tecelagem, onde se fabricam peças lindíssimas, com a fibra extraída do caule da flor de lótus.  Igualmente se tece o algodão e a seda natural, essa, importada da China.
Vi a confecção de charutos artesanais, com casca de milho e papel, misturado com anis, mel, banana ou hortelã, colada com tamarindo, arroz e água.



Vi o fabrico de papel para criação de chapéus de sol, candeeiros e outros, adornados com flores naturais incorporadas, feitos da casca da amoreira.
Vi mulheres-girafa fabricando roupas com tecidos feitos das fibras de lótus também. São roupas e panos profusamente coloridos.


Ostentam no pescoço, nos braços e nas pernas, espirais de latão.  Pertencem às tribos Karen e são originárias do norte da Tailândia.
De acordo com a tradição local, parece que inicialmente esses anéis metálicos preveniam ataques surpresa, dos tigres.  Acontece que na zona onde estão sediadas as tribos de mulheres-girafa, não vivem mais esses felinos.  Apenas, a tradição perpetuou-se e continua a existir.
Trata-se pois, de uma questão cultural.
Aos nove anos de idade, já as meninas usam 13 anéis, correspondendo a um peso de quatro quilos, aumentando com a idade, o número de espiras que as envolvem.





A Birmânia tem riquezas naturais aproveitadas nas indústrias artesanais.  Tem ouro, prata, pedras preciosas e semi-preciosas em jazidas no subsolo. Tem madeira de teca e bambu usado nas mais variadas situações.
O trabalho em laca ( produto nacional de Myanmar, onde existem mais de duzentos ateliers artesanais, e em que a matéria prima vem da árvore Thitsea, cortada em tiras muito finas) , o trabalho esculpido em madeira, o trabalho em prata, em folha de ouro, em metal, a tecelagem de roupas e tapetes, entre outras, são algumas das principais indústrias artesanais, como já referi.

Sempre que visito um país estrangeiro não dispenso uma incursão pelos mercados locais.  Considero-os a mais genuína representação do povo.
Aqui também visitei alguns, e é sempre com fascinação que contemplo toda a explosão de cor, de cheiros, de sons, de costumes particulares e irrepetíveis, características de cada zona do globo.
É nesses espaços que se compreendem as rotinas, os hábitos, as vivências ... em suma, a verdade da vida de cada país !







Esta exposição já vai longa.
Quis com ela abrir-vos uma janela neste sudeste asiático, janela que permitisse ver de tão perto quanto possível, como foi ... como é !  Espero não ter sido excessivamente exaustiva nas explicações.

Para Myanmar, terra minha de acolhimento por alguns dias deste Abril de 2019, vai o meu ...
" KYEY ZU BA "  (  Obrigada )  !

Anamar

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