segunda-feira, 21 de outubro de 2019

" CADERNO DIÁRIO "



Chove e faz sol ...  Um sol fraquito, uma chuva a fazer de conta, mas de pingos grossos, contudo espaçados, pingava na vidraça.
Comecei a ouvir um tic-tac aqui pertinho, sentada que estou frente à janela, sem perceber muito bem do que se tratava.  Completamente distraída, com o computador banhado por este reflexo dourado de um sol outonal, não percebi logo o que ocorria lá fora ...
O meu gato, plantado por detrás do PC, usufruindo também ele, do morno aconchego desta luminosidade doce, dormita ronceiramente, como os gatos costumam fazer, simulando um aparente desinteresse por tudo o que os rodeia.  Não é à toa que se define este estado letárgico, como sendo de "dormir a caçar ratos" ...

Entretanto ... a "chover e a fazer sol ... as bruxas estarão a comer pão mole", seguramente ... 😄😄😄
Estou muito versada hoje em adágios populares, parece ...

Dentro de alguns dias vou procurar "arrimo" para bem longe.  Dentro de alguns dias aniversario, também.  É sempre um evento malquisto por mim.  A impotência de parar esta torrente incontrolável do tempo, esta escorrência "non stop" cada vez mais vertiginosa, deixa-me angustiada.
Neste momento as semanas não andam ... correm.  Os meses não correm ... voam.  Os dias, mal começam e já delapidaram as devidas vinte e quatro horas por cada um.  Os anos ... bom ... esses, desafiam-me com ar de escárnio, sadicamente, mostrando-me constantemente quem mais ordena !!!
Falo com pessoas amigas.  Todas são unânimes em dizer-me que há por aí uma batota qualquer, que não descortinamos ...  2019 entrou ao sprint em Janeiro ( ontem mesmo ... ), e ainda não desistiu de alcançar a meta de 31 de Dezembro com a celeridade que mais parece a da luz nos seus caminhos ...

Assim, se estiver longe, num local mais impessoal, afastada de telefonemas, felicitações e quejandos, até parece que o tempo se vai esquecer de mim ...
Por aqui, o tempo tem a cara do tempo de sempre.  As rotinas são globalmente as mesmas.  "Tudo como dantes, no quartel de Abrantes" ...
Anoitece cedo, o céu cobre-se de nuvens encasteladas.  Não sabemos o que vestir, para não pecarmos por excesso nem por defeito.  A roupa da cama já fica ligeira, madrugada adiante.
Não ando apetrechada de vontade ou paciência p'ra ver gente.  Aliás, esta tem sido a tónica dos meus últimos posts, como se tem visto.  Mas reconheço não ser seguramente boa política, este isolamento.
Este encapsular teimoso conduz a um estado emocional negativo.  Cada dia mais nos confinamos ao nosso espaço, cada dia convivemos menos, menos aferimos a nossa sanidade mental, menos escrutinamos a nossa forma de pensar, a nossa capacidade de análise, as nossas conclusões.  Cada dia caminhamos mais e mais para um autismo formal, para um desinteresse pela realidade circundante que cada vez nos diz menos, numa espécie de busca de uma eremitagem salvadora ... num afastamento escolhido da realidade da vida.  Parece querermos defender-nos não sei bem do quê ...
E nada disto é, contudo, saudável !

Mas lá fora as pessoas correm.  Correm muito de manhã à noite.
Das minhas relações, a maioria já não está no activo.  Mas isso, ao contrário do expectável, parece ainda complicar mais a presunção de disponibilidade.  Fazem-se planos, "cadernos" de intenções ... "havemos de ..."  E depois, não havemos nada !  Sempre assim.
Não sei se em nome do comodismo, da preguiça, do imobilismo epidémico ... eu sei lá ... estamos e continuamos ( lamentando-o, ironicamente ), empacados !

E mal amanhece, já anoitece, o que é o caso ...
Ainda há pouco o sol fraquito me banhava ... Já é noite cerrada ... e mais um dia prepara o encerrar de portas !
"Mais um dia", dizia em tempos uma aluna minha, com ar sapiente, à meia noite, no encerramento de mais uma noite de aulas.
"Ou menos um "... retorqui.
Matutou por breves instantes e medindo-me de alto a baixo, afirmou, com ar sabedor, vitorioso e de alguma comiseração : " Para a senhora, talvez menos um, para mim, seguramente mais um !"...

Sorri para dentro, argumentei para dentro, e tive pena que ela, já adulta, ainda não se tivesse dado conta que para todos ( desde que pusemos o pezinho por aqui ), cada dia é sempre menos uma folha a escrever-se, no caderno diário que nos coube em destino...

Enfim ... Coisas da vida real ... simplesmente !

Anamar

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