segunda-feira, 24 de junho de 2019

" TÃO SIMPLES ASSIM ..."



Escrevo pouco, ando dispersa, desligada, indiferente.
Acho que um pouco vazia de emoções.  Experimento uma certa acomodação à vida, que me desafiava e já não desafia como antes.
Penso que rotinei em excesso, amodorrei, indiferentizei-me com o que me rodeia.  Vivo num encolher de ombros, tanto me fazendo que o sol brilhe ou seja cinzento o dia ...
Cansada.  Cansada, parece ser o vocábulo que mais me vem aos lábios.  Digo-o e digo-mo, vezes sem conta.  Quase todos os dias ...

Será que quando atravessamos uma grande tempestade, pouco já consegue abalar-nos ?
Será que quando olhamos a morte de perto, quando a percebemos realmente e com ela conversamos, ainda que noutro corpo e noutro coração, ficamos meio dormentes, como com uma ferida aberta que já não sangra mas continua a doer ?  Um doer lento, manso, como um resto de anestesia que nos ficasse no sangue, circulando de alto a baixo ??
Talvez passemos a relativizar a importância de tudo, a importância até da própria vida.
E percebemo-la tão pequenina, tão insignificante ... tão frágil, que toda a importância que ao longo dos anos lhe atribuíamos, toda a inquietação com que nos atormentou, não passaram de fogos fátuos, que se apagam na noite escura.

Sinto-me "entupida" de um desconforto destrutivo, e sinto-me só comigo mesma, falando-me de estados de alma que só eu conheço, que só a mim interessam, que só para mim têm significância, e que os outros não entendem nem aceitam, simplesmente porque não entendem mesmo.
Vem aquela coisa de empatia solidária de alguns ... "sim ... tem dias assim, em que acordamos com uma insatisfação atroz com tudo, com uma inércia que nos tolhe até os menores movimentos e vontades ... Comigo também "... bla bla bla ...
Parece que oiço as vozes, distingo as palavras, até vejo os rostos de quem, complacentemente, o diz, no intuito de uma espécie de compensação, ajuda, compreensão ... simpatia ...

Ou oiço os outros que não entendem, simplesmente porque não entendem a linguagem ... como dizia.
Porque na verdade, na realidade ... porquê, sentir-me assim, sem alegria de viver, se a vida parece ser tão importante ?!

A vida, a sua justificação, o seu significado, o seu interesse, a sua lógica, são as tais questões existenciais que, se começamos a questioná-las, está tudo perdido ... para não usar um português mais vernáculo ...
Em tempos idos tive um interlocutor nesta mesma onda.  Talvez de nada adiantasse, mas pelo menos existia uma compreensão empática das dúvidas que nos tomavam ...
Acho que ele encontrou um "modus vivendi", e vai seguindo.  O trabalho é uma excelente terapia.  Pelo menos retira-nos tempos de ociosidade e introspecção.  E isso, ele tem muito.
Eu não.
É espantoso como, quando estamos no activo, ansiamos atingir aquele patamar de vida em que teoricamente iríamos finalmente realizar isto, aquilo e o outro, para que não temos então tempo ...
Tolice.  Nada se passa dessa forma.  O tempo está mais vazio, de facto, mas falta o resto.  E o resto é a centelha de vontade, a exuberância da frescura, o quinhão de loucura que parece termos perdido por aí ... Faltam objectivos, porque parece que pouco nos falta já, fazer.  Já está quase tudo pronto.
Os filhos têm vidas próprias e resolvem as suas próprias questões.  Os netos cresceram ou estão a crescer, depressa de mais, quase à nossa revelia, com padrões e linguagens que já não identificamos bem.  A casa ou as casas que haveríamos de adquirir, já quase só são, uma dor de cabeça, uma fonte de despesas e preocupações. Os nossos ascendentes, grosso modo, já partiram e libertaram-nos das exigências que lhes eram devidas.  Praticamente todos os amigos que tenho já não têm pai ou mãe ...
Começamos a perder conhecidos e amigos ... Alguns deles, inesperadamente.  E a sensação de "orfandade", torna-se assim mais abrangente ... Os amores ... bom, os amores também já os vivemos.
Quando pensamos, dizemo-nos como seria bom apaixonarmo-nos de novo !  Sorrimos, ao lembrar ... A vida também já nos roubou sonhos, esperanças, fé.  A vida já nos apagou as chamas que nos ardiam no peito ... e não há tanto tempo assim, afinal !!!

Então, fica aquela coisa de "pão dormido" ... de "comida requentada" ... de balão furado ...
Falta gás, falta "élan", falta força, falta projecto ... faltam objectivos ...

Porque ...

Os objectivos norteiam a vida.  A falta deles amorfiza os dias e retira o ânimo e a vontade.
Nas empresas trabalha-se por objectivos que impõem ritmos, metas, orientam esforços, definem rumos.  A luta pelo alcance dos mesmos, estimula a superação, o aperfeiçoamento, o desafio pessoal, a capacidade individual. Diariamente devem ser condutores das nossas vidas, porque são o semáforo que, aceso no fim do trilho, chama, ilumina, facilita.  Sem eles, vive-se um pouco por viver.

O homem gera-os, por vezes por razões positivas, por vezes por razões negativas.
São eles que erguem diariamente o homem que clama por justiça, o homem que busca a vingança de ódios acumulados, o homem que luta pela reposição de direitos feridos ... o homem que pugna por ideais em que acredita.
São uma mola impulsionadora que nos empurra o sonho adiante, que nos alimenta o ego e nos dá força para continuar...

Deve então ser exactamente  tudo isto, e não mais !... Ausência  de  objectivos,  na  minha  vida ! Tão simples  assim !!!...

Anamar

Sem comentários: